terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ao mestre com justiça

   A Tia Vanda era uma professora muita enérgica, autoritária, a ponto de bater fortemente com o apagador na carteira para silenciar o burburinho, o falatório, a balbúrdia que se instalava em sala de aula. Ela chegava a morder a língua com a onomatopeia de um cão raivoso como ameaça maior a tão impertinentes pirralhos que éramos.
   Sua reprimenda à frente dos colegas era como um açoite em praça pública a quem se atrevesse com desobediência.
   Para sorte de outras gerações que passaram pelo crivo da Tia Vanda, não era possível que coubesse nas vestes daquela bruxa apenas a substância dos grandes tiranos. Era inaceitável que não houvesse naquela índole maquiavélica um naco qualquer da essência de uma fada.
   E tinha. Se o conforto dos rebentos é o afago de suas amas-secas, para nós, pupilos da Tia Vanda, a ternura reservada vinha dos traços de giz, rabiscando para os mais frágeis seres de cara para a lousa envelhecida a sapiência em linhas tortas, de garranchos, no papo reto cuspindo o futuro em forma de sopa de letrinhas, soprando o conhecimento para quem estiver sentado, prestando a atenção, senão te puxo as orelhas.
   Não sei por onde anda a Tia Vanda. Talvez ela nem esteja mais envolvida com birra, teimosia, ditado, conselho de classe e reunião de pais.
   Pode ser que nem esteja mais nesse plano. Se estiver, certamente estará imaginado os engenheiros, advogados, jornalistas, garis, professores e tantos outros que ensaiaram seus projetos, construíram seus próprios sucessos e fracassos, e que sobreviveram para relembrar os sonhos, as utopias, as fantasias e os desejos que a Tia Vanda ajudou a realizar.
   Nas lembranças que eu tenho da Tia Vanda não tem as agruras do magistério, as impertinências do poder público com as outras tias de todos os recantos.
   A justiça para a Tia Vanda é o afeto dos nossos governantes para a classe mais importante desse país.

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