quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Os sinos que não dobram

   Nada poderia ser mais angustiante para a Irene agora que as luzes vão se acendendo em todos os pontos de seu trajeto cotidiano, nas fachadas, nos postes, nas árvores, nas vitrines, no mesmo ritmo do corre-corre frenético ao final de mais um ano de celebrações pelas conquistas do período, ou de juntar os caquinhos pelos revezes de um ano conturbado como foi o da Irene em 2013.
   Vão passar muitos calendários e primaveras até que a senhora da bolsa marrom desmanche a tristeza estampada como maquiagem e conserve apenas a saudade dos tempos em que tudo tinha outras cores, outras formas, outras luzes.
  As bodas de ouro, o passeio matinal, o comprometimento ao longo desses anos, a árvore frondosa dessa união, tudo são marcas de uma história que tomou outro rumo com a ausência de seu mais fiel companheiro de todas as horas.
  Se não podemos resistir ao nosso próprio fim, pelos menos temos o desafio de sobreviver ao passamento de todos daqueles que nos rodeiam, sem, no entanto, conviver com aquelas dores profundas. E as angústias da Irene certamente ela não carrega em sua velha bolsa marrom. Simplesmente estão estampadas em meio às rugas.
  Fica até mais fácil para quem chora até hoje uma grande perda compreender esse enredo trágico da Irene.
  Apenas coincidiu de ser no Natal, mas seria tão doloroso quanto em outros momentos o infortúnio de quem perdeu seu amado. E a Irene vai passar por muitos Natais com esse vazio, assim como o sujeito que dorme sob a marquise; a família desalojada pelas enchentes; o desempregado que não teve o que comer; o pai em frangalhos, que enterrou sua filha por causa de uma bala perdida e todos os outros farrapos humanos.
   Para essas pessoas, as luzes de Natal não têm o brilho intenso. Elas sobrevivem da dor alheia, porque eu e mais de um milhão de outros seres mortais também compartilhamos a miséria e a desgraça como sendo nossas também.
  Para essas pessoas, os sinos não dobram.


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