quinta-feira, 29 de maio de 2014

Bola pra frente

   Agora, não tem jeito. O Brasil entrou de vez no clima da Copa do Mundo. A expectativa pelo sucesso da seleção brasileira já mexe com a cabeça das pessoas no cotidiano normal, mesmo com todo o reboliço que tomou conta do país com todo esse processo de preparação para o evento.
   Se tinha alguma coisa que pudesse impedir a realização da competição aqui no Brasil, isso tinha de ser feito quando o Brasil foi escolhido como sede. Agora, não adianta, a nêga está la dentro.
   Para muitas gerações, acompanhar os jogos em nosso território é algo inédito, principalmente os jovens, pelas oportunidades no campo profissional, mesmo que em caráter temporário.
   Talvez esse seja o grande diferencial em meio às outras edições. Mesmo para quem acompanhou a disputa de 1950, há uma enorme distância, não só no tempo, mas também na atmosfera que o país respira hoje.
   Todas as manifestações de indignação da população brasileira com relação aos principais serviços públicos demonstra, ao mesmo tempo, o amadurecimento dos brasileiros para questões relevantes para a nação, como também a liberdade para os protestos em todo o país, fruto de garantias conquistadas no processo democrático que se inaugurou um tempo depois da construção do Maracanã.
   Há , no entanto, algumas arestas a serem aparadas, mas não será durante o Mundial que isso será resolvido, com greves inoportunas, depredações e outros distúrbios que possam tirar o brilho de uma grande festa no Brasil, para onde estarão apontados todos os holofotes do mundo.
   Se a seleção brasileira vai lograr êxito na competição, não se sabe, é uma outra história. Só não pode isso servir de parâmetro para futuras manifestações que se repetirão, principalmente em caso de fiasco do time de Felipão.
  A maior prova de maturidade que a sociedade pode demonstrar numa hora dessa é justamente saber fazer essa separação do joio e do trigo, numa época em que o torcedor-eleitor apenas separa o discurso da prática.
   Logo depois da Copa do Mundo, teremos outro evento de suma importância para o Brasil, as eleições, o que nos dará a chance de reverter todo esse quadro de precariedade na realidade brasileira, que pode perfeitamente se alterar positivamente, independente de haver ou não qualquer evento esportivo que deixe em ebulição os sonhos e aspirações da população brasileira.
   De qualquer forma, foi uma grande lição para os brasileiros, sobretudo para o poder público, há muito se valendo do ópio do povo para se debruçar em promessas vãs.
   Agora, é bola pra frente. 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A razão cega e simples

   No âmbito da atual conjuntura de intolerância que se verifica nos diversos círculos de convivência humana, a complexidade de se firmar um debate profundo ou diálogo sequer como forma de se compreender tamanho destempero às facetas alheias vai tomando a mesma dimensão das outras tragédias humanas, à medida em que essa não aceitação ao outro transita também nos meios, onde os mecanismos disponíveis têm o propósito justamente de neutralizar essas aberrações.
   Não é novidade que uma autoridade judiciária tenha dificuldades para decifrar o que pode ou não ser depreciativo. O que é grave é fazer juízo de valor sobre uma realidade, sobre algo já fundamentado, como são a cultura e as religiões afrodescendentes.
   Não deixa de ser paradoxal que a razão se sobreponha à fé no momento em que esta também tenha influência na vida das pessoas, independente do conceito e dogmas que cada um abraça, quando o estado de direito ainda hesita em fazer reparações imediatas, ainda mais quando a justiça contribui para desconstruir o que é histórico.
   Negar o status da Umbanda e do Candomblé como religiões só reafirma o retrocesso da instituição, apesar do recuo do infeliz magistrado.
   O próprio conceito de sincretismo religioso, tão forte em terra brasilis, torna sem efeito qualquer argumentação em prol desse disparate.
   Pierre Verger, o maior estudioso da cultura africana, na qual se incluem as manifestações religiosas daquele continente, deu com seus estudos realizados no século passado a maior contribuição para que a sociedade brasileira convivesse harmonicamente com sua diversidade de crenças.
   Quando o mundo todo faz menção às três religiões monoteístas do Ocidente, automaticamente se cria uma lacuna enorme nas convenções globais, ao relegar ao ostracismo todos os costumes, todos os registros históricos, que apesar do período nebuloso do colonialismo imposto à África, não se apagaram no auge das grandes navegações dos negreiros.
   Hoje, surpreende que os homens das leis, acadêmicos, catedráticos, inseridos na antropologia cultural dos tempos de formação acadêmica não tenham incorporado em seus nobres conceitos a magnitude da miscigenação do povo brasileiro.
   No futebol, na música, na dança, não é difícil encontrar elementos da cultura africana que invadiu o Brasil pelo cais do Valongo. A ginga do drible, os cânticos do samba-enredo, o compasso do funk, tudo remonta aos atabaques, tanto das tribos, das lajes e do fundo de quintal. Um ethos já impregnado no Brasil.
  Os representantes das outras religiões, que saíram em defesa da Umbanda e do Candomblé, lembraram do mesmo ideal de fé, em que todas estão ungidas. 
   Sendo assim, é inconcebível que a razão se inaugure assim tão cega e simples, contribuindo para a perpetuação do eurocentrismo.
     

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Transportes na berlinda

   Na primeira oportunidade que o poder público teve de trazer à tona, à luz da sociedade todo o organograma do serviço de ônibus na cidade do Rio de Janeiro, a população se frustrou com a derrocada da CPI dos Ônibus na Câmara dos Vereadores, onde os aliados do prefeito referendaram a força política do chefe do executivo municipal para evitar a exposição de informações que só uma Comissão Parlamentar poderia buscar, com vistas ao interesse público.
   Com essa recente paralisação de cunho eminentemente político, mais uma vez fica às claras a maneira como o poder público trata a execução dos principais serviços públicos, na qual se inclui os transportes coletivos, já há muito saturado, justamente pela ausência de política pública para o setor, com base no crescimento de uma grande metrópole.
   Se as outras correntes políticas não conseguiram tomar partido das últimas manifestações, não seria pela via setorial, se infiltrando em sindicatos que as demais representações fora do jogo político poderiam contribuir para a excelência do serviço de ônibus na cidade do Rio.
   Mesmo porque, os outros modais de transportes coletivos, trens, metrô e barcas também pecam pela precariedade, o que implica um amplo debate para traçar diretrizes que abarquem todo o conjunto, com a participação, inclusive, da esfera estadual, considerando a emergência de novos projetos no âmbito da região metropolitana, cujas cidades estão interligadas pelos meios de transportes em questão.
   Sem qualquer alusão à eventos esportivos que ponham em ebulição a vida da cidade, tanto o prefeito Eduardo Paes quanto o governador Luiz Fernando Pezão devem esse legado à população como um todo.
   Se havia a expectativa  de grandes feitos pela total integração entre as duas esferas políticas, a responsabilidade do poder público aumenta, mesmo que não houvesse tantas promessas, apenas pela necessidade de trazer o bem-estar aos cidadãos, como sugere a prerrogativa do cargo que exercem.
   A continuar essas incertezas, cabe à população dar uma resposta imediata nas ruas e nas urnas.