segunda-feira, 22 de maio de 2023

O ESCOLHIDO


  Se tem um ambiente em que jamais deveria acontecer esses episódios de racismo é na seara do esporte, incluindo o futebol, claro, naquele velha máxima de que o esporte congrega valores, a tolerância, o respeito, blá blá blá blá.
   É tipo uma cartilha de recomendações, mas quando a bola rola é outra história, e a convivência...bom, a convivência já passa a ser uma questão extremamente relativa, porque o sujeito que vai torcer, veste camisa e tal, é uma pessoa normal com seu fardo, sua cultura, sua formação, índole, influência, enfim, ele não deixa de ser o que é por estar ali, numa arquibancada. Vai haver um momento em que ele vai mostrar uma de suas facetas.
     A gente pode até estender o fenômeno do globalismo para o mundo do futebol para reforçar ainda mais o quão estúpida é essa gente que brada palavras ofensivas aos boleiros negros nos campos mundo afora, porque o futebol tem fronteiras diferentes, tem um mapa diferente. As principais seleções e clubes do mundo são multinacionais, mas isso apenas torna as equipes mais competitivas, não influi no comportamento do público.
    No momento o caso que mais repercute é o que envolve e atinge o Vinícius Júnior, do Real Madri, mas quem acompanha futebol sabe que esses eventos rolam em varias praças do futebol por aí.
   Vamos combinar que no caso do brasileiro ele só é atacado pela torcida rival porque é craque, é fora de série e incomoda o oponente, ele está em evidência, é o escolhido da vez, mas se lá na frente ele estiver num inferno astral e perder um pênalti ou qualquer outra jogada bisonha que cause revés ao Real Madri, a própria torcida vai hostilizá-lo como forma de repúdio, de protesto, porque o ódio brota assim nessas circunstâncias de contrariedade, e no futebol não é diferente.
    Agora, cabe à FIFA tomar medidas concretas junto com as federações e os clubes para interditar, tirar do cenário do futebol uma gama de gente que revela nas arquibancadas o que ele já é em outras circunstâncias da vida, no ambiente de trabalho, em família, na vizinha, na sua vida cotidiana.
   A indignação que a gente demonstra em defesa dos boleiros discriminados é a mesma que todo mundo já acompanha aqui fora das quatro linhas, onde tem sempre um porteiro, um entregador, um cliente de mercado, um passageiro ou qualquer outro personagem negro da nossa história perambulando pela cidade, respirando por ai, sofrendo na e pela pele o preconceito e o ódio em larga escala.
   Tão logo viralizou o caso do craque brasileiro, eu vi nas redes sociais, em meio aos manifestos de apoio ao jogador alguém cornetando a saída do jogador da Espanha para outra praça. Ora, isso não muda nada, vai ter sempre uma horda de gente incomodada com a presença, com a arte e o talento do Vini Júnior, que em qualquer gramado que ele pisar vai ecoar das arquibancadas insultos em forma de canto de torcida.
    E no idioma que for a tradução será sempre a mesma: estupidez.


sexta-feira, 12 de maio de 2023

A BALANÇA E O MARTELO

  

    Um indivíduo mata sua companheira e ao longo do processo descobre-se que o criminoso já havia sido condenado por assassinar outra mulher num tempo não muito distante de agora.
   Um outro marginal ainda com tornozeleira eletrônica, em razão de um benefício constante na lei, repete a dose e estupra mais uma mulher em outra cidade.
   Seria uma lista interminável de casos que revelam o lado mais bizarro da lei, o conjunto dos vários parágrafos, incisos e todos os entendimentos possíveis para que tudo que for verdadeiramente considerado e levado ao pé da letra se torne legitimamente inofensivo a quem quer que venha subverter a convivência humana.
    Não deixa de ser um avanço todas as medidas tomadas para minimizar os efeitos da violência contra as mulheres. As medidas protetivas, as denúncias, a pressão da sociedade, a luta incessante das mulheres que se destacam no meio político, as parlamentares, e todos aqueles que como eu levantam essa bandeira pela causa que mais preocupa a sociedade.
    Mas é pouco para uma questão que vem tomando proporções alarmantes e a gente não precisa esperar mais um caso de grande repercussão para aumentar o volume da fala. Há hoje um espaço considerável nas principais mídias tratando desse assunto. Há um tempo maior dedicado ao problema. Há mais casos ocorrendo próximo das pessoas. Não é mais um fato isolado. Todo mundo hoje sabe que o vizinho, alguém da família, o cara da repartição, da pelada, do bar, enfim, tem sempre um espancador de mulheres perto de alguém, convivendo ali, no cotidiano.
    A pergunta que a gente faz hoje é o que mudou nas estatísticas de casos registrados com todas essas ações de combate ao feminicídio. Há um avanço nas denúncias, é verdade. As mulheres estão cada vez mais estimuladas e encorajadas a procurar ajuda e proteção. Há mais canais para denúncia, isso é crucial, é a ferramenta mais importante de todo o processo.
    Mas são processos que se arrastam dentro de uma legislação que trata do assunto completamente tímida, lenta, e o que é pior, sem o rigor que a questão sugere. O cara destrói uma família com sequelas quase que irreversíveis, mas sai ileso, pois o processo tramita na justiça comum, cheia de benefícios, cheia de vícios de entendimentos, de interpretação das letras, a carteirinha de maluco, as cestas básicas para pagar o grande mal que o réu primário causou na sociedade, um absurdo total.
   Todas as frentes já foram formadas para esclarecer, informar, orientar e enquadrar esse bando de delinquentes circulando por aí. O próximo passo agora é alterar os artigos e incisos que tratam do assunto para que haja uma punição exemplar, o martelo mais pesado da lei. É a parte que tem efetivamente que acompanhar o comportamento da sociedade, se adequar aos novos tempos.
   É a lei que dá conforto, dá proteção, traz reparações, mas ela deve também criar exemplos na serem seguidos na sociedade através do seu aparelho jurídico, sem anistia, sem passar a mão na cabeça de ninguém. Há que se criar um tribunal específico para a causa. A relevância e a urgência da questão sugere esse ambiente isolado para tratar do assunto com a seriedade e a celeridade que o tema necessita. É um caso urgente que pode e deve durar a fila de prioridades, já que resvala em toda a sociedade.
   Para isso, é preciso um grande movimento na Câmara dos Deputados para fazer as alterações devidas no Código Penal. Do jeito que estão as coisas os delinquentes são cada vez mais reincidentes. Mas, por que? Porque ele não é punido convenientemente. Na maioria da vezes ele é submetido a medidas cautelares, enfim, uma brecha na legislação que permite esse cenário, e esses criminosos voltando a atormentar a vida das mulheres.
   Que possamos sempre reforçar os discursos, as bandeiras, as políticas públicas e toda forma de orientação, mas é necessário que as leis sejam rigorosas o suficiente para que espancadores de toda ordem fiquem isolados do convívio social, sem quaisquer benefícios que permitam reincidências e, consequentemente, o aumento dos números cada vez mais escabrosos do feminicídio no Brasil.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

MANIA DE VOCÊ

         

   Parece que foi ontem as meninas sentadas na porta da Escola Plínio Casado, em Brás de Pina, esperando a hora de entrar, e embaladas numa só voz, “a gente faz amor por telepatia”.
   Eram os primórdios da década de oitenta, minha geração debutando nas resenhas, nos bailes, nas praças...sim, a gente trocava ideia e namorava nas praças, tá pensando o quê? Mas não eram essas praças de hoje. Nossas praças tinham mais poesia, era outro patamar, tá ligado?
  Claro que havia outros motivos para povoar a mente fora do circuito escolar, porque jovem é foda sempre. Tudo e em qualquer lugar a mente absorvia as coisas que estavam na época de poluir a mente.
   Mas “Mania de Você“ foi o nosso turbilhão. Aquele hit chiclete, o carro-chefe da Rita Lee que ajudava a fervilhar nossas mentes cheias de pudores e perigos. Era tipo um mantra.
   Imagina, a gente ouvia “meu bem você me dá água na boca“, era um chamamento, aquilo construía várias paradas na cabeça, quem nunca? A ideia era não fazer nada só pra deitar e rolar com alguém.
   Ah, que sorte a nossa geração teve de aprender as preliminares assim, cantadas em prosa e verso e a Rita Lee embalando nossos sonhos e aspirações, tudo junto e misturado, vestindo fantasia e tirando a roupa, tudo ao mesmo tempo, com poesia e papo reto numa vibe só. A gente tirava onda duro e ainda tirava nota boa na prova.
   Eu penso como um privilégio tudo que a Rita Lee produziu e serviu como nossa trilha sonora, porque dificilmente alguém da minha geração não teve uma situação, uma grande viagem, um amor, uma parada louca, um conflito, um rolo qualquer na agenda que não tivesse, se não “Mania de Você “, mas qualquer outra balada da Rita Lee que não tenha servido de trilha sonora de uma treta qualquer, pois, a gente também era feito de carne e osso, claro.
   Agradecemos à Rita Lee pela moral, pela arte de embalar nossa juventude, por ilustrar nossas mentes e corações
   Para sorte de um grande público e da própria MBP, Rita Lee era rebelde e transgressora o suficiente para alçar altos voos até se tornar um imenso arquivo da música brasileira. O rock nacional credita à Rita Lee o pioneirismo do movimento, que as grandes bandas que surgiram depois reconhecem e sempre lhe renderão homenagens pela referência, pelo talento.
   Para nós do ginásio daquela época, de tanto a gente se beijar e imaginar loucuras, nós aprendemos a cultivar essa lembrança, essa mania de Rita Lee.