segunda-feira, 27 de maio de 2013

O rito de Neymar

     Em outros tempos a despedida de um grande craque marcava também a tristeza de um grande público. Ele sumia do mapa quando ia jogar em outra praça. Hoje, os tentáculos da televisão mundial vão permitir que Neymar não fique tão distante assim. Mesmo porque o Barcelona certamente continuará nas principais competições do velho continente, ainda mais agora, com um reforço de peso, dessa magnitude, o que pode confirmar o time catalão por mais algumas temporadas entre os melhores do planeta.
     Ao mesmo tempo em que o Brasileirão fica mais pobre, já na primeira rodada, um público muito maior, de dimensão global, terá também a oportunidade de encher os olhos com os dribles desconcertantes e imprevisíveis do moleque travesso dentro das quatro linhas, da alegria de jogar futebol em meio aos brucutus e cabeças de bagres que infestam os campos de várzea, os gramados sintéticos, mas não tira o brilho de quem nasceu para dar espetáculo em larga escala.
    Eu acho até que o torcedor brasileiro foi contemplado pelo tempo em que Neymar permaneceu por aqui, antes de atravessar a fronteira com seu talento e sua arte, diferentemente de outras virtuoses que ganham o mundo ainda na puberdade, queimando etapas e destruindo carreiras que poderiam ter sido bem sucedidas.
     Acredito firmemente que esse tempo maior de Neymar junto de suas origens, em seus primórdios, além de inaugurar uma nova era, um novo modelo de formação de um atleta de peso, de talento profissional dos gestores do futebol, pode ter contribuído para uma melhor adaptação de quem se aventura em outros ares, em outras culturas, sem interferir em seu talento nato, sem desconstruir a arte de jogar bola que poucos como Neymar tem.
     Na verdade, Neymar precisava desse rito de passagem, para que o espetáculo do futebol se eternize, para que o menino da velha Vila famosa marque o seu tempo também, na galeria dos grandes boleiros, protagonista de mais uma era de glória, até que apareça um outro garoto a fazer um drible ser tão belo quanto um gol, coisa que Neymar mostrou que tem competência para fazer com maestria, e que agora terá a oportunidade, em outras disputas importantes, de enriquecer seu currículo de grande craque. principalmente porque vai ter a chance de envergar a camisa de um grande clube, o que pode lhe valer a sorte de galgar mais e mais degraus que o futebol oferece a quem sabe reunir talento, profissionalismo e responsabilidade.
     Jogando esse bolão, que amedronta os adversários e encanta o mundo, fica bem mais fácil encarar esse novo desafio.
     Boa sorte, garoto! 

domingo, 12 de maio de 2013

Bola fora no Maracanã

     A metáfora do futebol é comumente usada em discursos, mesmo em época em que a bola não rola, mas serve também para medir o grau de importância das pessoas em geral. No caso específico do Maracanã, cuja obra vem levantando suspeitas sobre sua faraônica reforma não é muito difícil mensurar o status de quem está à frente de tão grandioso e dispendioso empreendimento.
     Para quem pensava que o montante de recursos empregado naquela reforma já era o suficiente para provocar a indignação da sociedade, eis que o Ministério Público, dentro de suas atribuições legais de fiscal da lei, resolve detonar o que parecia ser um processo normal envolvendo essas velhas parcerias entre o público e o privado.
     Já não causa mais espécie as transformações que o Estádio do Maracanã sofreu, seguindo exigências da FIFA, desconstruindo a cultura em  torno do outrora maior estádio do mundo. O que salta aos olhos é o grande contrassenso do governo estadual quanto ao manejo do dinheiro público e seu eventual prejuízo ou benefício para os cofres públicos e para a  população.
    Se está certo o argumento do Ministério Público de que o estado terá prejuízos nesse contrato entre o governo e o grupo vencedor(?) da licitação da reforma, seria natural que o governador saísse em defesa das contas do estado, considerando a discrepância entre o que foi gasto na obra e a parcela que o estado receberá pelo acordo.
     Quando o estado do Rio ficou na iminência de perder parte significativa dos royalties do petróleo, por decisão do governo federal em reordenar a divisão daqueles recursos, o governador Sérgio Cabral foi o primeiro a convocar a população para reclamar os danos ao tesouro do estado. Agora, não parece diferente que os cofres do governo estadual terá desfalques se esse processo todo se desenhar como as partes envolvidas na reforma do Maracanã sugeriam, pelo tal legado deixado à população.
     Se esse tipo de aberração na administração pública é pioneira nos preparativos para eventos esportivos que sediaremos, em outras áreas essa contrapartida também é negativa e pouco atraente para as contas públicas e indigesta para a população. No setor de transporte também houve concessão dos serviços, mas o governo estadual continua com a incumbência de comprar os trens novos da rede ferroviária, do metrô, e embarcações para as empresas que operam no setor, evidenciando vantagem para o concessionário.
     O que torna ainda mais grave esse procedimento é o tempo longo do contrato, o que pode inviabilizar qualquer possibilidade de alteração nos termos do acordo, quando lá na frente se constatar que o processo em si foi nocivo para os cofres públicos. Daí a importância da interferência do Ministério Público nessas relações entre o público e o privado.
     Do jeito que as coisas transcorrem nesses procedimentos, a herança, o legado deixado fica comprometido quando há falta de transparência e bom senso com a coisa pública.
     Com relação ao Maracanã, eu até pensei que a única bola fora nessa história toda fosse a retirada da geral. 
    

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Cena carioca

     Semana passada, fui ao centro da cidade e, passando pelo Largo da Carioca, encontrei Roberto vendendo livros usados próximo à estação do metrô. Velho colega de infância, parceiro das peladas, Roberto não era lá muito bom nos estudos, mas dava muita sorte com as meninas. Estava sempre abordando uma, xavecando outra e, na maioria das vezes lograva mais êxito que fracasso, embora vez ou outra se visse em uma saia justa que ninguém é perfeito.
     O velho Roberto nunca foi íntimo dos livros na escola, e agora convive com eles para sobreviver. "Dá pra pagar as contas", dizia ele, humilde e metido num avental de livreiro. Sua inconveniência de cafajeste continua tão vivaz que caminha junto de seus próprios malogros e revezes.
     Certa vez, a prefeitura, que nunca tolerou a economia informal, resolveu importuná-lo e recolher seus livros arrumados naquele enorme plástico azul estendido no chão. Na confusão que se formou, em meio à indignação dos passantes, surge uma mulher do alto de sua elegância e de seus trinta e poucos anos, se juntando ao pequeno grupo formado para tentar convencer os guardas a aliviarem a mercadoria do infeliz vendedor. Roberto logo a reconheceu. A tal que ia todos os dias à procura de livros sobre a história da música brasileira, relembra ele, acrescentando que rolava um clima toda vez que ela vinha com a desculpa de "algo sobre a MPB". 
     A breve audiência como os fiscais durou alguns minutos e, no final, todos aplaudiram a tropa do prefeito batendo em retirada. O colega, satisfeito e sem jeito, não sabia por onde começar com tantos livros espalhados pelo chão. A multidão já começava a tomar seu rumo, quando a fiel escudeira de Roberto, com a sensação do dever cumprido, se aproximou. A ela só restava celebrar o final feliz do pequeno conflito.
     O livreiro rapidamente manifestou o desejo de retribuir tamanha gentileza. Estava disposto a fazer qualquer coisa para aquela bela que o livrou de um pequeno infortúnio, já insinuando o que poderia rolar naquele inesperado reencontro.
     Diante de tal circunstância e dona da situação, a mulher devolveu. "Estamos empatados, meu amigo! Hoje eu pude, finalmente, retribuir a sua ajuda. Sem aqueles livros, jamais terminaria a minha tese de doutorado". O amigo, surpreso e resignado, sorriu agradecido também.
     Pois, é! Nos velhos tempos de azaração, Roberto também dava uns tirinhos pela culatra que ninguém é perfeito.
      

domingo, 5 de maio de 2013

Campeão pela força do conjunto

    Esse time do Botafogo, campeão incontestável, não primou apenas pela regularidade no campeonato. A força do conjunto que Oswaldo de Oliveira conseguiu aprimorar e fortalecer ao longo da disputa fez a diferença. Já foi o tempo em que uma equipe sem a confiança, principalmente da torcida, dependia de um jogador de renome para garantir, pelo menos, fazer um bom papel durante a disputa, figurar entre os primeiros e, quem sabe, transformá-lo no salvador da pátria, aquele que decide tudo, tipo aquele que bate o escanteio e corre para cabecear. 
   Pois, foi justamente isso que muita gente acreditou quando a diretoria alvinegra contratou o holandês Seedorf. Mas isso logo se dissipou, porque tanto os dirigentes e comissão técnica adotaram a postura correta de um clube que se pretende campeão. Fazer com que um grande craque some a sua experiência ao grupo, sem o estrelismo desenfreado, que em tempos passados marcava a chegada de um grande jogador a uma equipe.
   Se nesse campeonato estadual  Seedorf marcou alguns gols importantes e decisivos, logo nas entrevistas, ao final do jogo, ele mesmo tratou de atribuir sua sorte à força do conjunto, mesmo porque, a equipe conseguiu algumas vitórias, mesmo com a ausência dele. E nas vezes em que o time perdeu com ele em campo, a torcida em nenhum momento hostilizou o jogador, entendendo a galera que todo o grupo jogou mal.
   Um detalhe importante que reforça a evolução desse time campeão é que praticamente todos os titulares do time marcaram gols. Na vitória de 5x0 sobre o Resende, por exemplo, cinco jogadores diferentes construíram o placar. Isso mostra a importância de todos os jogadores para o elenco, tanto que a equipe terminou a competição como o melhor ataque e a melhor defesa.
   Não se pode dizer que o time do Botafogo, hoje campeão, vai lograr êxito em outras competições de disputas mais acirradas, mas pelo conjunto que tem, de entrega do grupo, pode perfeitamente fazer outras boas campanhas, nas disputas que o time terá pela frente, ainda este ano. Se o técnico Oswaldo de Oliveira conseguir dar continuidade a esse trabalho vitorioso, o Glorioso pode sim, se destacar nas outras competições.
    De qualquer forma, o futebol que o Botafogo apresentou, embora ainda não seja o ideal, pelo menos segue uma tendência que se verifica em outros certames: a prevalência do conjunto. Isso ficou bem nítido na Liga dos Campeões da Europa, em que os dois times badalados da Espanha, cheios de craques consagrados, sucumbiram à força do conjunto de seus adversários.
    É claro que o Botafogo está longe de se igualar aos grandes times do Brasil e do exterior, mas dá mostras de que pode evoluir mais se houver um bom trabalho fora de campo também, através da diretoria e comissão técnica, que conseguiram dar forma a um time campeão, mesmo num campeonato deficitário e deficiente como tem se mostrado essa disputa aqui no Rio ao longo já de várias edições.
    Mas o Botafogo venceu seus adversários e as adversidades do Cariocão. Por isso, é o legítimo campeão. 
    
   
     

sábado, 4 de maio de 2013

Não rasguem a Carta

     Não poderia mesmo dar em nada essa picuinha entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Apesar das aberrações que cada instituição tem mostrado ao longo de toda história política do Brasil, em nenhum momento os procedimentos de um ou de outra atropelou o regimento que tanto a câmara quanto a corte devem seguir nas decisões pertinentes a cada casa.
    É certo que a sociedade tem se decepcionado bastante com o desfecho de projetos aprovados e decisões tomadas por ambas as instituições. No final das contas algum representante ou porta-voz fica incumbido de esclarecer à população que tudo está dentro da lei, que tudo foi decidido dentro das normas legais, de forma transparente, sem ferir os princípios democráticos, e por aí vai.
      Nesse episódio recente entre os dois poderes não há dúvida que o processo do mensalão foi o principal objeto de rusga envolvendo parlamentares, principalmente os do PT, e membros do judiciário. Não foi por outro motivo que o Congresso Nacional ensaiou um projeto de submeter a esta casa as decisões do STF, e agora, num capítulo à parte, a tentativa dos réus daquele processo de mudar o relator do caso.
      Para o ex-ministro do STF Francisco Resek, o Congresso não tem a menor possibilidade de mudar a constituição no sentido de alterar a estrutura e a faixa de competência entre os poderes.
     Se não parece aos olhos da sociedade que o Supremo Tribunal Federal se mostra com um grau de independência muito maior que em tempos passados, quando era sistematicamente usurpado pelo executivo e o legislativo, pelo menos na questão dos mensaleiros incomoda demais uma parcela do legislativo que sempre conservou o conceito de afinidade entre os poderes como sinônimo de cumplicidade com as incongruências de ambas as partes.
    A realidade brasileira já não permite mais certas práticas perniciosas, que deixam, tanto legisladores quanto julgadores da lei, em maus lençóis com a sociedade, justamente porque a própria constituição deixa margem à várias interpretações quanto a sua prática, por parte dos parlamentares, e seu ordenamento jurídico, dentro da seara do STF.
     É bom lembrar que o Congresso Nacional também mantem seus vícios, a imunidade parlamentar como o maior deles, como instrumentos de perpetuação de desmandos registrados em episódios de corrupção envolvendo seus pares.
    Por sua vez, o Poder Judiciário também já se fez vilão da sociedade em casos escabrosos de membros de todas as instâncias como protagonistas, além da composição de seus quadros, alguns compostos por indicações, sem a anuência da sociedade civil ou por intermédio de sufrágio universal.  
   A atual conjuntura política, social e econômica do país carece de sucessivas emendas no texto constituinte, como forma de enquadramento às necessidades do Brasil, isso é imprescindível, portanto seria mais conveniente que o Congresso se concentrasse nas questões relevantes ao país, e o Supremo Tribunal Federal atento à eventuais casos de desregramento da constituição, como sugerem suas atribuições legais.
    Independente do desfecho do processo do mensalão, só não vale rasgar a Carta Magna.