terça-feira, 24 de novembro de 2020

O VOTO NULO TAMBÉM DIGNIFICA

  É duro fazer um balanço negativo dessas eleições aqui no Rio de Janeiro, mas depois de tudo que aconteceu ao longo da campanha e sobretudo com a composição do segundo turno que vai definir o próximo prefeito da cidade não há como traçar um panorama mais otimista.
   Eu digo com muita segurança e propriedade que Eduardo Paes e Marcelo Crivella são os piores candidatos que concorreram nesse pleito, considerando suas experiências e o próprio material que cada um trouxe para a disputa.
   Nunca é demais lembrar que essa eleição foi a primeira dos últimos tempos que não se destacou uma figura novata ou emergente como costumava rolar nas disputas anteriores. Não por falta de alternativas, muito pelo contrário, mas por conveniências do atual momento político.
   Se em campanhas anteriores havia sempre um personagem novo, independente do viés ideológico, esse ano prevaleceu o conservadorismo, o medo de um estreante, a dúvida sobre quem surgia diferente no horizonte, a desconfiança por algo diferente. Enfim, nem a direita nem a esquerda conseguiu emplacar uma novidade que pudesse gerar uma expectativa animadora para o Rio de Janeiro.
   Agora, fica a população  e a cidade igualmente maravilhosa à mercê de dois velhos conhecidos do povo carioca, duas figuras que em nenhum momento mostraram que podem trazer as transformações que o Rio precisa: Marcelo Crivella que nesse mandato não pôs em prática o que prometia fazer e cuidar das pessoas; e Eduardo Paes, que dispensa apresentação diante do cenário bem diferente do tal legado que ele lembrava pra todos que deixaria para a população.
   São os únicos da disputa que poderiam provar para os cariocas os benefícios e vantagens de suas gestões, ao passo que os outros ainda teriam de convencer o eleitorado de seus projetos para a cidade.
   Mas, esqueçamos de tudo novo que não veio e nos contentamos com a pior expectativa para o futuro da nossa cidade nas gestões de quem que seja e se eleja. Não tem como projetar para a próxima administração que as necessidades e urgências do Rio de Janeiro serão atendidas e resolvidas. Crivella e Paes passaram toda a campanha se digladiando com acusações e mentiras de ambos os lados, sem nenhuma responsabilidade, sem nenhuma noção do que deveriam fazer de fato para o povo.
   A cidade do Rio de Janeiro não merece ficar sem esperança mais uma vez. É muito triste para o povo carioca saber que o próximo prefeito não vai descortinar um novo horizonte para todos nós. Não há garantias de que um ou outro vá inaugurar uma nova era para a cidade maravilhosa, porque eles, Crivella e Paes, não têm capacidade para transformar o Rio de Janeiro numa metrópole de fato. Na oportunidade que tiveram não tornaram o Rio mais funcional, não fizeram o Rio mais aconchegante para quem aqui vive, apenas enganaram a população com promessas, jogo de palavras e sorrisos de malandro.
   É bom que se lembre que Marcelo Crivella e Eduardo Paes respondem a processos, justamente por ingerência e vícios em suas gestões, o que automaticamente afastaria ambos da disputa, mas parte do eleitorado, também preso a velhos conceitos, optaram por fazê-los os guardiões da nossa cidade, ainda que com seus currículos pobres e pífios, deprimentes e depravados com a coisa pública, enganadores e fantasiosos para a realidade carioca.
   Nenhum princípio político e ideológico que prima pelo bom senso se encaixa nessa agenda que nesses últimos tempos vem atentando contra o povo carioca em seu cotidiano de sofrimentos de toda ordem, de dia, de noite, nas praças, nas  ruas, à pé ou de cavalo. Nenhum ideal de renovação e modernidade vai embasar essa fraude intelectual. Nenhum conceito que vise o bem estar de um povo pode se enquadrar nessa realidade que tanto Eduardo Paes quanto Marcelo Crivella tentam a todo custo empurrar para as pessoas. Nada que ambos fizeram até agora esboçou algum conforto para nós que sofremos todos os dias. Nunca houve um novo horizonte nesses projetos que eles ensaiam sistematicamente.
   O voto nulo é uma realidade, é uma alternativa que consta na urna, é uma possibilidade para tirar a moral dessa gente. É uma oportunidade de reivindicação, de protesto, de observar que não é viável essa situação. Há que se ver no voto nulo o privilégio da reflexão por parte por parte de quem engana e de quem é ludibriado. O voto nulo expressa uma condição para a sobrevivência de um povo e de uma cidade, e revela uma outra realidade para a cidade do Rio de Janeiro no próximo chamamento.
   Enfim, o voto nulo também dignifica.
  

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O RACISMO AINDA REPRESENTA

   Eu fico bem à vontade pra falar de preconceito porque transito entre os dois lados da história, vivo cruzando a fronteira que separa esses dois mundos.
   É  até estranho falar que são dois mundos, mas como a sociedade vai criando divisões e fronteiras que não estão no mapa oficial, a gente define assim esse ambiente em que vivemos.
   Por força da minha origem e agora da minha vida social, profissional e dessas andanças por ai, estou sempre ao lado de quem sente o peso da ignorância ou batendo de frente com a outra parte que insiste nesse modo de operar o sistema.
   Eu já vi de tudo nessa vida, já escutei cada coisa que até hoje me impressiono. A minha infância era de gente diversificada, só depois de um tempão é que eu percebi que tinha gente que não gostava de preto, mas a minha convivência e as coisas que mamãe falava me fizeram tolerante com as pessoas.
   Hoje, a divisão continua, mas a impertinência dos abolicionistas de outrora fez escola, e há sempre uma voz ativa, um personagem ou uma política pública e legislações exclusivas que abafam um pouco essa estupidez latente e ainda persistente.
   Mesmo que ainda não tenha surtido o efeito desejado, muitos barulhos que fizeram no passado ecoam nos dias de hoje, e faz de uma certa forma a diferença.
   Eu fico imaginando como seria hoje a África do Sul se não fosse a figura do Nelson Mandela e sua luta que custou sua prisão e muita morte naquele país. Como estaria hoje as relações entre pessoas de tribos diferentes e  a organização política lá, de repente, de exclusão e separatismo até hoje?
   Nos Estados Unidos, a saga de Martin Luther King certamente influenciou a comunidade negra americana a brigar por liberdade, direitos  e cidadania. Se hoje há protestos nas ruas toda vez que a polícia esmaga um negro, a atitude em ambos os lados seria diferente, pra pior, uma repressão ainda maior e uma massa mais amedrontada e sem fôlego para reagir à opressão, mas graças ao discurso do passado, veja como esses protestos antirracistas que estão rolando por lá estão até interferindo nas eleições americanas.
   Aqui no Brasil não é diferente que o poder público é excludente, repressor e omisso no trato com a comunidade negra. Basta observar os indicadores sociais e os dados de ações policiais em que os negros são as maiores vítimas.
   Nos três ambientes mencionados destaca-se a atuação do estado, cada um com sua particularidade dentro de seu sistema e regime, mas claro que o convívio entre as pessoas, o lado social, cultural das relações humanas também ilustram esse cenário em que o racismo e o preconceito operam no dia a dia. E é justamente no tecido social que a gente mede a intensidade do ódio e o intolerância.
   A Lei Afonso Arinos criada na década de 50 foi o início de um longo processo para frear o racismo no Brasil. De lá pra cá, não houve mudança alguma, ninguém foi punido e os registros de discriminação continuaram. Só depois da Constituição de 1988, com a redemocratização do país, surgiram personagem que levantaram a bandeira da intolerância. Finalmente a Lei 7716/89 começou a incomodar a parcela preconceituosa da sociedade por sugerir e determinar punições à eventuais agressões físicas e verbais.
   Atualmente, o senador Randolfe Rodrigues acena com um Projeto de Lei que altera o Código Penal para aumentar a punição em casos de ataques racistas com o objetivo de desestimular esse comportamento e, claro, proteger as vítimas.
   É um alento para a sociedade ver a legislação em consonância com as reivindicações e tendência por um ambiente livre de preconceito e discriminação. A ideia é minar qualquer tentativa de perpetuar o racismo.
   A gente entende que é difícil erradicar esse mal, pois há vários fatores que é preciso considerar, mas não se pode esmorecer, ainda mais agora, quando há todo um discurso de ódio renovado no ar, e muita gente se sente representada novamente. Veja como o Donald Trump renova o seu discurso de intolerância e acaba provocando mais agressões, como têm  ocorrido nos EUA, assim como o presidente Jair Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral, lá  atrás, andou soltando umas falas completamente preconceituosas, o que acaba, de certo modo, estimulando mais ódio, e fazendo com que aquelas pessoas que estavam mais contidas se sentissem representadas, no momento em que há cada vez mais vozes ativas e atuantes contra todo esse apartheid que não para de fazer barulho.