quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O enigma da culpa

   A derrubada de uma passarela não é o primeiro nem será o último indício de que em tragédias de grandes proporções a corda sempre arrebenta no lado mais frágil.
   Pelos desdobramentos de uma infinidade de processos que apuram responsabilidades por acidentes de grandes repercussões a questão central nas investigações em curso fica sempre concentrada na falta de fiscalização como causa maior dos sinistros.
   E se existe um órgão encarregado de vigilância constante para prevenção de acidentes não seria difícil encontrar o verdadeiro culpado quando há comprovação do elemento causador da tragédia, e em razão disso, do item que foi sonegado ou abrandado nas normas de segurança.
   Na Boate Kiss, em Santa Maria, o músico foi infeliz em disparar aquele artefato, mas quem autorizou o funcionamento daquele estabelecimento sem saída de emergência adequada a um grande público? Se é o Corpo de Bombeiros quem avalia a observância desse item de segurança e a prefeitura é quem concede a licença para funcionar fica fácil encontrar os verdadeiros culpados.
  Assim como no Edifício Liberdade, no Centro do Rio, há um ano, alguém com alto grau de responsabilidade permitiu aquela malfadada obra no prédio.
   Desde quando o Bateau Mouche naufragou em 1988, até hoje ninguém comprovadamente culpado por aquela tragédia foi punido. Nem o dono do barco, nem o sujeito que organizou o passeio, nem o Capitão dos Portos, ninguém.
   São prédios que caem, trem que descarrila, barcas que enguiçam na Baía de Guanabara, obras atrasadas sem cronograma e uma série de outros contratempos que causam transtornos e danos à população em geral, sem nenhuma perspectiva de reparação de prejuízos e o que é pior, nenhuma forma de penalização a quem efetivamente causa estragos na vida das pessoas.
   Não é de hoje que a hierarquia da pirâmide social vai revelando essas distorções ao compasso de exclusões e benesses. Com isso, fica cada vez mais difícil ver figuras que ocupam posição de destaque em todas as áreas de atuação humana sofrerem os rigores da lei, no momento em que não se pode botar a culpa no mordomo, no motorista, no cara que serve o cafezinho, no porteiro, na empregada, no faxineiro,  na secretária, embora haja sempre um ensaio para se imputar a culpa no subalterno, na serventia, na ralé, mesmo com o simples propósito de desviar o foco aos verdadeiros culpados.
   No caso do caminhão que derrubou a passarela, o mecânico que fez a manutenção recente no veículo já foi arrolado para depor porque o reparo que ele realizou pode ter contribuído para o acionamento aleatório do movimento da caçamba, abrindo uma remota, mas nítida possibilidade de responsabilização do profissional pelo acidente.
  É por esses desvios de rota e aberrações constantes que não vemos médicos, advogados, engenheiros, prefeitos, governadores e outros agentes públicos de vários escalões condenados em processos de responsabilidade civil e de outra ordem. 
   E assim, a imputação da culpa ainda se configura como um grande enigma.

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