quarta-feira, 29 de junho de 2011

Panela vazia

     O governo brasileiro está comemorando a eleição do petista José Graziano da Silva como novo diretor-geral das Organizações das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), pela indicação do ex-presidente Lula e o apoio da Presidente Dilma Rousself, que ela considera como uma vitória diplomática do novo governo.
     Sem querer desmerecer as credenciais de Graziano para ocupar o cargo é bom que se saiba que ele já fazia parte dos quadros do órgão como subdiretor-geral e representante da América Latina no organismo.
     Não é de hoje que os principais líderes mundiais acenam com projetos de erradicação da fome no mundo. São programas que, se saíram do papel, não trouxeram mudanças nos principais centros, onde se verificam há anos o retrato de degradação humana causado pela miséria.
     Falar que José Graziano tem um grande desafio pela frente não é nenhuma novidade, considerando as atribuições de tão importante órgão das Nações Unidas. A sua gestão à frente do Programa Fome Zero, no primeiro governo Lula, apesar de ter alterado positivamente os indicadores sociais no território brasileiro, ainda que de forma tímida, não é garantia de que o futuro dirigente brasileiro da FAO vá lograr êxito nessa nova missão, agora em âmbito mundial.
     Também não será surpresa se ao fim do mandato naquele órgão não se vislumbrar uma mínima mudança nesse longevo projeto de distribuição de alimentos em escala global, haja vista que desde 1945, quando a FAO foi criada, não tivemos um resultado impactante que revelasse efetivamente um primeiro passo para se eliminar a fome no mundo.
     Quando a FAO surgiu o objetivo era discutir e debater políticas e acordos visando o combate à fome, com ênfase na modernização da produção agrícola, de forma a contemplar um número cada vez maior de necessitados. Ao longo desses anos todas as tentativas de reuniões em torno do assunto definharam em função de interesses, assim como aconteceu em encontros para resolver questões ambientais, e em fóruns econômicos dos países ricos, tentando destrinchar suas complicadas engenharias financeiras.
     Pela perspectiva de bancarrota em que vive algumas nações do planeta, dificilmente os países que vão sobrevivendo conseguirão conciliar sua política econômica interna com ajuda humanitária, sem comprometer seu orçamento doméstico.
     O continente africano é o maior exemplo da inoperância dessas políticas fajutas que já vieram à tona, por várias décadas. Depois da independência do esquecido continente, berço de nossa história, tudo que as principais nações locais precisavam era de um choque de gestão, com a interferência de seus ex-colonizadores, com um amplo pacote de medidas que revelassem a África como um bloco emergente, pelo menos no seu aspecto de contingente consumidor.
     Durante muitos anos o que se viu foi as guerras civis do continente sendo fomentadas pela indústria bélica mundial, sem nenhuma contrapartida social, num momento em que a própria FAO e a OIT poderiam implementar um amplo programa de inclusão social na região, com projetos de trabalho e renda, em conjunto com as grandes nações, através de financiamento público e privado.
     Há indícios de que essa chamada crise global seja consequência da má distribuição de recursos em todo o planeta, pois uma parte considerável da população mundial não tem acesso às riquezas mundias, incluindo os alimentos que são produzidos em proporções que podem atender à todos, mas que se desperdiçam antes de chegar a quem precisa.
     Agora, o órgão espera matar a fome de cerca de 9 bilhões de pessoas até 2050. Pode ser que até lá muita gente continue de barriga e panela vazias.
     Mãos à obra e boa sorte, Graziano!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Dignidade

    A gente fica andando pelas ruas e acaba encontrando um monte de coisas ruins, como o avesso do que pretendemos para o mundo que habitamos e que, ao mesmo tempo, nos cerca.
   Antes da primeira curva nos deparamos com primeiro sinal de desgosto, de desânimo, quase desmanchando o naco de esperança que ainda resta para o resto da caminhada, quando de repente a natureza humana revolve seu lado obscuro pelas incertezas e descortina o que pode ser a mais bela das riquezas do homem.
    Quem vê aquele sujeito , diariamente, no sinal da Praça do Pacificador, em Duque de Caxias, vendendo guloseimas, não pode imaginar que por trás daquele indivíduo desafortunado esconde a nobreza do homem simples, cujo sorriso e bom-humor ao amanhecer serve como cartão de visita ou boas-vindas a quem pretende ou necessita de uma alvorada voraz, tão cantada em prosa e verso.
    Na natureza sublime daquela pseudo-miséria muita gente passa despercebido da altivez em grau máximo numa mesma pessoa, toda vez que o sinal fecha. Para quem pensa que o Daniel precisa de alguma ajuda mais complexa, a sua ocupação parece ser uma mera terapia, um expediente de prosseguimento da vida que segue.
   Confesso que já tive vontade de perguntar quais são suas aspirações, dentro das limitações de um cadeirante que reforça seu orçamento, vendendo balas e drops. Mas, sua dignidade é muito maior que a minha curiosidade e benevolência.
    Deixei para lá. Quando a luz vermelha sumiu, também fui. Ainda deu tempo de ver pelo retrovisor um grande homem sem as incertezas de um ser comum.
   

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Alforria

     É importante comemorar e destacar a proposta do Executivo Federal de estender às empregadas domésticas os mesmos benefícios incorporados aos vencimentos dos demais trabalhadores do país.
      Não é de hoje que essa valorosa categoria profissional trava uma batalha árdua para ter os mesmos direitos de quem também dá muito duro.
     Antes de se esmiuçar o longo conflito entre o patronato e os representantes dos trabalhadores domésticos é bom lembrar que a própria Constituição garante direitos iguais à todos perante a lei, o que, teoricamente, rechaçaria qualquer discrepância entre grupos sociais e profissionais, cada um dentro de suas particularidades, no que diz respeito aos benefícios sociais e conquistas trabalhistas alcançadas ao longo desses tempos pelas entidades e partidos políticos ligados à causa do trabalho.
      Mas o clientelismo e o corporativismo, como elementos marcantes da história da legislação brasileira contribuíram para manter esse distanciamento entre determinadas classes sociais, em que cada um puxava brasa para a sua sardinha.
     Na verdade, a conquista de 13° salário e férias só foram instituídos para, com o interesse do capitalismo, impulsionar e estimular o consumo, com reflexos na cadeia produtiva, mesmo que o assalariado compre uma geladeira para pagar em 24 meses.
      Pelas circunstâncias atuais, fica muito mais fácil empregar alguém com um custo bem menor de encargos, principalmente pelo caráter facultativo, por exemplo, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, fora outros adicionais. Além de revelar o desprezo pela categoria, essa aberração permite que os patrões fujam da responsabilidade de arcar com parte do ônus que a integração social impõe à todos, com o objetivo de tornar o país mais justo, enquanto evolui.
     Agora, o governo federal vai enviar ao Congresso Nacional sua proposta para equiparar os direitos de domésticos aos outros trabalhadores. Se forem incluídos nos vencimentos dos empregados domésticos o FGTS, abono salarial, seguro-desemprego e horas extras estará se resgatando uma grande dívida social, além de eliminar um longo processo de exploração que se verifica até os dias de hoje.
     Para o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, seria uma espécie de abolição da escravatura.
     À conferir.     

sábado, 18 de junho de 2011

Animais à solta

     Quando saiu no jornal, essa semana, que o Edmundo voltaria para a prisão, em virtude da responsabilidade pelo acidente automobilístico ocorrido em 1995, o que mais se ouviu nas ruas foi a certeza de que o Animal não voltaria para a jaula, pelo simples fato de que pessoas famosas não costumam frequentar ou habitar sistema carcerário. Ou seja, essa gente não vai presa nunca.
      Na época do sinistro, Edmundo estava no auge da carreira, mas isso não teve interferência na decisão dos julgadores do processo.
      É bom que se saiba que o ex-jogador só ficou esse tempo todo com o boi na sombra por força da própria lei vigente no país, que permite a prorrogação da pena de um condenado até que se esgote a possibilidade de recurso, até a última instância.
      Foi um crime típico desses que a sociedade vem combatendo com campanhas de conscientização, como a Lei-Seca, que tem, ao longo desses tempos, diminuído os índices de acidentes de trânsito, em virtude do combate ao consumo de bebidas alcoólicas.
      Desde o tempo em que foi imputada a prisão ao Edmundo, até os dias de hoje, nenhuma lei foi alterada, em consonância com o comportamento dos motoristas irresponsáveis, ou seja, não houve a adequação aos tempos atuais, mesmo com o marketing agressivo de bebidas alcoólicas na mídia.
      Hoje, mesmo que a Lei-Seca ponha na berlinda alguns famosos ou anônimos na contramão da história, estes sempre encontrarão as brechas da lei a livrá-los de qualquer punição exemplar.
      Muitos dos que apostaram na liberdade de Edmundo não conhecem os meandros que a nossa velha lei arcaica oferece a quem pode se beneficiar dela. Aquele caminho que Edmundo percorreu no eixo Rio-São Paulo, rumo ao que poderia ser o seu inferno, não passou de um embuste à nossa crença por dias melhores; um desafio à nossa capacidade de mudar esse estado de coisa.
      Portanto, se fôssemos acompanhar a evolução do nosso próprio tempo, com uma ampla reforma do Código Penal, Edmundo não deveria mesmo ir preso, agora. Ele já deveria tê-la cumprido há muito tempo.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Fogo brando

     Já faz mais de duas semanas que os bombeiros do Rio estão em movimento, reivindicando melhores condições salariais, e ainda antes de 439 deles serem presos por invasão do Quartel Central da corporação uma infinidade de fitinhas vermelhas já tremulavam nas antenas e retrovisores dos automóveis nas ruas da cidade, numa clara adesão à causa dos agentes do fogo.
     Mesmo com o relaxamento da prisão dos indiciados pelo motim o movimento tomou proporções que indicam a insatisfação da população com mais uma questão a ser resolvida, como se não bastassem as políticas de segurança e de educação  como os problemas mais mal resolvidos no estado do Rio de Janeiro, tanto que os Policiais Militares e os professores do estado abraçaram a causa dos bombeiros fluminenses.
     Independentemente do desdobramento do caso, o Ministério Público ofereceu denúncia à Justiça Militar e os militares revoltosos poderão ser punidos por infringirem o Regulamento Disciplinar da corporação, apesar da pressão por parte, até mesmo, dos deputados federais pela anistia, como ocorreu em outras unidades da federação.
     O chefe do executivo estadual certamente estará atento à decisão da justiça, com receio de um grave precedente, considerando o envolvimento da outra unidade de força auxiliar do estado, na fila de reivindicação.
     Como a causa dos bombeiros se estendeu à Câmara Estadual, tudo indica que isso vai virar uma novela de vários capítulos, já que o governador, através do líder do governo na Casa, já adiantou que o aumento que os bombeiros querem vai inchar o orçamento do estado em 4 bilhões de reais, e não há fonte de recursos para suprir a majoração proposta.
     A rejeição ao pedido de urgência na votação do projeto pela anistia feita pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Marcos Maia, é outro sinal de que esse assunto vai se arrastar um pouco mais.
     De qualquer forma, é muito importante ver o engajamneto de outras categorias profissionais a um segmento fundamental de serviço público, cuja valorização deve ser imediatamente discutida pela sociedade fluminense, sob pena de colapso operacional, em virtude de descontentamento no setor.
     Agora, tudo bem que a dívida social do governo estadual é herança de outras gestões. Mas, está na hora de alguém começar a descruzar os braços, porque irresponsabilidade é fogo. 

sábado, 11 de junho de 2011

Fenomenal

      O Vasco da Gama obteve uma conquista importante, quarta-feira passada, vencendo a Copa do Brasil de forma incontestável, depois de 11 anos de jejum, numa semana que teve também a despedida de Petkovic dos gramados. Mas nada teve mais destaque que a homenagem ao Ronaldo Fenômeno no amistoso da seleção diante da Romênia, terça-feira.
     Foi uma festa diferente das que costumamos ver quando algum boleiro resolve pendurar as chuteiras, mas em se tratando de Fenômeno, cabe uma consideração, pela sua rica trajetória.
    Toda hora desaparece alguém importante; de vez em quando uma celebridade some do mapa. Não demora muito e toda sua trajetória fica nos anais da história, quando se esvai como fumaça um ente querido e famoso.
    Ídolo é diferente. Se sua história serve de exemplo e pode ser reproduzida pela lembrança dos mortais que torcem, berram, esbravejam e choram, a eternidade será sempre o conforto para quem nunca verá alguém que joga como ninguém, toda vez que ele botava a bola nos pés.
    Tudo bem que da várzea de onde ele brotou e cresceu nascerá mais boleiros. Mas pode ser também botinudos e cabeças-de-bagre, porque o futebol é igual ao sol: nasceu para todos.
    Longe de mim, de ti, de nós, brasileiros e brasileirinhos esquecermos da alegria que Ronaldo proporcionou nos momentos mais importantes.
     Para quem acompanhou de perto ou de longe a trajetória desse ídolo do Planeta Bola fica mais fácil descobrir porque um ídolo não morre jamais. O que ficará marcado para sempre na memória nacional e do mundo é a sua capacidade de recuperação ou superação, com queiram.
     Se em algum momento da vida nacional o povo brasileiro necessitava de um impulso para proseguir, Ronaldo deu o exemplo que muitos precisavam, nessa via-crusis chamada Brasil, onde se mata um leão por dia, e ainda sobra tesão para o dia seguinte, no trem lotado, no rush urbano, como meio de campo em busca do gol.
     Convenhamos, essa capacidade que o brasileiro tem de reverter placar adverso é um fenômeno.
   
           

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A pipa está no ar

     Vejam bem. A Prefeitura do Rio resolveu que os menores recolhidos nas ruas da cidade só poderão sair da tutela do município com a autorização dos responsáveis e depois de terminarem o tratamento a que estarão submetidos.
     Louva-se a iniciativa da prefeitura, embora seja esta uma de suas reais atribuições, mas lamenta-se que ações como estas não tenham sido executadas com afinco em gestões passadas.
     Pela quantidade de crianças que vislumbramos pela janela do carro, pela janela do ônibus, dá para se ter uma ideia do déficit social que o poder público precisa reverter nas comunidades do Rio de Janeiro.
     Não se pode, porém, colocar o ônus dessa dívida nas costas e nas contas da prefeitura. As outras esferas de governo também têm papel fundamental para a solução do problema.
     De qualquer forma, independente de o governo estadual não ter ainda erradicado o tráfico de drogas no território fluminense, e o governo federal não fazer a sua parte em nível nacional, a prefeitura poderia ter implementado um plano efetivo de instalação de creches nas comunidades que foram surgindo, desde a época do grande êxodo rural, em décadas passadas.
     Se ao longo desses anos muitos jovens não tiveram a oportunidade de ascensão social, credita-se às incursões oportunistas da municipalidade em obras de maquiagem e, assim mesmo, em período eleitoral.
     Mas a prefeitura do Rio não está só nessa responsabilidade social, pois a sociedade deixou de discutir mais essa mazela, e se fôssemos dimensionar a culpabilidade pelos menores carentes até o Juscelino Kubitschek teve culpa no cartório, por não ter incluído no seu Plano de Metas investimentos maciços em educação, numa época em que começava o inchaço das grandes cidades.
     E como os prefeitos do Rio não acompanharam esse crescimento, não temos a certeza de que essa nova investida de Eduardo Paes vai trazer o resultado que se espera.
     O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, que foi concebido para blindar nossos jovens de eventuais agressões e inépcia de administradores públicos, não é a garantia de que teremos uma geração com futuro brilhante.
     Apesar da incerteza, é bom saber que Eduardo Paes conseguiu colocar a sua pipa no alto, mesmo nessa paisagem arranhada.