domingo, 14 de maio de 2017

Lembranças de mamãe

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  Se tinha uma coisa que marcava a personalidade de minha mãe era o seu poder de observação, pelo menos para mim que ficava atento àqueles instantes em que ela observava muito mais além do que seus olhos permitiam enxergar.
   Não que as coisas ao seu redor não tivessem importância, mas dada as circunstâncias e necessidades da época, era comum vê-la pensativa e compenetrada em seu mundo particular, como que a buscar algo, que, pelo menos ali, naquele momento, não estava ao seu alcance.
    Talvez fosse uma reza, uma clemência ou um outro chamamento qualquer que trouxesse soluções para um vazio que parecia existir, uma lacuna a ser preenchida, uma urgência com soluções imediatas.
    Depois que minha mãe se foi demorou um enorme tempo para eu traduzir aquelas leituras que ela fazia com o olhar voltado para o nada e a cabeça fervilhando a todo instante. Foi quando eu percebi que naqueles rompantes de isolamento e concentração absoluta ela buscava providências para a escassez das coisas materiais, porque naquele tempo a única coisa abundante era a infância feliz do contato com o chão cru e os brinquedos de fabricação própria.
    Certa vez, enquanto brincava no quintal da casa, eu vi a minha mãe parada ali, próxima de mim, mas completamente alheia à minha brincadeira. Não foi difícil perceber o seu olhar fixo no vistoso mamoeiro do vizinho. Se era impossível saber o que se passava naquela cabeça pensante, é bem provável que aquela penca de mamões verdes pendurados no caule ilustrasse sua imaginação.
    Hoje, passados esses tempos em que a maturidade permite a superação das dificuldades e outros revezes da vida, eu conservo na mente a nobreza de minha mãe nessa velha arte de se reinventar a todo instante, criando sempre novas formas de sobrevivência, tudo em prol de sua prole.
   Com tamanha dedicação e a certeza de seu importante papel era impossível que seus rebentos sucumbissem ao frio, à sede e, principalmente, pela fome, porque seus seios eram fartos o suficiente para que eu me fortalecesse.
    A lembrança que ficou marcada foi justamente a capacidade que minha mãe tinha de reverter um quadro de penúria em algo magistral, verdadeiramente sublime. Naquele dia, meu irmão interpelou minha mãe sobre aquela coisa verde ensopada e caprichosamente temperada como complemento do arroz e do feijão. E ela. do alto de sua humilde sabedoria e inteligência, aconselhou:
      - Coma, meu filho...é chuchu!!!!