quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O RIO DE SEMPRE

   

      Além do balanço e da avaliação que certamente serão feitos depois de toda a repercussão da ação policial mais impactante de todos os tempos é questionar também o prosseguimento da agenda do aparelho de segurança do estado no combate à criminalidade.
    Primeiramente a avaliação não pode ser considerada positiva quando quatro agentes do estado foram mortos na operação, apesar de mais de cem suspeitos mortos e uma grande quantidade de armas apreendidas. Se houve baixa para o estado, é prejuízo para a sociedade também, por isso se descarta o sucesso da operação. Isso deve ser revisto para futuras movimentações das forças de segurança em confronto com a bandidagem.
     Mas, e agora? Qual a próxima etapa dessa operação? Porque não acabou ainda. No dia seguinte a cidade volta a sua rotina normal, mas a facção criminosa que sofreu esse revés tem estrutura suficiente para recompor suas fileiras. Já devem estar até encomendando novas armas e arrebanhando sua gente novamente, é assim sempre, não seria diferente agora.
    E o governo estadual sabe perfeitamente que é preciso novas incursões em outras frentes para abafar e aniquilar as ações da criminalidade em toda sua estrutura. Se ao longo de todo esse tempo de agonia da população as facções criminosas estão sempre batendo de frente com o aparelho do estado, e afligindo a população com sua truculência, é porque o estado ainda não conseguiu implementar um plano de segurança eficaz em toda sua plenitude.
     Se todos esses que morreram tentando intimidar e enfrentar a polícia são comprovadamente criminosos, a população vai, sim, comemorar, no momento em que inocentes finalmente e felizmente ficaram de fora da linha de fogo nessa operação. É o princípio básico da segurança pública a proteção da população.
    Agora, a próxima etapa dessa operação deve mirar efetivamente o outro grupo que compõe essa grande rede de poder paralelo: aqueles que municiam os criminosos com armas e drogas, e patrocinam de fato a atividade ilegal dessa gente nas comunidades. Seria muito inocente acreditar que a estrutura do poder paralelo se limitasse apenas nesse ambiente das favelas e pronto. Há outros personagens em outros pontos nesse círculo que precisam também ser aniquilados, senão, continua tudo a mesma coisa.
    E outro detalhe...a polícia vai levantar acampamento da favela ao final da operação, ou vai ficar por lá ocupando o espaço da bandidagem, não dando chance para outros criminosos assumirem seus postos?
    A questão da segurança pública tem uma dimensão muito maior do que essa espetacularização de imprensa e polarização inútil numa hora dessa.
     Forças Armadas nas fronteiras, corrupção do agente público, reformulação da legislação, politicas publicas nas comunidades entre outras ações são fatores que precisam se ajustar e se inserir em um plano de segurança verdadeiramente sério para trazer segurança e paz, tanto para o morro quanto para o asfalto.
    Se não for assim, segue o fluxo de sempre.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

MÃOS INVISÍVEIS

  


    Antigamente ela tremia só de ver a pessoas agoniadas, sem rumo. Hoje, já faz parte de sua rotina abraçar quantos ela puder. E a gente só sabe dessas coisas porque ela explana sua peregrinação, ela não esconde de ninguém a satisfação de dar conforto a quem precisa.
     É interessante como essa causa que ela abraça não atrapalha sua agenda de trabalho, lar, família, fora os contratempos, que 24 horas é pouco para um dia tão intenso na vida dessa gente ativa aos extremos.
    Mais surpreendente ainda é que a gente não vê sua nobre obra nas redes sociais, no momento em que há uma profusão de pessoas pegando os outros de surpresa pelas ruas para uma boa ação.
    É claro que não cabe fazer juízo de valor sobre a forma como cada um ajuda o próximo. Eu sempre acredito na conveniência das pessoas, posto que existe uma história por trás de qualquer ação do ser humano, existe sempre uma razão que passa ao largo do julgamento das pessoas.
    Eu comemoro quando o sujeito ganha uma motocicleta para trabalhar, o outro tem suas compras pagas por um estranho no supermercado, um catador tem seu dia recompensado pelo fardo, enfim, não faltam pessoas com a sorte de uma providência repentina.
    Mas não deixemos nunca de exaltar aquela mulher que carrega seu cajado invisível e as mãos calejadas de tanto afagar o próximo, o espírito sempre pronto para massagear o ego de um infeliz que atravessa o seu caminho, com o fôlego e energia para prosseguir como que sem destino, que em cada esquina tem uma alma com um vazio qualquer.
    Há um calendário diferente na vida de quem espera o tempo dos outros para suprir suas necessidades. É um universo de gente que não sabe a hora de comer, beber, dormir e sorrir, mas na calada do dia ou da noite surge o vulto dos benfeitores aplacando parte da miséria refletida na escuridão. Tal como fantasma ou anjo, são seres comuns subvertendo a ordem do submundo.
   Eu gosto desse silêncio que esconde um grande projeto, uma grande campanha sem ruído, mas que faz barulho. Da escuridão com luz intensa, do inferno sem demônios por perto. Na ação dessa gente invisível, na morte iminente, a vida é que reluz.
   É um verdadeiro exército de gente invisível, almas empenhadas em renovar o mundo e diminuir o fosso entre a penúria e a sorte. Quanto mais gente retirando as pedras do caminho de um desafortunado, melhor até para quem toma coragem de estender a mão também, porque, é essa fileira de bem-aventurados que desafoga a miséria e suas várias facetas espalhadas por aí.
   Que as ações dessa gente invisível e iluminada tenham cada vez mais a dimensão da escuridão em que elas transitam.

domingo, 19 de outubro de 2025

REVIGORANTE



    Que correria é essa por aí, minha gente? Não era assim antigamente. Tudo bem que o mundo está girando, as placas tectônicas batendo, todo mundo respirando ao mesmo tempo, uma loucura esse alvoroço todo.
     Num primeiro olhar parece até alguma coisa acontecendo lá fora quando a gente abre a janela para espiar o mundo ao nosso redor. Antes fosse. Para os nostálgicos bate até uma saudade daquele pega pra capar de antigamente.
    Só que o mundo que bomba hoje é esse universo louco que a tela do celular descerra para todo mundo que está fora de seu mundo real. Com isso, tanto o quintal quanto a janela mudam de lugar. Há uma outra perspectiva sobre o que podemos vislumbrar. O mundo virtual é o verdadeiro mundo das pessoas, é onde elas ficam mais tempo. Só sai de lá pra dormir e olhe lá.
    Não que a gente não precise se informar, se inteirar das coisas, acompanhar tendências e surfar em várias ondas, mas nessa velocidade toda, eu às vezes aperto a campainha de parar pra eu descer. Pois bem, já até fiquei com a sensação de ter passado do ponto muitas vezes. Eu confesso, fica difícil acompanhar esse ritmo todo, penso até que não tô dando conta, talvez não mesmo, vai vendo esse negócio.
    É que eu sinto a necessidade das coisas que eu fazia antes, que eu larguei um pouco só pra cair na gandaia do mundo virtual sem ter hora para voltar para casa, só porque o bagulho tá maneiro por aqui também. Era a desculpa que ia dar para quem perguntasse por que demorei, principalmente mamãe.
    Eu bem tenho motivos para comemorar a adaptação ao novo estilo de vida. A minha geração se saiu bem nesse rito de passagem, ficha de telefone, bola de gude, cartinha pra namorada, eita! Tudo bem, tem coisa que não dá mais, mas é saudável reviver velhos hábitos sem complexo de inferioridade a toda essa modernidade, sem sentir inveja de ninguém, pois nos meus áureos momentos de euforia eu ria muito das histórias do Zé Carioca, Professor Pardal, Bolota, Mickey e outros ídolos com status de influencer, tá pensando o quê?
    Estava fazendo palavras cruzadas, hábito que eu retomei, tentando encaixar o significado de revigorar em sete letras, quando lembrei do conceito de se renovar.
    Não são coisas que médicos recomendam, porque eles gostam muito de empurrar remédios ou essas resenhas de podcast, grupos de whatsapp, essas coisas. Somos nós que temos em mente que eram práticas prazerosas, com efeito positivo para a saúde mental.
    Mas também não posso me sentir um estranho fazendo palavras cruzadas, lendo um livro ou jogando Paciência com cartas de verdade, enquanto as veias abertas do mundo virtual pulsam freneticamente lá fora. Esse renascimento é uma filtragem de tudo que é oferecido na grande rede. É importante essa triagem, mesmo que tenhamos que voltar no tempo.
    O melhor nesse cenário é que temos opções para tudo que for revigorante em nossas vidas.