segunda-feira, 24 de novembro de 2025

E O DEVER DE CASA?



     Em uma de minhas passagens pelo túnel Santa Bárbara eu vi um rapaz atravessando uma das galerias de bicicleta e com aquela caixa às costas usadas para entregas, numa travessia proibida e bem arriscada pelo longo trajeto até a saída do outro lado.
     Antes mesmo de concluir o trajeto da galeria eu logo imputei a culpa à prefeitura, que a essa altura já deveria ter construído uma ciclovia naquela e em outras travessias pela cidade, lembrando que as ciclofaixas espalhadas pela cidade têm mais o caráter de lazer que o compromisso de viabilizar mais alternativas de mobilidade urbana numa cidade cheia de desafio como é o Rio de Janeiro.
     Agora, tanto a COP30, em Belém, quanto os outros encontros anteriores de pauta ambiental têm discutido a questão em escala global, com o documento final cheio de incertezas quanto ao futuro do planeta, e agora mais ainda bem divididos sobre se vão ou não ficar explorando petróleo, carvão, como forma de gerar combustível, energia, essas coisas.
     Mas paralelo aos compromissos acertados nesses eventos, certamente muitas cidades já saíram na frente e implementaram práticas ligadas diretamente à questão ambiental, num conjunto de ações pertinentes à realidade, cultura e geografia de cada região. É uma agenda isolada dos protocolos produzidos nos fóruns, mas que faz parte da mesma tendência de tornar mais moderna, funcional e sustentável a vida de uma grande metrópole.
     Já foi sugerido em várias reuniões que cabe às prefeituras a iniciativa das ações ligadas à causa ambiental, independente dos acordos dos encontros.
     Aqui no Rio, a gente anda pela cidade e vê cada vez mais as pessoas usando bicicletas de todos os formatos em seus deslocamentos sem nenhum ordenamento que atenda a essa nova tendência. Já deveria ter faixas exclusivas nas principais vias da cidades para atender um grande público que faz uso do meio para trabalhar, não para apenas respirar o ar da rua.
     Além do mais o Rio de Janeiro ainda peca muito em outros quesitos. Além dos modais de transporte bem precários, o carioca ainda convive com lixo pelas ruas e esgoto a céu aberto em várias regiões. Quando chove forte por aqui, a cidade praticamente para. Ou seja, quem vive por aqui vê que o Rio de Janeiro ainda não se enquadra nas condições de uma cidade moderna em todos os sentidos.
       De todas as intervenções urbanas que a prefeitura executa, nenhuma muda o cenário de abandono que a população sofre e acompanha todos o dias.
    É importante fazer esse relato em paralelo ao que está sendo acertado na COP30 para escancarar a realidade de muitas cidades que não fazem o dever de casa.
     E o Rio de Janeiro não é diferente.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

NOS BAILES DA VIDA

    

     Você pega o trem azul e o sol na cabeça. É a rotina normal de quem chacoalha num trem da Central. Há quem reconheça nosso esforço diário de luta, lembrando que a massa que faz o pão vale a luz do seu suor.
     O grande barato da poesia é a proeza do poeta em tornar mais lírica e bela a vida das pessoas. O que seria de nós não fossem os poetas tão empenhados e dedicados a retratar da forma mais sublime e reluzente a rua onde a gente mora, a máquina que a gente impulsiona, os conflitos que a gente engole a seco, as tempestades que nos abraça.
    Eu fico cantarolando as toadas do Lô Borges, que deixou rastros de beleza espalhados por onde andou, e agora também um punhado de tristeza entre nós, e bate aquela saudade dos tempos em que havia poetas em cada esquina, aos montes até virar um clube.
    Se cheguei a reclamar do meu fardo algum dia, foi mal. É que às vezes eu até esquecia que tinha um fundo musical na vida que a gente levava, de tanta gente cantando com poesia tudo que eu imaginava fazer naquela época. Não é pra me gabar, não, mas, minha geração é privilegiada.
    Já vai longe quando ouvi “Travessia” pela primeira vez, só descobrindo muito tempo depois a revolução que isso causou. Até hoje eu me vejo cantarolando que meu caminho é de pedra, de tanto o Bituca invadir minha mente.
    Foi minha primeira imersão na música de fato. Milton Nascimento foi o carro-chefe de todo o repertório que se criou no meu círculo de crescimento e evolução junto com matemática, história, química e biologia, até que apareceu Elis Regina no meu dial junto com Gilberto Gil, Caetano, Gal, Rita Lee, além do Beto Guedes, 14 Bis e Flávio Venturini. Essa turma era a playlist do nosso baile. Sim, minha geração curtia baile de MPB, sim, senhor. O meu era na matinê do Olaria, tirava onda.
    Mas, na década de 80 surgiram umas figuras que até hoje habitam o meu imaginário. Do mesmo pé que brotou a nata da MPB nasceu o Djavan, o Guilherme Arantes e a Marina Lima. Esse trio bagunçou o meu coreto de vez. Era como se minha juventude tivesse um LP só com trilhas sonoras das minhas crises de identidade, meus complexos, das minhas descobertas, meus amores e paixões, tudo junto, misturado e divididos em lado A e lado B. Tenho comigo até hoje as lembranças do que eu era.
     Agora, fica a tristeza de ver essa turma partindo antes do tempo, porque ainda dava para produzir mais, eles nunca param. Era bacana vê-los trabalhando com artistas da nova geração, ampliando ainda mais a influência musical de mais e mais gerações de novos músicos com novos públicos, diversificando a música popular brasileira para que ela projete nas novas gerações a mesma satisfação que a gente teve nos bailes da vida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

OS POTES SEM TAMPA



     É muito comum a gente fazer associação de algum fato do cotidiano com a natureza humana. Há sempre alguma coisa acontecendo por aí, que muitas vezes a gente até estende para o nosso universo. E não é que nisso achamos respostas e tiramos algumas conclusões!
     Arrumar armário de cozinha é como aquelas limpas que a gente está sempre fazendo nas gavetas também, eliminando coisas que estão naquele espaço há tanto tempo não se sabe por quê.
    No caso do armário, são os potes que você procura pra guardar alguma coisa, mas que tem de ter tampa, seja a prenda para aquela visita que merece o mimo, a marmita pra fugir do Fast-food, enfim, são mil e uma utilidades. Os potes de repente já até superaram o Bombril em matéria de funcionalidade, lembra da propaganda?
    Eles já se tornaram tão importantes na vida das pessoas que tem gente que vai acumulando potes de vários tamanhos. Um para cada situação diferente pra não pegar ninguém desprevenido, tá pensando o quê? Para quem gosta de reutilizar potes nesses tempos de consciência ecológica, tudo bem guardar o pote de manteiga, pote de sorvete, eu não curto, só abro uma exceção para o pote do Spoleto, que é um luxo, de grife, mas tem de ter tampa.
   E os potes têm suas tampas específicas, no tamanho certo, não cabem em outros potes, que não cabem em outras tampas, enfim.
    E é aí que mora o problema. Justo o pote que você precisa, cadê a tampa? Então, você se dá conta de potes sem tampa, ou de tampas sem pote, olha a confusão. Naquele mosaico que se forma a sua frente, feito aquelas peças de quebra-cabeça, a gente imagina e questiona a utilidade de um pote sem tampa. O que dá pra fazer com um pote sem tampa? Eu particularmente não encontrei resposta convincente.
    Parece que a cabeça vai fervilhando nessa brincadeira de encaixar as coisas, que uma passagem qualquer de nossas vidas vem à tona de repente, as situações conflitantes, as crises, as incertezas e, claro, as pessoas que hoje só povoam sua mente, mas que num passado recente ou que vai longe esteve presente em seu espaço, respirando seu ar, quem nunca?
    Num círculo qualquer de sua vida, seja num relacionamento, ambiente de trabalho, vizinho, parentes, enfim, já deve ter tido alguém assim sem utilidades, pessoas que não serviram pra nada na vida de alguém, não acrescentaram nada em seu currículo, são pessoas como um pote sem tampa.
     Como aqueles potes sem tampa que você conservou por muito tempo e resolveu descartar por não ter utilidade alguma, quem já não deve ter insistido em conservar alguém por perto, ali, pele a pele, achando que ainda pudesse servir para conservar seus sonhos, propósitos de vida, guardar dentro a alegria de uma vida plena e saudável?
    Os potes sem tampa não conservam o frescor, a fragrância, o sabor, a essência do que se pretende guardar ou carregar consigo. Algumas pessoas são assim na vida de alguém em algum lugar, sem utilidade alguma. Então, por que guardar por tanto tempo esse negócio?
    Pois bem, quando você finalmente resolver descartar aquele pote sem tampa, olha o espaço que vai sobrar na sua vida, quer dizer, no seu armário.