segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nem tudo está perdido

     A morte é mais fácil de absorver, embora seja um dos maiores temores da humanidade. O difícil é conviver com as perdas que o passamento de alguém provoca na vida de quem nunca mais verá aquele amigo que se foi, o filho em quem se apostava todas as fichas, a companheira fiel na tristeza e na alegria.
     Por mais que se tente disfarçar uma tristeza profunda, a rotina muda, o semblante também se altera, e isso fica explícito aos olhos de quem está sempre próximo e estava acostumado com aquela expressão alegre, jovial, sem marcas de tortura ou de dor.
     Tenho visto frequentemente um senhorzinho passando pela rua onde eu trabalho, seguindo o mesmo trajeto de sempre, deixando transparecer que a vida continua, mas não é a mesma de outrora.
      A passada agora trôpega e inconstante tomou o lugar daquela cadência firme e segura de todos os dias em sua caminhada matinal. Em vez dos vistosos fones de ouvido, agora vive a falar  aos ventos, esbravejando com não sei quem. A saudação diária continua com afeto, mas emoldurada de melancolia fazendo as vezes de sua sombra, caminhando lado a lado, a comunhão medonha entre a angústia e a saudade.
     Sua esposa e fiel escudeira se foi e parece que levou consigo para o outro plano toda a alegria de viver do seu eterno amado e amigo. Eu fico imaginando a mesa com um talher, o lavabo com uma escova de dente e a cama com um travesseiro apenas.
     Se a música para de tocar, há um motivo para isso; se a banda não toca mais na praça existe um porquê. As madrugadas frias e insones só servem para revelar o tempo que ainda falta para se viver assim tão desoladamente.
     É numa hora dessas que nos enchemos de brios para prosseguir adiante e sempre. A tragédia alheia serve de combustível para o resto dos mortais. E o velhinho aos frangalhos vai refazendo a trajetória dos que se sentem desamparados, moribundos e infelizes, que reivindicam para si uma dignidade assim inabalável, capaz de sobreviver ao mais cruel dos revezes humanos, permitindo reconstruir tudo aquilo que parecia perdido.
     Mesmo que ainda tenhamos uma grande ferida para cicatrizar.

domingo, 28 de abril de 2013

O Brasil entre duas Copas

     Desde o momento em que aquela bola passou por Barbosa, sem pedir licença, muito pouca coisa mudou até os dias de hoje. A expectativa que se formou em torno daquele espetáculo se confundia com a própria construção do maior estádio do mundo. A cada tijolo assentado, a cada suor derramado aumentava a perspectiva de futuro de um Brasil em construção. Muito antes de Gighia desferir aquele chute que desmoronou a nossa soberania, havia um grande desafio em curso: tornar continental um país entregue à sorte dos coronéis; uma nação, cujas mazelas Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos ajudaram a desnudar.
     O triunfo do inimigo em nossos domínios parece que já prenunciava a nossa dificuldade de fazer o dever de casa. Na verdade, não era muito confiável entregar nosso destino nas mãos daquele caudilho camaleônico, cujo oportunismo o travestia, ora de déspota, ora de populista. O ópio de que precisávamos era a estética da razão, essa sim, capaz de entorpecer as mentes, tornando-as efervescente e pensante. Bem que o antídoto para essa enfermidade poderia estar prescrito no Plano de Metas! Mas nosso caro pé-de-valsa preferiu se rodopiar nos salões do high society e maquiar o país com estrada, chaminés e ilusões perdidas.
     Finalmente o primeiro triunfo brasileiro dentro das quatro linhas. O primeiro grande gozo. Nem Freud poderia imaginar o princípio do prazer em larga escala. Pronto! Temos tesão suficiente para pressionar o regime por mudanças.
     Pensando nisso, e antevendo uma aproximação maior desse povo cheio de energia, ficou decidida uma nova sede, bem longe dos centros urbanos. O artista até vai aonde o povo está; político prefere distância. E alcançar o Cerrado pode ser tão complicado quanto o caminho que vai dar ao sol. Menos mal que muitos refugiados da seca do semiárido foram ganhar o pão nos canteiros de obra do Planalto Central.
     Quando Bellini levantou mais uma vez a nossa moral, a estudantada e a classe artística já faziam barulho, ecoando muito além das cercanias do Plano Piloto. A canetada dos generais operou uma mudança drástica no nosso cotidiano. Um misto de repressão e dor manchava de sangue a minha, a sua e a nossa dignidade. Com esse rodo cotidiano ficava difícil fazer barulho como se fazia em Praga, Paris ou Woodstock. E o pente só não foi mais fino porque os caras eram muito imbecis, e muita coisa passava despercebido. Às vezes dava até para avisar que a banda e o samba iam passar.
     O cala-boca que se instaurou nos deixou inútil por uns tempos. O Delfim pegava dinheiro e não conseguia pagar; a indústria do vestibular resolveu escolher o que iríamos escolher para entrar na faculdade. A, B, C, D, E!!! Paulo Freire deve estar dando cambalhota em  sua sepultura até agora.
      Havia um pessoal que via o sol nascer quadrado; outros que viam as horas no Big Ben, como se fosse o relógio da Central. Tinha gente que passeava pelo Arco do Triunfo, imaginado os Arcos da Lapa. Quando finalmente essa galera cumpriu alguns jogos de suspensão, eis que já estava todo mundo dominado. A cultura que imperava era justamente aquela que não incomodava.
     A democracia foi finalmente inaugurada. Há espaço pára todo. Exatamente nessa ordem, cada um  governa um pouquinho, como nos tempos do café com leite. Coitado daquele baixinho lá de São Borja! Querendo fazer um ménage-a-trois numa sociedade monogâmica.
     Hoje, os maiores paladinos do progresso do país viraram casada. O sono profundo do gigante adormecido parece letárgico, tal qual a incapacidade que se vislumbra de usar o controle remoto e a urna eletrônica. A palavra de ordem agora é o slogan do conformismo. Deixe a vida me levar!
     Para a Copa de 2014, só faltava mesmo reconstruir o Maracanã.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Salve o Bayern

    Se aquela partida entre o Bayern de Munique e o Barcelona fosse disputada no Rio, certamente os adeptos de São Jorge iriam creditar a força do time alemão aos fluídos do santo guerreiro, dado o predomínio do vermelho na Arena de Munique, tal qual o périplo encarnado nas ruas do Rio, num ritual pelas graças alcançadas e o triunfo conquistado.
     Dia de fé no Rio; dias de glória na Alemanha.    
    Uma aula de futebol. Não dá para definir de outra forma as duas goleadas dos times alemães, Bayern de Munique e Borússia Dortmund, sobre seus rivais da Espanha, Barcelona e real Madrid. Foi bonito ver os alemães imprimindo um ritmo veloz, mesmo com o placar favorável, apertando mais a marcação, sem perder o poder ofensivo, tanto que ampliaram o marcador, como prêmio pela aplicação e disciplina tática.
   O futebol vai trilhando caminhos que, paradoxalmente, remontam de tempos passados, quando a premissa básica desse velho esporte bretão era utilizada com mais ênfase: o aspecto coletivo.
   Ficou claro a força do conjunto. Se em cada gol desses dois embates houve a marca do talento individual, na execução da jogada, tudo foi engendrado lá na intermediária, com o passe de primeira, a aniquilação do adversário, pela marcação implacável, e a bola correndo de pé em pé, sem ofuscar os olhos de quem aprecia até uma pelada bem disputada, seja em gramados oficiais ou campos de várzea.
     Além da tecnologia que permite uma melhor preparação do atleta, vislumbra-se um novo conceito de utilização do espaço físico do campo, uma nova evolução tática dentro das quatro linhas, desmistificando as funções do defensor, do armador e do atacante. A zona do agrião não é mais aquele pedaço do campo que o saudoso João Saldanha identificava como a área de combate, ali, onde ninguém podia dar mole, senão...
     Em qualquer setor do campo pode nascer uma grande jogada para o gol, independente da maestria daquele jogador fora de série, que dentro dessa nova tendência corre, luta, morde, soma, cospe e chama a bola de você, antes de partir para o abraço.
    Se as duas equipes alemães vão adotar essa mesma postura no próximo jogo de volta, não se sabe, mas a verdade é que os guerreiros de Munique e Dortmund suplantaram o estrelismo desenfreado, mesmo num time competente como são o Barcelona e o Real Madrid.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Menores em cena

     Ao contrário do que pensam a maioria que se dispõe a ventilar alguma coisa a respeito de uma possível redução da maioria penal é bom lembrar que dentro da seara da violência urbana e da intrincada questão da segurança pública este é um problema dos mais complexos, não especificamente por envolver menores apenas, mas pelos fatores que cercam o assunto, dentro da responsabilidade do poder público, pelo resgate de uma dívida antiga; e a leniência da sociedade que só se manifesta quando lhe dói na pele, o tal oportunismo de sempre.
     No calor das discussões, principalmente em conversas informais nos bares, no trem lotado, ou em bate-boca sem sentido em frente às manchetes nas bancas, pela manhã, é possível notar o sentimento de ódio que move as pessoas a externarem opiniões sob a luz do revanchismo, sem um naco qualquer de racionalidade. E parece que todos vão aderindo a essa causa de forma precipitada. É como se a sociedade quisesse fazer justiça com as próprias mãos.
     O governador de São Paulo Geraldo Alckmim levou ao Congresso Nacional proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, tornando mais rigorosa a punição para menores infratores, numa clara demonstração de que o recente crime de assassinato, na capital paulista, cujo autor é um menor, serviu de mote para sua empreitada. Não estou nem levando em conta que o PSDB, legenda do governador, esteja fazendo média com a população, visando as eleições presidenciais que se aproximam, além do perigo que isso representa quando importante questão parte de agremiação política, pelo interesse e corporativismo que podem influenciar o seu desfecho.
     Como bem disse o ilustre professor Dráuzio Gonzaga, tem gente achando que basta trancafiar esses menores que o problema estará resolvido. O mestre acrescenta ainda que lá na frente, mais tarde, vão estar discutindo nova redução da maioridade porque certamente essa medida não trará os resultados esperados. E toda vez que houver um evento de grande repercussão, envolvendo menores como protagonista ou vilão, a parcela vitimada vai sair às ruas, vestida de branco, com cartazes e palavras de ordem, ensaiando mais um paliativo, sem que se desperte efetivamente um amplo debate, antes que se possa renovar as letras da lei.
     O mais importante é que apesar da urgência não há como vislumbrar resultados em curto prazo. É preciso ter essa noção, antes que o cidadão comum ou especialistas que lidam com o tema julgue o poder público inerte, sem considerar que em gestões anteriores também não houve qualquer tentativa de adequar um problema de todos à atual realidade, em que crianças, jovens e adolescentes não só praticam, como também são vítimas de violência, no campo, na cidade, no esporte e no âmbito doméstico, o que sugere uma amplitude maior na equação do problema, bem além da questão da segurança pública. 
   Nos tempos em que o próprio Estado começou a se enxugar, seguindo os mandamentos do neoliberalismo, a ocasião seria propícia para a implementação de um grande projeto social com ênfase na educação, trabalho e renda, para que não se perdesse tantas gerações enquanto o país se modernizava e desenvolvia. 
     As Unidades de Polícia Pacificadora, aqui no Rio, pode ser uma grande ferramenta para mudar os números sociais dessa mazela, desde que a presença do estado nas comunidades carentes não se restrinja ao braço armado. 
     Porque hoje há órfãos, tanto na favela, quanto no asfalto.
     

terça-feira, 9 de abril de 2013

Ela não vai deixar saudade

     Dificilmente Margaret Thatcher virará um mito. Apenas vai figurar para sempre na galeria dos grandes líderes, mais por ter governado por um longo tempo uma grande nação, do que por ter sido uma grande mulher. Sua política de enxugamento do Estado, seguida automaticamente por vários países, não deixa de ser uma marca da Dama de Ferro, considerando as transformações no mapa geopolítico do mundo, depois que todo mundo se convenceu de que era preciso dividir com a iniciativa privada o ônus do desenvolvimento do planeta e de seus habitantes.
     A grande crise que afeta as principais nações do mundo é o primeiro indício de que ninguém soube aproveitar a oportunidade de se investir nas áreas mais importantes com o lastro de recursos que os países mais ricos passaram a ostentar depois que deixaram de oferecer os outros serviços que o capital privado poderia disponibilizar com  mais qualidade. 
     No entanto, nem uma coisa, nem outra. O Estado continua com a responsabilidade de investir nos setores em que os grandes grupos econômicos agem, seguindo os princípios do capitalismo em toda sua plenitude. Aqui no Brasil, a política de privatizações implementada na década de noventa não trouxe os resultados que se esperavam, pelas promessas que a propaganda desse novo modelo fazia para a população, indicando os benefícios de uma nova era, e o governo federal continua com a tarefa de gastar um montante considerável de recursos nas áreas de infraestrutura, transportes e telecomunicações, principalmente, o que indica que o Estado não se enxugou como sugeria os arautos do neoliberalismo.
     Para piorar a situação, o poder público não transforma esses investimentos em benesses para a sociedade, porque quando o governo resolve comprar trens novos lá fora para melhorar a qualidade da malha ferroviária e do metrô, deixa-se de fortalecer o nosso parque industrial e a criação de emprego e renda, se essas composições fossem fabricadas aqui.
     E isso é apenas um item da lista de distorções que esse sistema produziu ao longo de décadas. Se em outros países não houve esse contratempo uma aberração qualquer surgiu como revés para a população local, pertinente à conjuntura política e econômica de cada nação.
     Se hoje as grandes nações se esmeram para bolar um plano infalível para salvá-los dessa instabilidade global é porque deixaram de seguir as diretrizes do que poderia ser altamente vantajoso para todos, incluindo a participação efetiva dos países em desenvolvimento, principalmente aqueles que foram colonizados por esses que agora estão quase à bancarrota.
     De qualquer forma, Margaret Thatcher não pode levar, sozinha, para seu túmulo a fama de ter deixado esse grande legado para o mundo. Seguramente outras cabeças pensantes já tinha lido a cartilha que pregava um novo conceito de economia mundial, desde John Locke e Adam Smith. A dama inglesa apenas teve a coragem de difundir com mão de ferro um modelo que tinha tudo para dar errado.
     Eu não vou sentir saudade.
     

domingo, 7 de abril de 2013

Tempos de fúria

     Semana passada, três eventos de violência mexeram com a cabeça da população e ganhou tanto espaço na mídia que quase passou despercebido outras questões do cotidiano urbano, como o aumento da tarifa do metrô, e até as conquistas das empregadas domésticas que dificilmente foram comentadas nos bares e nas esquinas.
     Mesmo acostumada com o destempero que ora ressurge nas veias, nas têmporas, da incontinência da ira, da intolerância e do desamor, a cidade nunca deixará de se horrorizar com a efervescência dessa urbe que se renova sangrenta e selvagem cada vez que ensaiamos humanizar as grandes mazelas que já fazem parte do calendário do Rio, de janeiro à janeiro.
     Será que um dia haverá sossego em algum recanto dessa cidade que respira maravilhosa, ainda que tenhamos que nos espremer na via-crusis da rotina entre o lar, o trabalho e o inferno?
    Essa é uma violência sazonal, já que em outros tempos acontecem outras barbáries, despistando de tempo em tempo qualquer tentativa de se erradicá-la, permitindo que se perpetue junto com outras pragas, o inferno das drogas, aumentando assustadoramente o preço de se viver numa cidade quase sem futuro, com projeto apenas de maquiagem, cuja superficialidade ajuda a mascarar o muito que precisa ser feito, enquanto banaliza-se essas aberrações. 
     Fica parecendo para os habitantes e forasteiros que a preocupação maior do cotidiano da cidade é a perspectiva de confronto com um facínora qualquer disfarçado de gente de bem, correndo atrás do prejuízo.
     Todos os modelos de violência urbana aumentam os dados de estatística, independente da modalidade praticada, o assalto, o estupro, o crime passional, tráfico de drogas, violência doméstica e no trânsito, cujos números os especialistas se debruçam para traçar planos pouco eficazes.
     Mas há algo diferente quando o destempero em questão ocorre por motivo fútil, sem a premeditação dos crimes bárbaros, sem luta de classes sociais aparente, sem a impunidade como pano de fundo. É lógico que um estupro numa van é motivo de preocupação geral, não só por arranhar a imagem da cidade lá fora ou aqui dentro. E a morte do menino em Barra do Piraí, por vingança, seria considerado crime hediondo em qualquer outra praça, mas isso é outro assunto que envolve uma grande reforma no Código Penal, que aliás, já deveria ter sido executada há muito tempo.
     A verdade é que os números da violência urbana andam no mesmo ritmo da expansão das grandes cidades, e os dados mostram que há uma política muito pouco eficaz na questão da segurança pública, que nesses últimos tempos tem sido focada na implantação das UPPs, como se a origem das transgressões da ordem e da paz pública nascessem nas comunidades carentes.
     No caso específico do evento ocorrido com o ônibus que caiu do viaduto há uma violência diferenciada, de ordem institucional, claro, mas com uma amplitude muito maior, bem além da área de atuação das autoridades de segurança.
      Há quem diga, principalmente os estudiosos do comportamento humano, que o sujeito violento, tanto o motorista que batia na mulher ainda grávida, segundo relatos de sua ex-companheira, quanto o agressor acusado, que já teve passagens pela polícia, por supostos casos de agressão, já nasce com predisposição de ser assim intempestivo, mas é certo que a rotina conturbada dos grandes centros urbanos contribui enormemente para aflorar esse comportamento de pavio curto das pessoas.
     É o sistema de transporte público deficiente; é o profissional explorado e mal preparado para exercer sua função, como o motorista do acidente que fazia as vezes de cobrador também; é a falta de oportunidades e desigualdade que geram esse salve-se-quem-puder; o individualismo exacerbado; a falta de solidariedade o que acaba resvalando na questão dos valores humanos. Pode ver que ninguém foi capaz apartar a briga, pois tá todo mundo concentrado em sua luta diária, no seu destino, às vezes incerto, pelas incongruências  de se viver coletivamente.
    
     
     
     

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A cultura da meia-sola

     Pelo nível de modernidade que se alardeia e a urgência dos grandes projetos para o Brasil, não há mais espaço para a mesquinharia que compromete o nível de excelência dos empreendimentos que sugerem metrópoles mais viáveis econômica e socialmente falando.
     Foi-se o tempo em que as promessas de grandes feitos ficavam no papel, engavetados, para depois, sim, se embrenhar na morosidade da burocracia quase perpétua, revelando os descaminhos da política nas mãos de agentes públicos nefastos ou inconsequentes, esses protagonistas da administração pública que transitam em todas esferas do poder, desconstruindo completamente o conceito de responsabilidade social, como fator de evolução, tanto dos grandes centros urbanos, quanto do país como um todo.
     Em meio a toda essa trapalhada governamental, seria apenas mais um caso de hesitação do poder público, se o desperdício do dinheiro público não ilustrasse esse cenário de desordem.
     Infelizmente, não há sinais de que esse processo degradante esmoreça, porque, paralelo à ineficiência do governo em realizar grandes feitos está a incapacidade da sociedade civil, sempre tímida, de se rebelar contra o que podemos chamar de verdadeiro atentado à vida e dignidade humana.
     Não precisa nem enumerar os desmandos passados do poder público para se ter uma ideia da dimensão dos estragos que a população vem sofrendo ao longo desses anos por conta de vacilações oficiais em larga escala. Basta olhar o velho projeto de redistribuição das águas do Rio São Francisco, quase parado, interrompido, por forças de interesses, enquanto vida de gente e de gado são ceifadas no semiárido e adjacências.
     No Morro do Bumba, em Niteroi, as residências construídas para abrigar famílias vivendo em áreas de risco, depois daquela tragédia, são impróprias para habitação e terão de ser demolidas porque foram mal feitas, ou seja, dinheiro jogado fora e a dignidade daquele povo nas mãos de quem os representa.
     A prefeitura do Rio de Janeiro construiu o bem intencionado BRT na zona oeste, mas toda hora é preciso interromper algum trecho da pista de rolamento, cuja qualidade da obra realizada dispensa comentários.
     Mesmo não tendo o costume de esbravejar contra o poder público, porque alguns membros da sociedade civil já o faz, mesmo que timidamente, a população faz a sua parte, pagando os impostos devidos, seja comprando um pacote de feijão, adquirindo um automóvel, ou descontando em  folha. A população ativa do país colabora, e muito, para que o governo converta o sacrifício do cidadão em bem-estar.
     Mas o eleitor brasileiro não vota em conselheiros de Tribunais de Contas, não elege procuradores, nem membros do Ministério Público e do judiciário, o que pode retardar um pouco mais o fim dessa cultura da meia-sola.