terça-feira, 25 de novembro de 2014

O pacificador


   Para quem anda de trem todos os dias, normalmente o sacolejo da composição é a única coisa que atormenta a vida dos passageiros, fora alguns atrasos ou aquelas paradas repentinas para cruzamento de linha, ou mesmo o espaço entre o trem e a plataforma, como alerta o sistema  operacional a todo instante.
   Mas, nada disso abala a vida de quem sai de casa já preparado para os infortúnios do cotidiano, principalmente aquele sujeito que nasceu sob os auspícios da paz e do amor ao próximo. Nada é capaz de abalar o equilíbrio espiritual e a serenidade  de quem está sempre ao lado do bem.
   Se o indivíduo conseguiu resistir e sobreviver às turbulências  de uma grande cidade, não será um pequeno contratempo dentro de um trem lotado que vai comprometer sua integridade moral. Se não for uma grande tragédia, dificilmente isso vai balançar a estrutura de quem está sempre voltado ao outro.
   E a sorte é que quando uma pequena rusga está prestes a se transformar numa grande crise, há sempre alguém para conter os ânimos exaltados.
   Hoje, dois indivíduos dotados da mais pura intolerância quase se digladiaram porque um encostou no outro, naquele sacolejo que embala a minhoca de metal. É claro que a ação imediata do pacificador impediu que ambos chegassem às vias de fato.
   Ao questionar a briga por algo tão sem importância, o pacificador com muita nobreza promoveu a paz. Mas era nítido naquela atmosfera que as pessoas ao redor apostariam numa batalha campal. O silêncio que se fez durante a interpelação do pacificador parecia ser de reprovação àquele pequeno grande gesto. Era como se aquela gente se frustasse por não ver o sangue jorrar, ou numa dimensão maior da imbecilidade humana, um corpo estendido no chão.
   Por um momento o pacificador vira um anti-herói, um ícone do absurdo, o baluarte de uma história às avessas. Deu-se a impressão de que ele é que corria riscos, porque os olhares o fuzilavam por ele não ter promovido a discórdia entre os homens. Definitivamente, o estigma das grandes hecatombes ainda habita o imaginário da era contemporânea.
   Mas, naquela fronteira entre o paraíso e o inferno a glória maior dos homens prevaleceu na figura do pacificador. Se naquele mísero instante de discórdia o pacificador não se descobriu o expoente maior de uma grande causa, pelo menos a mensagem foi dada.

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