Você pega o trem azul e o sol na cabeça. É a rotina normal de quem chacoalha num trem da Central. Há quem reconheça nosso esforço diário de luta, lembrando que a massa que faz o pão vale a luz do seu suor.
O grande barato da poesia é a proeza do poeta em tornar mais lírica e bela a vida das pessoas. O que seria de nós não fossem os poetas tão empenhados e dedicados a retratar da forma mais sublime e reluzente a rua onde a gente mora, a máquina que a gente impulsiona, os conflitos que a gente engole a seco, as tempestades que nos abraça.
Eu fico cantarolando as toadas do Lô Borges, que deixou rastros de beleza espalhados por onde andou, e agora também um punhado de tristeza entre nós, e bate aquela saudade dos tempos em que havia poetas em cada esquina, aos montes até virar um clube.
Se cheguei a reclamar do meu fardo algum dia, foi mal. É que às vezes eu até esquecia que tinha um fundo musical na vida que a gente levava, de tanta gente cantando com poesia tudo que eu imaginava fazer naquela época. Não é pra me gabar, não, mas, minha geração é privilegiada.
Já vai longe quando ouvi “Travessia” pela primeira vez, só descobrindo muito tempo depois a revolução que isso causou. Até hoje eu me vejo cantarolando que meu caminho é de pedra, de tanto o Bituca invadir minha mente.
Foi minha primeira imersão na música de fato. Milton Nascimento foi o carro-chefe de todo o repertório que se criou no meu círculo de crescimento e evolução junto com matemática, história, química e biologia, até que apareceu Elis Regina no meu dial junto com Gilberto Gil, Caetano, Gal, Rita Lee, além do Beto Guedes, 14 Bis e Flávio Venturini. Essa turma era a playlist do nosso baile. Sim, minha geração curtia baile de MPB, sim, senhor. O meu era na matinê do Olaria, tirava onda.
Mas, na década de 80 surgiram umas figuras que até hoje habitam o meu imaginário. Do mesmo pé que brotou a nata da MPB nasceu o Djavan, o Guilherme Arantes e a Marina Lima. Esse trio bagunçou o meu coreto de vez. Era como se minha juventude tivesse um LP só com trilhas sonoras das minhas crises de identidade, meus complexos, das minhas descobertas, meus amores e paixões, tudo junto, misturado e divididos em lado A e lado B. Tenho comigo até hoje as lembranças do que eu era.
Agora, fica a tristeza de ver essa turma partindo antes do tempo, porque ainda dava para produzir mais, eles nunca param. Era bacana vê-los trabalhando com artistas da nova geração, ampliando ainda mais a influência musical de mais e mais gerações de novos músicos com novos públicos, diversificando a música popular brasileira para que ela projete nas novas gerações a mesma satisfação que a gente teve nos bailes da vida.

Nenhum comentário:
Postar um comentário