sábado, 28 de janeiro de 2012

Mea culpa

      No dia seguinte à tragédia anunciada nada se sobrepõe à misericórdia como emblema da dor e desespero no epicentro da calamidade pública. Alívio para uns, flagelo para outros tantos, a verdade é que estamos irmanados na mesma culpa, no mesmo fardo. Não é difícil acreditar que aquelas máquinas revolvendo a terra pode estar procurando inocentes e culpados em meio àquele mosaico de entulhos, poeira e contrassenso.
     Na Cidade Maravilhosa e exuberante, a nossa miséria é a indisciplina impregnada no tecido social; nossa riqueza, a solidariedade do próximo e do estranho. Somos capazes de chorar a dor dos outros, mas não temos a petulância de detonar o sujeito que burla a lei, a ousadia de se reverter esse expediente de resolver as paradas na calada da noite, pra não lombrar no dia seguinte.
    É por isso que o que não pode fica valendo também quase que para sempre, pois estamos prestes à perpetuar o jeitinho brasileiro como status quo oficial, tal qual a corrupção como sistema de governo.
     Tudo bem que a hora agora é de encontrar mortos e responsáveis, mas lá na frente, assim que a poeira baixar, é melhor que se revolva também esse estado tétrico e de inércia, para que o responsável, o culpado, o sujeito que efetivamente permitiu a constância desse quadro de horror, que nem a poeria consegue esconder, sofra os rigores que, pelo menos, a lei permite.
      Enquanto durar o jogo de empurra que certamente vai rolar, eu fico até achando que vou levar a culpa por tudo isso. Exatamente. Serei acusado por não ter denunciado que havia uma obra irregular, do mesmo jeito que não reclamo quando neguinho joga papel no chão, com medo de ele me bater.
       Poderei ser indiciado pela omissão, já que havia um órgão fiscalizador, que certamente iria até o local, verificar a observância dos critérios, e eu resolvi me calar, assim como me calo, mesmo sabendo que se eu recorresse ao órgão de defesa do consumidor, o supermercado  não aproveitaria  as promoções para vender carne fora do prazo de validade.
     Por fim, pode ser que eu seja condenado, já que eu continuo votando nessa gente que promete um novo cenário para minha cidade, que em cada pleito surge uma maquiagem diferente, sempre com a desculpa de que a Copa do Mundo e as Olimpíadas deixarão um legado para a população, como bem foi prometido com relação ao PAN 2007, e o transporte público e a segurança da cidade do Rio de Janeiro continuam a mesma coisa.
    Por sorte poderei me safar, pois essa justiça arcaica ainda deixa brechas para que eu continue, assim, de olhos fechados, fingindo que está tudo bem.
     
      

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