domingo, 15 de outubro de 2023

SAUDADES DA TIA WANDA



   De todas as coisas que eu aprendi com a tia Wanda, o melhor foi o conceito de compreensão e amor.
   Tabuada, caligrafia, pesquisa na biblioteca, ditado, cabeçalho até chegar à equação de segundo grau foram, sim, importantes para eu ser alguém na vida.
   Mas, outro dia deu um branco na mente, esqueci quanto era oito vezes sete, ai eu perguntei para a Alexa, tá tranquilo. Hoje, o mais importante é saber pesquisar no Google e ter uma letra razoavelmente legível pra não sofrer bullying, tá ligado?
   Equação de segundo grau, então... até hoje eu não sei pra que serve. Também, pudera...eu fiz humanas, não precisei me aprofundar nesse negócio. Mas, ditado...bom, ditado foi fundamental pra eu ter um blog no futuro.
   No mais, a gente até tinha alguma dificuldade em assimilar certas questões, mas a tia Wanda facilitava tudo pra nós com aquela paciência que eu...na moral, eu não teria diante de tanta mente que bugava e a professora tendo de configurar uma por uma, de carteira em carteira com toda a calma do mundo.
   Não é possível, ela devia tomar alguma coisa pra relaxar quando chegasse em casa, um Fogo Paulista, sei lá, acho que sim, era o energético daquela época.
   A única coisa que realmente tirava a tia Wanda do sério era o falatório em sala enquanto ela explicava. Ela prendia a língua entre os dentes para demonstrar raiva e, claro, plantar o terror, mas era por uma causa nobre, e todo aquele destempero se transformava em amor rapidamente.
   Ela era bonita, elegante. Não perdia a linha de jeito nenhum. Se tivesse algum aluno, talvez até eu mesmo, que ela quisesse esganar pela falta de empenho ou baixo repertório mesmo, ela se mantinha alí, ó, no salto, na disciplina, sem sair da graça de forma alguma. Acredito que até nisso ela fez escola.
   A tia Wanda questionava a dúvida do aluno fazendo um afago no rosto ou na cabeça do moleque na maior demonstração de carinho de que se tem notícia. Hoje, ela certamente chamaria o garoto no zap quando chegasse em casa para concluir a explicação, porque os professores são assim, os únicos que trabalham fora de seu local de trabalho. Eles almoçam corrigindo prova. Afinal de contas, foram os professores que inventaram esse negócio de home-office, entende.
    Ao longo da vida ou da carreira, como queiram, a tia Wanda certamente trincou os dentes muitas vezes no ano letivo, mas, com certeza, foi amada na mesma proporção.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

CADÊ AS PIPAS DE GAZA?



  “Bola ou búlica?”. Como se fala em outra língua? “Pipa no alto não tem letreiro” tem tradução literal?
    Em tempos normais estaríamos celebrando o dia dedicado às crianças. Esse dia em que a gente olha para nossas crianças, nossos filhos, sobrinhos, netos e muitos desses pequenos seres próximos de nós e a gente faz aquela viagem fantástica pelo tempo já vivido.
   Em tempos normais a gente se transportaria para quando éramos crianças para se renovar, eu sempre acreditei nisso, até hoje eu faço isso.
   Mas não dá agora, pelo menos hoje e em mais alguns dias, mais alguns meses, sei lá, porque a guerra interrompeu a brincadeira. Sim, é claro que a gente vai lembrar das crianças de qualquer quadrante do planeta. Qualquer lugar onde haja uma criança sendo criança. Qualquer lugar onde os sonhos não são interrompidos e nenhum moleque muda de fase fora do tempo.
   A gente fica aqui bem distante de toda aquela confusão, de toda aquela barbárie e lembra quantas brincadeiras nossas ficaram no currículo de qualquer gente grande. Dá até vontade de procurar onde tem um pião à venda, um saco de gude. Pipa, então...nossa!! Eu acho que na minha época a camada de ozônio era formada de pipa, mas deixa pra lá.
   Infelizmente, a gente se transporta para os céus de Gaza e arredores, clamando o fim do conflito que parece não ter fim e vai com certeza interferir no futuro de mais e mais gerações, enquanto durar essa implicância. Tem criança ali que nem sabe o que é Hamas, o que é Intifada. Tem criança ali que ainda não entende por que não pode brincar com o garoto que veste aquela roupa diferente, que reza de outro jeito.
   Mesmo assim as crianças brincam quando sobram espaço e oportunidade; mesmo sabendo que de repente o bicho pega e a brincadeira acaba antes de a bola cair na búlica; mesmo sabendo que a pelada de hoje pode ser cancelada por motivo de força maior em toda a extensão da palavra. O céu agora não tem pipas, só foguetes.
   Seria muito tortuoso e humilhante para as crianças daquela faixa de terreno ficar detalhando como se enquadram os escombros no cenário de milhares de crianças agora com o playground transformado em campo de batalha, de terrorismo, de angústia e medo. Ainda assim é triste imaginar como ficou o campinho de terra batida cheio de prédios amontoados e desmontados.
   Já sabemos que Gaza já é uma terra arrasada, mas é possível imaginar que as crianças voltarão para brincar e encontrarão a pracinha toda retorcida e cheia de entulho. 1, 2, 3, Salim, aí atrás da pilastra...! Criança se reinventa e retoca uma paisagem cinzenta e fúnebre num visual lírico. Criança recicla e refaz o castelo de areia. Criança inventa moda toda vez que precisar. Nós é que achamos bizarro, não tem graça alguma essa brincadeira, mas, vai fazer o quê?
    O pior da guerra é não livrar as crianças. É o primeiro sinal de que o futuro do mundo está comprometido quando as crianças recolhem suas pipas para os foguetes passarem.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

A FAIXA DE PÓLVORA



   Tão triste quanto ver as imagens de devastação e perdas de vidas humanas de ambos os lados desse conflito entre Israel e a Palestina é o racha que isso causa na sociedade em geral.
   Tenho visto nas redes sociais as pessoas condenando as ações de um lado só dá guerra, ou seja, neguim torcendo para um em detrimento do outro. Os dois lados estão guerreando, matando e morrendo ao mesmo tempo. Os dois lados praticando as mesmas atrocidades de seu oponente.
   Há vidas ceifadas nos dois lados, famílias destroçadas, pessoas completamente vulneráveis, sem armas nas mãos, gente que nem estão jogando pedra em ninguém.
  Para todos os povos e nações que estão diretamente envolvidos no conflito, a questão ideológica, política e até tecnológica vem há muito tempo protelando essa animosidade.
   Uma questão que se arrasta, mas que teve também quem mediasse por várias vezes um diálogo entre as duas partes.
   Infelizmente ao longo desse tempo que a gente já conhece do conflito, lá no meio daquela gente, tanto de um lado quanto do outro, teve muito mais quem não aceitasse um eventual acordo de paz. São pessoas presas a conceitos e princípios religiosos e políticos, que por suas posições “precisam” matar por uma causa.
  Mas, houve quem corresse por fora nesse processo. Yasser Arafat, por exemplo, lutava pela causa palestina, era aberto ao dialogo, mas sofria retaliações da ala mais radical de seu povo. Assim como Yitzhak Rabin, que sempre esteve inclinado ao processo de paz entre Israel e a Palestina e foi morto por um extremista de sua própria pátria quando participava de um evento que reivindicava justamente a paz, é mole um negócio desse? Junto com Shimon Perez, Arafat e Rabin ganharam o Nobel da Paz em 1994 por toda a contribuição à paz na região.
   Hoje, a contenda continua e não há sinais de um lado ou de outro de alguém disposto a retomar um processo de paz, o que indica mais um tempo de distúrbios naquela região. E as pessoas que vão escapando das bombas, das rajadas renascem dos escombros, mesmo com feridas e chorando seus mortos.
   E por incrível que pareça, a vida continua naquele lugar. Pessoas que só sofrem, mas não pegam em armas. Gente que querem distância de seus inimigos, mas não procuram ninguém para atirar pedras ou insultos. Gente que convive muito bem com as diferenças, pode acreditar.
   Pois é, quando muitos pensam que há ali um separatismo geral e irrestrito, enganam-se. Há registros de relação conjugal entre israelenses e palestinos, grandes paixões, amizades fortes entre os jovens de ambos os lados, que passam ao largo de toda essa rusga histórica. Definitivamente, a Faixa de Gaza e o resto do território de Israel não são de todo um barril de pólvora.
   Afinal de contas, a Cabala, o Alcorão não são manuais de instruções para discórdia e ódio. Assim com a gente vê por aqui as pessoas botando pilha e acirrando os ânimos, por lá tem mais ainda gente com a faca nos dentes e nos storys, mas tem, com certeza, outra parcela interpretando de seus dogmas os versículos que pregam a melhor convivência entre as pessoas.

sábado, 7 de outubro de 2023

ATÉ QUANDO?



  O caso dos médicos atacados e confundidos na Barra da Tijuca só mostra a dimensão da área de risco na cidade do Rio de Janeiro. Porque não tem como achar que em toda essa efervescência e magnitude do Rio há um lugares específicos para ocorrerem barbaridades como essa.
   Se em outros cantos da cidades, nas comunidades ou seja lá onde for, há casos de violência com outra natureza e circunstâncias, em todos os casos, independente de lugar e tempo é a vida de alguém que está em perigo.
  Essa ação rápida dos matadores dos médicos só mostra o quanto a bandidagem pode ocupar o espaço público e sitiar a cidade para suas empresas de ações criminosas, ampliando cada vez mais suas áreas de atuação como já vemos nesses confrontos entre facções, em várias localidades, importunando a vida das pessoas, fechando ruas, escolas, unidades de saúde, e o pior, matando inocentes, sem que haja uma resposta rápida do poder público para reprimir essas ações criminosas.
   Até outro dia, bandidos foram flagrados fazendo treinamento de guerra no Complexo da Maré num espaço destinado ao lazer dos moradores. Tão logo foram divulgadas as imagens, era para a polícia ocupar a região como uma satisfação à sociedade. O mínimo que se esperava. E então, houve alguma reunião com a cúpula de segurança para traçar algum plano?
   É uma afronta total à liberdade das pessoas. Até quem não vive nessas localidades se sente acuado, porque esses expedientes de preparação visam justamente expandir futuras ações que vão certamente atingir outras áreas da cidades e com isso mais pessoas correndo riscos. E o governo do estado que poderia também estar treinando para proteger a população apenas dá entrevista mostrando uma indignação que é bem diferente do sentimento da população com toda essa situação.
   A cidade respira como sempre respirou pela sua mobilidade e funcionalidade de uma metrópole importante, rota de entretenimento dos forasteiros, trabalho, oportunidades, turismo e tal, mas com pouco ou nenhuma segurança e conforto para nós que vivemos aqui.
   A gente fala essas coisas parecendo sempre um fato novo, uma questão nova a ser resolvida, mas são repetições de velhos erros, são retoques do mesmo cenário de uma cidade que tem condições e recursos para empregar inteligência e tecnologia capaz de conter as ações da criminalidade.
   E quanto mais o tempo passa, mais ficamos reféns. Até quando?