segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O RACISMO AINDA REPRESENTA

   Eu fico bem à vontade pra falar de preconceito porque transito entre os dois lados da história, vivo cruzando a fronteira que separa esses dois mundos.
   É  até estranho falar que são dois mundos, mas como a sociedade vai criando divisões e fronteiras que não estão no mapa oficial, a gente define assim esse ambiente em que vivemos.
   Por força da minha origem e agora da minha vida social, profissional e dessas andanças por ai, estou sempre ao lado de quem sente o peso da ignorância ou batendo de frente com a outra parte que insiste nesse modo de operar o sistema.
   Eu já vi de tudo nessa vida, já escutei cada coisa que até hoje me impressiono. A minha infância era de gente diversificada, só depois de um tempão é que eu percebi que tinha gente que não gostava de preto, mas a minha convivência e as coisas que mamãe falava me fizeram tolerante com as pessoas.
   Hoje, a divisão continua, mas a impertinência dos abolicionistas de outrora fez escola, e há sempre uma voz ativa, um personagem ou uma política pública e legislações exclusivas que abafam um pouco essa estupidez latente e ainda persistente.
   Mesmo que ainda não tenha surtido o efeito desejado, muitos barulhos que fizeram no passado ecoam nos dias de hoje, e faz de uma certa forma a diferença.
   Eu fico imaginando como seria hoje a África do Sul se não fosse a figura do Nelson Mandela e sua luta que custou sua prisão e muita morte naquele país. Como estaria hoje as relações entre pessoas de tribos diferentes e  a organização política lá, de repente, de exclusão e separatismo até hoje?
   Nos Estados Unidos, a saga de Martin Luther King certamente influenciou a comunidade negra americana a brigar por liberdade, direitos  e cidadania. Se hoje há protestos nas ruas toda vez que a polícia esmaga um negro, a atitude em ambos os lados seria diferente, pra pior, uma repressão ainda maior e uma massa mais amedrontada e sem fôlego para reagir à opressão, mas graças ao discurso do passado, veja como esses protestos antirracistas que estão rolando por lá estão até interferindo nas eleições americanas.
   Aqui no Brasil não é diferente que o poder público é excludente, repressor e omisso no trato com a comunidade negra. Basta observar os indicadores sociais e os dados de ações policiais em que os negros são as maiores vítimas.
   Nos três ambientes mencionados destaca-se a atuação do estado, cada um com sua particularidade dentro de seu sistema e regime, mas claro que o convívio entre as pessoas, o lado social, cultural das relações humanas também ilustram esse cenário em que o racismo e o preconceito operam no dia a dia. E é justamente no tecido social que a gente mede a intensidade do ódio e o intolerância.
   A Lei Afonso Arinos criada na década de 50 foi o início de um longo processo para frear o racismo no Brasil. De lá pra cá, não houve mudança alguma, ninguém foi punido e os registros de discriminação continuaram. Só depois da Constituição de 1988, com a redemocratização do país, surgiram personagem que levantaram a bandeira da intolerância. Finalmente a Lei 7716/89 começou a incomodar a parcela preconceituosa da sociedade por sugerir e determinar punições à eventuais agressões físicas e verbais.
   Atualmente, o senador Randolfe Rodrigues acena com um Projeto de Lei que altera o Código Penal para aumentar a punição em casos de ataques racistas com o objetivo de desestimular esse comportamento e, claro, proteger as vítimas.
   É um alento para a sociedade ver a legislação em consonância com as reivindicações e tendência por um ambiente livre de preconceito e discriminação. A ideia é minar qualquer tentativa de perpetuar o racismo.
   A gente entende que é difícil erradicar esse mal, pois há vários fatores que é preciso considerar, mas não se pode esmorecer, ainda mais agora, quando há todo um discurso de ódio renovado no ar, e muita gente se sente representada novamente. Veja como o Donald Trump renova o seu discurso de intolerância e acaba provocando mais agressões, como têm  ocorrido nos EUA, assim como o presidente Jair Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral, lá  atrás, andou soltando umas falas completamente preconceituosas, o que acaba, de certo modo, estimulando mais ódio, e fazendo com que aquelas pessoas que estavam mais contidas se sentissem representadas, no momento em que há cada vez mais vozes ativas e atuantes contra todo esse apartheid que não para de fazer barulho.

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