segunda-feira, 20 de abril de 2015

Tempo perdido

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  Até onde vai a capacidade do ser humano de utilizar seu precioso tempo para algo nobre e verdadeiramente produtivo?  
  Esse questionamento me veio à tona num de meus deslocamentos de casa para o trabalho, nesses tempos de transporte público saturado e extenuante.
   Mesmo na efervescência de uma grande cidade, a vida de cada um não pode ser tão atribulada que não sobre um momento sequer para si mesmo. Em meio a tantas preocupações do dia a dia é possível e provável que que nos reencontremos para uma busca maior, as respostas que procuramos, os sonhos e desejos que acalentamos.
   É bem certo que nesse universo de gente conectada como o mundo, no trem, no ônibus, no metrô, haja uma parcela que traz consigo uma dor, um vazio, enfim, uma lacuna a ser preenchida. E dificilmente alguém vai encontrar soluções para aquele problema que ficou em casa, zapeando com o balanço do trem. Se há um dilema a ser resolvido no âmbito do trabalho, encontrar a chave do problema em meio às futilidades da redes sociais é como procurar agulha no palheiro.
   Hoje, as pessoas têm muito mais papéis a desempenhar, mas essa faceta do novo homem multifuncional jamais eliminou aquele instante em que se pode desligar das coisas, das pessoas e do mundo para engendrar um grande projeto, para retomar velhos hábitos, tomar uma importante decisão na vida.
   Em vez disso, o que a gente nota é que as pessoas estão extinguindo o pouco que resta para grandes mudanças no plano pessoal. Eu vejo gente navegando enquanto corta o cabelo, no restaurante, andando na rua, pasmem, até no banheiro.
   Desde a Revolução Industrial, quando foram criados os primeiros códigos trabalhistas, criaram férias e folgas semanais, mas com o propósito do consumo, que se prolonga até os dias de hoje. No Carnaval, feriado prolongado e outros eventos, há um deslocamento em massa para outros lugares com a mesma aglomeração. Poucos se dão ao luxo de sumir do mapa para traçar novas diretrizes para sua vida profissional, família, saúde.
  Academia, viagens, promoção social, prosperidade e reconhecimento podem não ser sinais de evolução humana, se não houver uma viagem insólita para dentro de si, conhecer de perto como seu corpo pulsa, antes de querer abraçar o mundo.
    O equilíbrio necessário para tomadas de decisões vem desse autoconhecimento. Seguramente a cura para essas doenças da sociedade moderna, stress, fadiga, depressão, estafa, vai depender do estado de espírito desse paciente emergente. E a "necessidade" de conexão permanente com o mundo ao redor, além de não implicar uma atividade intelectual satisfatória, vai cada vez mais proporcionando frustrações, infelicidades e decepções em larga escala.
   E assim vai caminhando a humanidade, na contra-mão de si mesmo, cada vez mais distante de seu apogeu, e sem perspectiva de recuperar esse tempo perdido.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Uma questão de dignidade


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  O processo de ocupação irregular e posterior retirada dos invasores do edifício da Avenida Rui Barbosa só difere de outras invasões registradas pelo caráter particular do imóvel agora escolhido pelos ocupantes.
   É claro que o abandono  do prédio em função de planejamento malsucedido dos proprietários do local facilitou o expediente dos invasores.
   Mas, considerando o déficit habitacional que se acentua nas grandes cidades, o mesmo poder público que agora mobiliza seu efetivo de segurança para conter a sanha dos invasores é o mesmo que hesita em proporcionar moradia digna em tempo hábil a quem realmente precisa desse benefício.
   Só que numa dimensão maior, num outro contexto de desenvolvimento urbano e social, as seguidas invasões que se têm verificado, somadas ao transporte público saturado e à rede de saúde pública também congestionada, configura num só plano o inchaço de uma grande cidade, que sem planejamento para atender a demanda crescente na área de habitação, transporte e saúde torna praticamente ineficaz os respectivos serviços públicos.
   Na área de habitação especificamente, o poder público com as três esferas de governo envolvidas em parceria de palanques e promessas  promeveram intervenções urbanas em diversas comunidades carentes, Favela-Bairro em gestões anteriores e PAC na atual circunstância, com promessa de levar bem-estar aos moradores dessas localidades.
   Mas um outro contigente maior que ainda não foi contemplado com tal benefício continua convivendo com esgoto a céu aberto, colheta irregular de lixo, ligações clandestinas de água e luz, enfim, condições completamente sub-humanas e insalubres que ferem a dignidade de gerações e mais gerações à espera de moradia decente.
   No caso específico do Rio de Janeiro,  esse déficit se acentua ainda mais, considerando que a cidade continua sendo destino de migrantes de outras regiões do país, o que dificulta qualquer planejamento que atenda uma demanda crescente.
   A mesma dificuldade que as adminsitrações das cidades do interior do estado e regiões Norte e Nordeste têm para fixar a população em seu local de origem o governante de uma metrópole como o Rio de Janeiro terá para suprir as necessidades daqui.
   Portanto, assim como já vemos o modelo de transporte público completamente saturado, justamente pela falta de oportunidades na região metropolitana, e rede de saúde pública igualmente esgotada pelo mesmo motivo, a questão da habitação torna-se um grande desafio para o poder público.
  Afinal de contas, é a dignidade dessa gente que está em jogo.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

O retrocesso penal

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    É inútil comemorar a aprovação da redução da maioridade penal pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, sob o argumento de que mais jovens trancafiados vai diminuir os números da violência nos grandes centros urbanos.
   Além das seguidas votações as quais será submetida a infeliz proposta, a própria prerrogativa de cláusula pétrea impõe barreiras para modificar o texto da Carta Magna, e o Supremo Tribunal Federal pode ser acionado para a dar a palavra final.
   Batalhas à parte, mais uma vez vem à tona o que parece ser a questão mais complexa da atual realidade.
   Que garantia há de que os indicadores da violência serão remexidos, se outras faixas etárias poderão facilmente ser cooptadas e estimuladas a praticarem os mesmos delitos de sempre?
   A Câmara dos Deputados poderia fazer um bem maior à sociedade, discutindo essa questão sob a ótica da educação e outras políticas públicas, no momento em que o poder público não cumpre o seu papel de tutor de menores entregues à própria sorte nas comunidades carentes, pacificadas ou não, onde o braço armado do estado, sozinho, não pode suprir as necessidades dessas localidades sob a responsabilidade das três esferas de governo.
   A implantação das Unidades de Polícia Pacificadora aqui no Rio de Janeiro é um exemplo claro de que não houve uma complementação mais efetiva à atual política de segurança, que numa dimensão maior poderia se tornar um modelo nacional.
  Já que insistem que o aparato de segurança pode equacionar essa questão, as Forças Armadas também podem perfeitamente desempenhar uma função social, além de mais rigor no controle de nossas fronteiras, socializar esses jovens, através de projetos profissionalizantes, esporte, lazer e disciplina, sem, necessariamente, se familiarizarem com material bélico, por motivos óbvios.
   Mas, bastaria que as letras do Estatuto da Criança e do Adolescente fossem observadas em sua plenitude para que se desenhasse um outro retrato desse cenário caótico de uma massa desassistida e desafortunada.
   Assim, a redução da maioridade penal representa o retrocesso do confinamento, da exclusão  e da falta de oportunidade. Porque é evidente que no contexto do sistema carcerário não há mecanismos que possam socializar uma geração fadada ao ostracismo e à marginalidade.
   Um pais que não leva a sério seus jovens também não cresce, como eles.