sábado, 31 de agosto de 2013

O explícito e o oculto

  O companheiro Zuenir Ventura discorreu com muita propriedade sobre a relativização de posições ideológicas, ao apontar as ambiguidades de decisões que despertam as mais acaloradas discussões, como no caso dos médicos cubanos, que segundo o jornalista, ainda alimentam as rusgas da Guerra Fria, nesse embate sobre se é saudável ou não para o Brasil trazer esses profissionais daquele país.
   No mais recente episódio de confrontação de forças, choque de opiniões, a chegada ou fuga do senador boliviano também reacende o velho debate entre as relações com países de posturas distintas e os argumentos da atitude humanitária do diplomata, para uns, e o alinhamento à política de Evo Morales para outros.
   Agora, nesses tempos de redes sociais, em que a identidade e o anonimato se embaralham no campo virtual, as discrepâncias entre o que pode ser explícito ou não se estendem para o mundo real, já imerso em contradições de parte à parte.
   Esta semana, dois eventos marcados por farpas trouxeram à tona o cipoal de ideias e explanações, onde a conveniência das práticas humanas alternam posições de destaque.
   Tanto na onda de protesto no Rio quanto no processo de não-cassação do ainda deputado Natan Donadon, em Brasília, o conceito do que é explícito e oculto alternam também a prevalência de um sobre o outro. 
   Para quem está em maus lençóis com a opinião pública por conta da pressão da população, não é interessante, nem  para o agente público nem para as instituições o anonimato de quem eventualmente atente contra seus dogmas e a velha ordem política. Tanto que a Alerj já prepara para aprovar um projeto de lei dos deputados Paulo Melo e Domingos Brazão, proibindo o uso das máscaras pelos manifestantes.
   Não deixa de ser coerente, dentro de uma nova proposta de construção, em meio à horda que faz o caminho inverso, que todos mostrem a cara, do alicerce ao produto final. O que não é conveniente é a inversão da ótica, da perspectiva, quando interesses unilaterais sugerem a instância do silêncio e do anonimato como mecanismo de defesa.
   Tão bizarro quanto a blindagem do deputado-presidiário é sonegar à sociedade a identificação de quem tomou a infeliz decisão, assim como ficou também camuflada a identidade dos tentaram evitar tal absurdo. 
   Apesar da promessa do presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves de só colocar em votação pedido de cassação com voto aberto, não há consenso na Casa  para formular a mudança.
   Nesse sentido, qualquer projeto de reconstrução de uma nova ordem fica comprometido pelas contradições que ainda persistem nesses novos tempos. E um novo horizonte só será possível quando essas máscaras caírem.
   

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Caso Donadon

   No momento em que a sociedade brasileira espera uma resposta  a seus anseios, através das principais instituições políticas do país, eis que o Legislativo federal dá mais uma mostra de sua inércia e descompasso com a atual realidade brasileira, de manifestações populares pelo fim de velhos vícios e hesitações da classe política em todas as esferas do poder.
   Quanto mais a Câmara dos Deputados, em Brasília, dá de ombros ao chamamento popular pela ética e responsabilidade, mais ela mostra à população seu total desapego a sua prerrogativa básica de representante do povo brasileiro.
   Daqui para frente, qualquer decisão daquela Casa e de qualquer outro segmento político que distorça essa nova tendência de renovação da coisa pública trará consigo o ônus pela falta de sintonia com as reivindicações atuais.
   Esse episódio do Deputado Federal Natan Donadon pode não ser a última das aberrações, enquanto o Congresso Nacional e o Poder Judiciário não falarem a mesma língua nas questões que configurem um novo conceito de práticas políticas no Brasil.
  Apesar das dúvidas quanto a um desfecho satisfatório para a opinião pública, como é possível acompanhar no processo do mensalão, em que se usam todos os recursos que a legislação brasileira oferece para reverter penas e diminuir punições, há um instante de lucidez, quando a condenação de parlamentares nefastos sugere a cassação dos mandatos, embora a decisão fique para os próprios pares do réu.
   Agora, depois de todo o constrangimento vivido pelos deputados naquela votação fatídica a Câmara dos Deputados pinta mais uma mancha em sua história, que nem a decisão do presidente da Casa Henrique Eduardo Alves de suspender os vencimentos e os expedientes de Donadon é capaz de remover.
  A iniciativa do líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para suspender a sessão, sugerindo que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara envie à Mesa Diretora para que seja homologada a cassação, sem a necessidade de votação no plenário é o mínimo que se pode fazer para apagar mais um triste capítulo da trajetória do Poder Legislativo. 
   De qualquer forma, a Câmara dos Deputados perdeu a oportunidade de se alinhar aos protestos recentes, que num primeiro momento exigiram o fim do voto secreto nos trabalhos da instituição, que o presidente Henrique Alves agora se apressa em sacramentar, o que poderia evitar futuros dissabores para os congressistas, ainda mais agora que o STF vai minando as chances dos mensaleiros.
   

sábado, 24 de agosto de 2013

Mais médicos, menos soluções

    Não é difícil perceber que há um interesse muito maior sobre os valores que os médicos tipo-exportação vão receber para clinicar em terras brasileiras do que a realidade  que eles certamente viverão nos mais longínquos centros de penúria e degradação humana que ilustra o cenário da saúde pública no Brasil.
   Eu não acredito que alguns desses doutores vão precisar mexer em seus parcos vencimentos para levar gazes, esparadrapos e soro caseiro para abastecer ambulatórios porque o poder local, com a ajuda do governo federal, claro, não vai deixar que esse tipo de coisa aconteça, imagine.
   Depois que o Conselho Federal de Medicina descartou a possibilidade de os médicos nativos  receberem esses valores a título de bolsa-estudo, sem vínculo empregatício, tempo de serviço, essas coisas, tudo parecia caminhar para futuros esclarecimentos e ponderações fora da órbita da infraestrutura da saúde pública.
   Na chegada ao Brasil, preocupa mais as condições excepcionais dos forasteiros, acomodados em instalações militares, sem dar entrevistas, num aparato digno de trabalho escravo, como chegaram a ventilar, do que a misericórdia de quem espera na fila por um transplante, uma consultazinha para um brasileirinho com a barriga cheia de lombrigas ou os que recorrem ao chá de quebra-pedra para amenizar a angústia que grassa do Oiapoque ao Chuí..
   Com toda a batalha jurídica pela revalidação dos médicos estrangeiros e a garantia da categoria de que não haverá negligência aos pacientes, o corporativismo da classe continua vivo como sempre, principalmente na sua face mercantilista, de mero oportunismo nos rincões, aonde o atendimento às demandas urgentes não chega a remexer nos indicativos sociais, mesmo que um universo de assalariados disponha de um mísero Plano de saúde, que na maioria das vezes dá problema, justamente na hora em que mais se precisa de uma consulta, um exame, parto ou outro procedimento de urgência.
   Nas regiões metropolitanas dos grandes centros urbanos há sempre uma clinicazinha de médicos associados com preços módicos para situações sem grandes complexidades, permitindo um xaropezinho de amostra grátis, um preventivo a 40 merréis ou um tratamento dentário para pagar igual à carnê de geladeira.
   Na verdade, a população que depende da excelência desse serviço luta em duas frentes: o poder público e a elitização da classe médica.
   Então, vamos combinar uma coisa. Esse negócio de trazer médicos lá da Cochinchina não passa de propaganda eleitoral do governo federal com assistencialismo tipo-exportação.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

CPI dos Ônibus

   Apesar de ser de praxe no meio legislativo o solicitante de uma CPI conduzir seus trabalhos, é normal, até pelo espírito democrático, o alvoroço que grupos contrários à proposta fazem.
   O que não é saudável é a outra parte que nem sequer assinou abertura da CPI querer presidi-la, o que aos olhos de grande parte da sociedade que sofre diariamente com a precariedade dos transportes públicos é uma manobra para direcionar seus interesses.
   Até porque a composição da Comissão não obedeceu os critérios de proporcionalidade dos partidos na Câmara dos Vereadores, tanto que a 5ª Vara de Fazenda Pública suspendeu os trabalhos da CPI baseado nessa falha de regimento da Casa.
   Como vai ser composta essa CPI ninguém sabe, mas cabe aos vereadores que vão conduzi-la a missão de trazer à luz as implicações dessa suspeita relação dos empresários de ônibus com a prefeitura e as consequências que vão além  do péssimo serviço prestado à população.
   Quando explodiram os protestos nas ruas do Rio, em junho, o prefeito Eduardo Paes foi pressionado pela população e entidades da sociedade civil a esclarecer o teor dos contratos firmados com os empresários do setor e o governo municipal, ainda ecoando o barulho que os manifestantes fizeram por conta do aumento do preço das passagens.
   Eduardo Paes, no entanto, perdeu a oportunidade de recuperar sua imagem, sem a necessidade de uma Comissão Parlamentar, cujos trâmites poderão desgastar a sua imagem e as cores do partido, caso os trabalhos de investigação na Câmara dos Vereadores não tragam a verdade sobre os bastidores do setor.
   E essa falsa posição de neutralidade que Eduardo Paes adotou não o exime de responsabilidade. Se a CPI dos Ônibus acabar em pizza, o prefeito poderá carregar um fardo tão pesado quanto o dos seus aliados.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O Rio e seus lixos

   Agora que a prefeitura vai arrecadar uma grana com essa multa imposta aos porcalhões, resta saber o que a administração municipal vai fazer com os valores arrecadados, para que não fique a impressão de mais uma sanha arrecadadora da municipalidade, sem a contrapartida de campanhas de conscientização nas ruas, nos transportes, nas comunidades, carentes desse serviços, e, principalmente, nas escolas, onde novas gerações poderão crescer alheias aos rigores da lei, mas obedientes da educação ambiental difundida nos bancos escolares.
  Além de mais coletores de lixo nas ruas da cidade, que a prefeitura não tome essa medida como expediente de ordenamento estético, tal qual os cartões-postais que ilustram a propaganda que a própria prefeitura faz da cidade maravilhosa, quando aspiramos a realização de eventos de toda ordem.
   Pela quantidade de detritos descartados diariamente nas ruas, há também toda sorte de matérias e substâncias nocivas ao meio-ambiente, o que obriga o governo municipal a fortalecer sua política pública voltada ao tratamento do lixo urbano em todas a suas etapas de processamento, assim como a valorização dos programas de reciclagem e aproveitamento de materiais, através de parcerias com as cooperativas que já atuam no setor.
    Só assim a prefeitura do Rio de Janeiro dará mostras à população de que a política do lixo implementada sob sua administração é executada no espectro da saúde pública e meio-ambiente.
   Com relação aos recursos provenientes das multas aos incautos da cidade, seria mais saudável ao prefeito tornar público o real destino, uso e aplicação dessa nova receita, ainda mais agora que os protestos das ruas miram a falta de transparência da administração pública, sobre a qual os manifestantes têm se indignado.
  Sendo assim, o prefeito Eduardo Paes não corre o risco de jogar no lixo todo o esforço de governar a cidade do Rio de Janeiro com eficiência.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A politização da maioridade penal

   Mais uma vez vem à tona essa cantilena de redução da maioridade penal. A incidência de crimes cometidos por jovens infratores requer uma ampla discussão sobre como poderá ser conduzida tão importante questão.
   Só que da forma como está se desenhando dificilmente trará resultados promissores, como já escrevi aqui antes, considerando o projeto de construção de uma sociedade mais justa, na qual se vislumbre novos horizontes para jovens desfavorecidos.
   A campanha que o PTB realiza busca apoio da população num eventual plebiscito para engrossar o coro dos defensores do projeto junto ao Congresso, onde já tramitam três Propostas de Emenda Constitucional sobre o tema.
   O perigo reside no calor de fortes emoções e rancores com que a população poderá se deixar levar, caso seja mobilizada a externar sua posição sobre o assunto.
   Para Beth Chedid, coordenadora da campanha, o objetivo é fugir de pressão de grupos religiosos, políticos  e minorias, e levar uma mensagem  ao Congresso, reivindicando a consulta popular.
    Talvez a coordenadora não saiba que no universo da minoria a que ela se refere estão os educadores e outros membros da sociedade civil, que dariam uma contribuição muito mais saudável e racional a essa complexa discussão, desde que a redução da maioridade penal seja discutida muito além do espectro penal, mas sem a politização da proposta, como sugere o secretário-geral do PTB, Campos Machado, idealizador da campanha.
   Sem a perspectiva de resultados práticos no plano educacional e social, não demora muito e a sociedade estará em polvorosa, querendo rediscutir nova redução da maioridade penal.
   Não é estranho para ninguém que os Centros de Recuperação de Menores espalhados pelo país são muito pouco eficientes no processo de socialização de jovens infratores. O que é mais comum são aquelas cenas lamentáveis, exibidas em reportagem do Fantástico, de jovens sendo espancados pelos coordenadores da Fundação Casa, em São Paulo.
   Com a palavra, Campos Machado.

sábado, 17 de agosto de 2013

Cadê o Amarildo?

   Muito antes desse caso do Amarildo, a cúpula de segurança do estado do Rio de Janeiro já tinha dado mostra do quanto tudo é vago, vazio, na busca de respostas, de soluções.
   É importante destacar que os percalços da política de segurança pública não são exclusivas do governo de Sérgio Cabral.
   Já houve tentativa, em vão, de criar um modelo nacional para essa intrincada questão, mas que sempre esbarra em interesses e na própria peculiaridade que cada região do país tem para tratar do assunto.
   O que não pode é, em meio a discursos aparentemente frágeis e sem nexo, autoridades usarem o argumento de frustrações de gestões anteriores para amenizar a culpa e a inoperância do expediente utilizado no presente.
   No episódio do sumiço do Amarildo havia a indignação no silêncio das pessoas diante de tantas perguntas sem respostas. O GPS desligado, o lixão não revirado, a viatura e seu trajeto suspeito, tudo é nebuloso para quem tem sua integridade física e moral entregues à própria sorte. Tudo é medonho quando a vida humana fica por um fio.
   Agora, com a explanação do policial envolvido de que este se perdera naquele traçado fora do comum, além do atentado à inteligência da opinião pública, há todo um simbolismo que se estende ao sistema, não à instituição apenas.
   Há, no entanto, perspectivas distintas na ambiguidade desse sentimento profundo de perda. Quem está efetivamente perdido nessa indigência sistêmica? O agente público no seu descompasso entre a conveniência e a responsabilidade, ou o cidadão aflito entre a cruz e a espada?
   De qualquer forma, em nenhum momento o destino de Amarildo deve ser confundido com o futuro incerto dos homens de bem, desde o sujeito que sobrevive à exclusão social, que não é diferente na Rocinha, ao outro que convive com os mesmos riscos no asfalto, incluindo quem eventualmente se proponha a preencher essa grande lacuna, com projetos socialmente saudáveis e humanistas.
  

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Muito além de CPI e cartel

  Esse escândalo em São Paulo, de formação de cartel, envolvendo o PSDB, certamente vai tomar proporções de disputa eleitoral, pela forma com que está sendo conduzido, pela mídia, inclusive, com batalhas de acusações e a inevitável comparação com o caso do mensalão.
   Tão importante quanto descobrir a participação de funcionários públicos no esquema, o fato é que o processo de investigação deveria levantar uma outra questão que vai mais além do precário serviço que o setor oferece.
   É difícil acreditar que essas relações duvidosas entre empresas estrangeiras fiquem restrita à cidade de São Paulo, no momento em que outras praças também estão envolvidas em processos de expansão das malhas ferroviária e metroviária.
   A dúvida que fica é saber por que a administração pública opta por adquirir bens e serviços oriundos do exterior num momento de crise que afeta a economia brasileira, como reflexo do desequilíbrio financeiro das grandes nações.
   Não custa lembrar que esse clima de salve-se-quem-puder da economia global obriga qualquer modelo de gestão de crise e solução imediata investir diretamente no parque industrial como instrumento de aquecimento econômico, via crescimento dos meios de produção e poder de compra da população.
   Por isso, mais do que nunca, seria interessante que o governo brasileiro, em parceria com as unidades da federação, subsidiasse as empresas brasileiras de metalúrgicas e siderúrgicas para a fabricação  dos veículos desses modais, atendendo com eficiência a demanda dos projetos de construção e modernização das redes de trem e metrô pelo país, resolvendo, mesmo em números tímidos, a questão de trabalho e renda no Brasil.
   Mesmo suscitando as velhas dúvidas e incertezas que marcam os processos licitatórios,  ficaria mais fácil para os órgãos competentes, pela proximidade em âmbito nacional, fiscalizar todo o processo de comercialização de bens e serviços, através de instrumentos eficazes e transparentes que os Tribunais de Contas e Ministério Público poderiam acompanhar desde a origem.
   Pela urgência de reestruturação do país, não cabe mais essas picuinhas de corporativismo e interesses escusos, principalmente na área de infraestrutura que mais carece do esforço de todos para a construção de um Brasil mais viável para a população.
   Os grandes empreendimentos do país sugerem a mesma seriedade com que as grandes massas saíram às ruas para reivindicar os grandes feitos da administração pública, sem depender de CPI, nem ficar à mercê de cartéis.

sábado, 10 de agosto de 2013

São Paulo não foge à regra

   A iniciativa do governador de São Paulo Geraldo Alckmin de chamar representantes da sociedade civil para acompanharem as investigações sobre as suspeitas de formação de cartel nos expedientes de compra de equipamentos, manutenção e demais serviços no setor de transportes ferroviário e metroviário daquela cidade não é mais que obrigação do executivo paulistano em trazer à luz da sociedade total transparência nos contratos firmados entre o governo e a iniciativa privada.
   Justamente os serviços de transportes públicos, cuja precariedade suscitou a ira de manifestantes em todo país, merece atenção redobrada por parte do poder público com a maior seriedade possível, para que a população comece a enxergar sinais de responsabilidade em processos de que envolvam a velha parceria entre órgãos públicos e grupos privados.
   Isso é apenas o primeiro passo para que se vislumbre novos horizontes nos serviços públicos oferecidos à população, porque, ainda que haja completa lisura nos processos licitatórios da administração pública, é preciso garantir a excelência dos serviços prestados.
   Apesar de todo esforço e boa vontade demonstrados pelo governador de São Paulo para apurar as responsabilidades, em nenhum momento Geraldo Alckmin deve se eximir de culpa no escândalo. Se ficar provado que funcionários públicos de qualquer escalão obtiveram vantagens em atos ilícitos de sua administração, significa que o chefe de executivo de São Paulo não tem qualquer controle  sobre as práticas, legais ou não, sob sua gestão.
   Por isso, o nível de culpa do governador reside no simples fato de ter deixado passar despercebido os desvios de conduta de seus subordinados, o que afeta, num primeiro plano, não só a figura do governador como também do PSDB, caso se confirme a extensão dessa prática ilícita nas gestões anteriores do governo de São Paulo sob a bandeira do partido.
   Mesmo que a população local consiga separar a responsabilidade de Alckmin e a conveniência do PSDB, há três mandatos à frente do governo, os próprios integrantes da sigla devem se posicionar para que tudo fique esclarecido e tragam as respostas que todos esperam. Mas sem corporativismo, sem a velha blindagem que costuma ocorrer nesses malfeitos.
   O povo de São Paulo certamente estará de olho, porque em matéria de dúvidas, incertezas e protestos, São Paulo não foge à regra.
   

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cabral repensa sua culpa

   De uma tacada só o governador resolveu manter intactos a Aldeia Maracanã, o Estádio Célio de Barros, o Parque Aquático Júlio de Lamare e a Escola Municipal Friendenreich, em resposta clara às críticas da população durante as manifestações.
   Além das fumacinhas que certamente toda a pajelança lançou em sua intenção, o governador poderia ter ficado livre desse infortúnio se não tivesse deixado vestígios de suspeição que começou com a malfadada reforma do Maracanã, cujas obras, cheias de dúvidas quanto às cifras, o contrato e o processo licitatório, passou pelo crivo do Ministério Público estadual com vistas à transparência do processo.
   Agora, analisando esse ligeiro recuo de Sérgio Cabral, depois de todo esse desgaste, queda de popularidade, surpreende a forma com que qualquer ser mortal se encarrega de aumentar o seu próprio fardo, dispensando o menor esforço de seus inimigos, que teriam de enfrentar uma batalha ainda mais árdua e extenuante para combater um adversário com o poder nas mãos.
   Não é de hoje que a figura de mandatários cai em desgraça por força de hesitações entre sua sorte e o destino de seus representados. A história  mostra uma gama de prefeitos, governadores e presidentes que perderam a oportunidade de construir uma passagem de júbilo, conquistas e encanto, sem que fosse preciso reverter um quadro crítico, antes de colher os louros da vitória.
   Para quê serve o desejo de poder para essa gente que cisma em sair pela porta dos fundos? Não consta que a natureza humana imponha aos seres da terra o travor de seus próprios venenos.
   Se a ciência e a arte oferecem a chance do triunfo aos benfeitores, a política não foge à regra para quem abraça as causas mais nobres.
   Mas, infelizmente, na esfera do poder não é raro a incontinência dos vícios, das paixões e do desejo incontido de investir no que é mais obscuro, mais cruel e desumano. É como se as vísceras da miséria fossem um rito de passagem para a glória dos tiranos. Os déspotas só se sentem satisfeitos depois de se fartarem da servidão humana.
   Mas, eis que o opressor já não se sustenta em seu pedestal. As vozes lamuriantes agora sopram o vento que podem ruir o seu castelo. É tempo de repensar seus gestos tristes. É hora de rever seus conceitos toscos, de aniquilar sua maldição.
   Para nunca mais ficar assim tão arredio às esperanças de seu povo.
   

domingo, 4 de agosto de 2013

Futebol de várzea

   Depois  da goleada do Barcelona sobre o Santos a discussão sobre o declínio do futebol brasileiro ganhou novos contornos, numa outra seara que passa bem longe da questão de gestão de clube e seleção, envolvendo calendário, arbitragem, contratações, finanças, briga de torcida e público.
   O que está em jogo agora é a dinâmica do futebol dentro das quatro linhas, independente da atmosfera que se respira fora do retângulo. O que está em evidência é a diferença entre o conservadorismo de velhas teorias e a visão inovadora de utilização do espaço em campo, a discrepância entre as mentes tacanhas que esbravejam à beira do campo e a preocupação, já visível em outras praças, com novos conceitos de evolução tática, preparação física, fundamentos e profissionalismo.
   Ao final daquela fatídica partida chegaram a ventilar que o Santos não estava ali representando o futebol brasileiro. Estava, sim, porque quando o zagueiro do Peixe dava chutões para espanar a bola; o volante errava o passe no meio de campo; e o atacante não conseguia acertar o gol porque o chute saiu torto, não é difícil constatar que essas práticas bisonhas são comuns em qualquer time brasileiro, do líder do campeonato ao último.
   Para desconstruir qualquer argumento de que o placar bizarro daquela partida foi uma fatalidade, é bom que se lembre que o Barcelona não é o único time que detém esse nível de excelência, haja vista a última disputa da Liga dos Campeões da Europa.
   E se o Brasil hoje não figura do topo do ranking da FIFA, há evidências de que os descaminhos do futebol brasileiro vão muito mais além dos desmandos de dirigentes, estádios com obras superfaturadas, ingressos caros e campeonatos deficitários.
   A essência do futebol, aos poucos vai se desgarrando da cultura dos grandes boleiros. A magia do futebol reside mais nos espetáculos radiofônicos e televisivos; de efeitos especiais para jogadas bisonhas; da supervalorização de cabeças de bagre que oscilam entre o despreparo e a incompetência; de treinadores que mascam chiclete à beira do campo, se achando o rei da cocada preta; de jogadores com chuteiras bonitinhas, que não têm a hombridade de treinar chutes à gol ou cobranças de faltas depois do treino, como faziam os grandes astros nos seus tempos de várzea.
   A tecnologia e a infraestrutura de grandes Centros de Treinamentos já não são a garantia de formação de grandes atletas em sua plenitude. Hoje, as fórmulas arcaicas do receituário futebolístico em terra brasilis, mais do que extrapolar as leis da física, descortina também a mediocridade e o pragmatismo dessa velha arte de jogar pelada.
   Velhos tempos aqueles em que os olheiros garimpavam os meninos de canelas cinzentas, lapidados pelo campo encharcado de lama e talento nato.