segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nem tudo está perdido

     A morte é mais fácil de absorver, embora seja um dos maiores temores da humanidade. O difícil é conviver com as perdas que o passamento de alguém provoca na vida de quem nunca mais verá aquele amigo que se foi, o filho em quem se apostava todas as fichas, a companheira fiel na tristeza e na alegria.
     Por mais que se tente disfarçar uma tristeza profunda, a rotina muda, o semblante também se altera, e isso fica explícito aos olhos de quem está sempre próximo e estava acostumado com aquela expressão alegre, jovial, sem marcas de tortura ou de dor.
     Tenho visto frequentemente um senhorzinho passando pela rua onde eu trabalho, seguindo o mesmo trajeto de sempre, deixando transparecer que a vida continua, mas não é a mesma de outrora.
      A passada agora trôpega e inconstante tomou o lugar daquela cadência firme e segura de todos os dias em sua caminhada matinal. Em vez dos vistosos fones de ouvido, agora vive a falar  aos ventos, esbravejando com não sei quem. A saudação diária continua com afeto, mas emoldurada de melancolia fazendo as vezes de sua sombra, caminhando lado a lado, a comunhão medonha entre a angústia e a saudade.
     Sua esposa e fiel escudeira se foi e parece que levou consigo para o outro plano toda a alegria de viver do seu eterno amado e amigo. Eu fico imaginando a mesa com um talher, o lavabo com uma escova de dente e a cama com um travesseiro apenas.
     Se a música para de tocar, há um motivo para isso; se a banda não toca mais na praça existe um porquê. As madrugadas frias e insones só servem para revelar o tempo que ainda falta para se viver assim tão desoladamente.
     É numa hora dessas que nos enchemos de brios para prosseguir adiante e sempre. A tragédia alheia serve de combustível para o resto dos mortais. E o velhinho aos frangalhos vai refazendo a trajetória dos que se sentem desamparados, moribundos e infelizes, que reivindicam para si uma dignidade assim inabalável, capaz de sobreviver ao mais cruel dos revezes humanos, permitindo reconstruir tudo aquilo que parecia perdido.
     Mesmo que ainda tenhamos uma grande ferida para cicatrizar.

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