Em tempos normais a questão do aborto dá sempre pano pra manga. Mas, ainda que a discussão ficasse num nível aceitável de polarização, num racha comum de ideias e posicionamento, havia sempre um cenário bizarro no que sempre foi proposto e prontamente combatido sobre a interrupção da gravidez em todos os seus elementos, seus fatores, circunstâncias e consequências.
Agora, quando a própria sociedade espera que o debate flua dentro da lógica da atual realidade, trazendo as respostas que ela sempre busca de soluções imediatas, eis que surge um representante do atraso, o retrocesso pelas vestes de quem se acha um legislador de fato, mas que emperra todo o processo no momento em que a questão exige austeridade, rigor e comprometimento para que as leis estejam sempre adequadas ao comportamento atual.
Se uma parte considerável de gravidez indesejada advém de uma forma de violência, que é o estupro, então a questão do aborto precisa estar inserida dentro das pautas que reivindicam penas igualmente extremas contra estupradores conjugados de acompanhamento, assistência e outros suportes dentro do que já é discutido à luz do feminicídio.
Dentro de um contexto histórico e cultural no Brasil, o aborto sempre foi praticado em todos os estratos sociais. Tem sempre uma clínica clandestina operando o procedimento, além de outros métodos arriscados utilizados para interromper gravidez, que isso não é novidade para ninguém. Se havia preconceito e cancelamento sobre quem praticava o aborto, em nenhum momento se sinalizava com soluções de violência, julgamento sumário e cerceamento de liberdade como estão propondo agora, tentando afrouxar a pena de estupro e ainda equiparar o aborto à homicídio.
E apesar de todo esse barulho e absurdo em torno da questão, nada vai mudar. Haverá sempre alguém procurando um lugar para interromper sua gestação, seja por não ter se protegido na relação, ou aquela que sofreu o estupro, a mais hedionda prática contra a dignidade humana, que pelo aumento cada vez maior de casos registrados, já deveria movimentar o legislativo para, aí sim, para tornar as penalizações pertinentes mais rigorosas.
Em vez disso, surge um estúpido fingindo ser legislador, trazendo consigo os desígnios e a moral da igreja para interferir mais uma vez na vida em sociedade, como já fazia a igreja católica antigamente impedindo os métodos anticoncepcionais.
Definitivamente, não é dentro de conceitos e princípios de quaisquer denominações religiosas que a questão do aborto deve ser discutida. O fundamentalismo das religiões foge da razão e com isso usa a violência como meio de defesa de seus ideais. A história da humanidade está cheia desses absurdos no passado.
Em meio à urgência do deputado Arthur Lira em ratificar esse maldito projeto, inclusive, algumas alas femininas da Igreja também se levantaram contra o projeto de lei. São mulheres que sofrem no seu dia a dia junto com a fé que professam e certamente vão gritar com a mesma estridência com que pregam seus versículos, engrossando o coro de uma grande batalha contra mais um absurdo.
Um barulho necessário e urgente para que o Brasil não se torne a filial de nações por ai, cujas leis permitem a violência contra as mulheres como prática cotidiana.
Não passará.