quinta-feira, 9 de maio de 2013

Cena carioca

     Semana passada, fui ao centro da cidade e, passando pelo Largo da Carioca, encontrei Roberto vendendo livros usados próximo à estação do metrô. Velho colega de infância, parceiro das peladas, Roberto não era lá muito bom nos estudos, mas dava muita sorte com as meninas. Estava sempre abordando uma, xavecando outra e, na maioria das vezes lograva mais êxito que fracasso, embora vez ou outra se visse em uma saia justa que ninguém é perfeito.
     O velho Roberto nunca foi íntimo dos livros na escola, e agora convive com eles para sobreviver. "Dá pra pagar as contas", dizia ele, humilde e metido num avental de livreiro. Sua inconveniência de cafajeste continua tão vivaz que caminha junto de seus próprios malogros e revezes.
     Certa vez, a prefeitura, que nunca tolerou a economia informal, resolveu importuná-lo e recolher seus livros arrumados naquele enorme plástico azul estendido no chão. Na confusão que se formou, em meio à indignação dos passantes, surge uma mulher do alto de sua elegância e de seus trinta e poucos anos, se juntando ao pequeno grupo formado para tentar convencer os guardas a aliviarem a mercadoria do infeliz vendedor. Roberto logo a reconheceu. A tal que ia todos os dias à procura de livros sobre a história da música brasileira, relembra ele, acrescentando que rolava um clima toda vez que ela vinha com a desculpa de "algo sobre a MPB". 
     A breve audiência como os fiscais durou alguns minutos e, no final, todos aplaudiram a tropa do prefeito batendo em retirada. O colega, satisfeito e sem jeito, não sabia por onde começar com tantos livros espalhados pelo chão. A multidão já começava a tomar seu rumo, quando a fiel escudeira de Roberto, com a sensação do dever cumprido, se aproximou. A ela só restava celebrar o final feliz do pequeno conflito.
     O livreiro rapidamente manifestou o desejo de retribuir tamanha gentileza. Estava disposto a fazer qualquer coisa para aquela bela que o livrou de um pequeno infortúnio, já insinuando o que poderia rolar naquele inesperado reencontro.
     Diante de tal circunstância e dona da situação, a mulher devolveu. "Estamos empatados, meu amigo! Hoje eu pude, finalmente, retribuir a sua ajuda. Sem aqueles livros, jamais terminaria a minha tese de doutorado". O amigo, surpreso e resignado, sorriu agradecido também.
     Pois, é! Nos velhos tempos de azaração, Roberto também dava uns tirinhos pela culatra que ninguém é perfeito.
      

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