Tem uma questão do tempo que passa bem despercebido das pessoas, no momento em que ficamos envolvidos e concentrados num outro elemento que o tempo também se encarrega de revelar, mas de uma forma mais explícita.
A gente vai envelhecendo e vai também absorvendo e adotando como modelo a ser seguido todo um conjunto de ações e recomendações que forjam o jeito de ser de cada um.
Cada vez que a gente olha para aquela pessoa que deu essa contribuição lá trás, a gente vislumbra essas pessoas com satisfação, com o coração pulsando num compasso diferente, porque elas são diferenciadas, sim. E a gente precisou delas por várias vezes. Estava sempre ali disponível pra qualquer resenha, para um ou tantos sufocos dos quais fossem necessários tirar.
Mesmo depois de cascudo, feliz de quem tem o seu guru de estimação pra mandar aquele esporro em forma de papo reto, aquele colo que a gente está sempre precisando, alguém pra falar que você está fazendo merda a metro, ou que a gente está mandando bem, tirando onda, essas coisas.
Pois é, gente, o tempo voa e essas pessoas vão sumindo de nossas vistas. Vão sobrando poucos recursos pra nós. Chega uma hora que não tem ninguém a quem recorrer mais. Meus pais se foram; meus tios, todos partiram; até aqueles velhinhos clientes que viraram amigos e conselheiros também meteram o pé.
E até normal se sentir meio que sem chão por alguns instantes, como que órfãos em várias circunstâncias da vida. A gente amava se ver em enrascada, porque o socorro logo vinha. O mundo não acabava com nossas tragédias, desamores, topadas e gripes. A expectativa era sempre de uma luz no fim do túnel.
Mas a luz não se apaga, nem dá tempo, porque a página vira, nêgo véio. Há uma mudança de rumo em curso no universo de cada um, uma mudança de status, porque viramos uma outra figura nesse mesmo cenário.
Com o tempo, fomos perdendo aquelas pessoas que eram nossas referências. Não há ninguém mais lá na frente. Ainda bem que aprendemos a voar, pois agora nós temos seguidores nessa outra parte da viagem.
Nós é que somos a referência agora de um monte de gente bronzeada, que vem atrás do que você tem a lhes dizer, a fazê-los chorar, se for preciso, porque eles querem ser disciplinados, adulados e amados o tempo todo, até se sentirem importantes no mundo real, não no virtual, obviamente.
À medida que vamos perdendo nossos ídolos de verdade, passamos a vestir capa e empunhar espada. Passamos a ser o colo de quem espera isso de nós, nos tornamos protetores de filhos, netos, sobrinhos, alunos e afins.
Apesar das lacunas que ficam pela ausência das pessoas, somos privilegiados pela mudança de papéis, por uma nova responsabilidade, por uma nova missão e desafio. Afinal de contas, chegou a nossa vez de contar histórias, pois há quem as ouçam.
Em todo esse caminho que ainda falta percorrer, essa é a segunda parte de viver intensamente.