sábado, 25 de maio de 2024

LEMBRANÇAS



 Ainda estão sendo contabilizados os danos causados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, aqueles passíveis de serem recuperados e que poderão com um tempo ocupar o mesmo espaço físico de antes.
   A casa, os móveis, o carro na garagem, o jardim, o quintal, a rotina do bairro, tudo misturado à sensação de um recomeço. A própria cultura de cada região vai se reconstituindo, quando na vida de cada um só sobrarem as cicatrizes cheias de histórias que ninguém gostaria mais de reviver algum dia.
    É verdadeiramente desesperador ter de juntar os caquinhos do jeito de ser de uma cidade inteira com suas particularidades, a atmosfera, a essência de tudo que faz aquele lugar funcionar, a química que cada lugar tem entre sua beleza, suas mazelas e perspectivas.
    Naquelas imagens de satélites, drones, é possível imaginar daqui a pouco tudo com a mesma aparência novamente a partir da tipografia da tragédia. O bar abrindo, o shopping fervendo, a feira e aquela gente gritando, a Lapa de lá também voltando a bombar, enfim, o cotidiano das cidades voltando à normalidade.
    Mas só depois. Vai demorar um pouco mais, até todo mundo ter a oportunidade de retomar suas resenhas, agora repletas de casos escabrosos, da saudade de sua gente, da tristeza pelos que nunca mais voltarão. Imagina como serão os próximos encontros, muitos com as vísceras ainda de fora, mas tendo de retomar seu rumo.
    Pra muita gente vai ser diferente esse recomeço. Muitos vão deixar para trás suas coisas, ou o que sobrou disso, e renascer em outra cidade, outro estado, ou até mesmo sair do país com o que couber na bagagem. É sobre a parte que a imagem lá de cima não mostra. O microcosmo da tragédia que é composto das perdas de cada um. 
    Como a mulher que na hora do resgate chorava copiosamente porque não conseguiu pegar o álbum de fotografia que continha a única lembrança de sua mãe. O guarda voltou lá e pegou o que parecia ser para ela seu maior patrimônio, a garantia de poder conservar a melhor lembrança, ainda mais agora que outras lembranças, desta vez ruins, habitarão sua mente.
    Se vale em nossas vidas esses contrastes, que possamos ter em maior número as melhores, já que as tragédias são inevitáveis e estarão sempre em  nossa galeria.


domingo, 19 de maio de 2024

QUE NÃO VIRE NOVELA

  

  Vai demorar um pouco para a vida do povo gaúcho voltar à normalidade. Se aos poucos em vários lugares o nível da água vai baixando e alguns vão recomeçando depois de muita faxina e descarte, a economia do estado segue completamente sem prazo para a retomada.
    Pois é, se a vida das pessoas vai, cedo ou tarde, voltando ao que era antes, a atividade econômica em todos os segmentos é que vai ter de dar uma sacudida geral, porque, na moral... não dá mais pra essa gente tocar seu negócio sem um pingo de responsabilidade e ignorando os preceitos ambientais.
    Da mesma forma que cobram do poder público políticas que acompanham tendências que já se verificam em outras praças, os empresários também precisam rever seus conceitos e passar a adotar um modelo de gestão responsável e totalmente alinhado à causa ambiental.
  Mas, por outro lado é preciso um comprometimento maior do meio jurídico, sem se deixar levar por interpretações que a lei sempre oferece, que acabam livrando detratores do meio-ambiente de responsabilização criminal. Como já acontece faz tempo em casos que repercutiram bastante e ficaram por isso mesmo.
     A empresa lá de Brumadinho causou toda aquela tragédia com 270 mortes e toda a cidade cancelada, nessas atividades de mineração no Brasil que ainda prejuízos à sociedade, e os réus no processo ainda estão entregando suas defesas à justiça.
   O cara abre uma fábrica de detergente e descarta seu lixo químico no rio que corre atrás da firma e seu alvará continua valendo. Fazendeiros desmatam sistematicamente para plantar boi no lugar, mas como têm bom conceito e goza de status junto à jurisdição local, tá tranquilo. Aqui no Rio áreas protegidas por lei são devastadas para construção desses condomínios em empreendimentos sem preocupação alguma com a natureza.
   Isso é um pouco do que ocorre pelo Brasil afora com a leniência da justiça, de prefeitos e governadores que afrouxam leis para atender interesses.
    Lá no Rio Grande do Sul, pela dimensão da catástrofe, nada será como antes, nem mesmo quando a água baixar. Vai ter de haver uma discussão séria e profunda sobre o futuro do estado e a vida das pessoas, e claro, sem essa politização e polarização, muito comuns nesses tempos atuais.
   Falando com otimismo, é provável que o impacto daquela tragédia vai servir de alerta para tudo que precisa ser debatido no país. Porque, não é possível que depois de toda essa tragédia não haverá nenhuma mudança de rumo na causa ambiental no Brasil.
   Aguardemos os próximos capítulos.


quarta-feira, 15 de maio de 2024

OS DONOS DO CAOS



   Bom...agora que já está tudo encaminhado com relação ao socorro às vítimas, a solidariedade das pessoas no Brasil inteiro, a questão dos recursos enviados ao governo gaúcho, com a flexibilização das tratativas com o governo federal, enfim, a tendência é que não falte esforços a toda ajuda ao Rio Grande do Sul.
    Só que agora é virar a página ainda dentro da tragédia e revirar tudo que foi mexido para que as coisas chegassem nessa proporção.
   Antes que apontem o dedo para a atual gestão do estado gaúcho é bom lembrar que administrações anteriores contribuíram em muito para esse cenário, porque a dimensão de todo esse caos naquelas terras é reflexo de vários procedimentos, decisões e canetadas que ao longo dos tempos foram ajeitando a vida e os interesses de muita gente.
    Toda vez que se altera uma letra sequer das leis para que a agenda brasileira fique adequada a novas tendências no plano ambiental, há sempre um lobby, um corporativismo a serviço do atraso no Brasil. Há sempre um jeito de flexibilizar uma norma qualquer em nome da camaradagem ou por pressão mesmo, pois, aqui em terra brasilis muita gente vê com bons olhos a modernidade, desde que não atrapalhe seus negócios, tá pensando o quê?
     O Rio Grande do Sul certamente não é a única praça em que afrouxam as regras para atender interesses. Prefeitos e governadores, dentro de suas velhas atribuições, arranjam sempre uma maneira de agradar seus pares fora de palácios e gabinetes. E com isso aquela letrazinha da lei que acendeu uma chama de evolução e maturidade da consciência ecológica dá lugar ao entendimento de que as coisas podem ficar assim por mais um tempo, não tem importância não.
   Tão logo abra tempo e espaço para discussões, é bom que se interpele dentro de novos procedimentos quem acenou com essas alterações que interromperam uma nova agenda para a relação com o meio-ambiente.
    Com certeza ninguém vai sofrer qualquer tipo de retaliação, ser preso ou cancelado, mas a sociedade precisa saber da movimentação dessa gente que vive ignorando e subvertendo as leis ambientais que foram criadas com muita dificuldade para ordenar o desenvolvimento sustentável do Brasil. É gente tentando legalizar desmatamento, anistiar grilagem de terras, acabar com demarcação de terras indígenas, liberar desmate em vegetação nativa, e por aí vai. Tem gente que nem acredita em aquecimento global e vai criando obstáculos à adequação das normas ambientais. Infelizmente tem gente no meio dessa tragédia gaúcho que contribuiu para aquele cenário.
     Agora mesmo, segundo reportagem do jornal Hora do Povo, o Ministério Público solicitou ao Tribunal de Contas da União apuração total nos expedientes do governador Eduardo Leite que afrouxaram leis ambientais, assim como o Congresso Nacional que referendou 25 projetos de lei e 3 propostas de emenda constitucional que certamente tiveram e ainda poderão ter impacto desastroso na vida brasileira.
    Mais do que expor as ações nefastas dos donos do caos, que atentam contra o desenvolvimento do país é impedir o avanço dessas práticas nocivas ao povo brasileiro.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

E DEPOIS DA TRAGÉDIA?



  Em meio a todo o desenrolar da tragédia a imprensa sempre dispensa um tempo para explicar a causa do problema, ou pelo menos parte do processo que culminou no desastre que todo o Brasil vem acompanhando.
    Na verdade, é a parte mais importante sob o ponto de vista técnico, já que mostra para todos saberem como se dá esse fenômeno e seus efeitos na vida das pessoas com a paralisação das cidades envolvidas.
   Aquela chamada curta que o âncora ou o setorista faz levando ao ar a fala de um especialista que explica minuciosamente lá na origem do problema, o detalhe geológico, geográfico, e o porquê de tudo isso acontecer naquela região e tal.
    No caso específico do Rio Grande do Sul, parece que naquela região a água demora a escoar por ser muito plana, com pouca declividade, enfim, um problema que é pertinente à geografia local.
    Em outras localidades onde costumam ocorrer os mesmos eventos a questão tem fatores diferentes, porque a composição geográfica e o relevo são diferentes e, claro, o processo se dá de outra forma, ou seja, em cada região afetada por grandes volumes de chuvas o conjunto de elementos naturais do local é que define a estabilidade, o fluxo, o tempo e a constância dos eventos.
    Já foi falado, todos esses eventos têm solução, desde que seus projetos sejam concebidos através de dados e informações que a própria geografia local oferece para confecção dos trabalhos. São casos específicos de cada região.
    Sendo assim, parte das próprias prefeituras a implementação dos projetos que visem resolver o problema de sua cidade. O governo do estado também tem sua cota de responsabilidade por ser gestora de uma área que congrega outras localidades também sobrecarregada, porque dependendo de uma região de alta complexidade em seu relevo, dificilmente o acidente fica concentrado ali na sua origem.
   Mas, de qualquer forma, ainda dentro de um mesmo conjunto de relevo que permite fazer um estudo pertinente àquela região. Estudos estes que técnicos e especialistas da região, oriundos dos órgão de pesquisas certamente já apresentaram ao governo local para tirar do papel o que já poderiam ter amenizado os efeitos de muitas tragédias dessa natureza pelo Brasil afora.
   Além dessa agora, no Rio Grande do Sul, a gente já teve tragédia na Bahia, Minas Gerais, na região nordeste, aqui no Rio de Janeiro, nas comunidades e região serrana, todas dentro de um calendário específico e níveis de manifestação inerentes a cada localidade por causa da geografia também diversa.
   A Rio+20, conferência realizada aqui no Rio de Janeiro, em 2012, teve uma agenda só de prefeitos para justamente tratar dessa questão de forma racional, dentro das necessidades e especificidades de cada região.
    Enfim, o que será feito após a tragédia?


segunda-feira, 6 de maio de 2024

SOS RIO GRANDE DO SUL

 

   O Brasil está vivendo mais uma vez a agonia de uma tragédia que já faz parte do calendário brasileiro, não é de hoje. Desta vez o Rio Grande do Sul com seus principais rios transbordando e causando danos de toda ordem e ceifando vidas, que é o prejuízo maior nessa história toda.
     E como sempre ocorre, a solidariedade das pessoas no país inteiro se mobilizando nas redes sociais, as três esferas de governo envolvidas nas questões de logística e envio de recursos, enfim, o velho pacote de medidas para fazer tudo voltar ao normal lá na frente, quando os rios voltarem aos seus cursos normais.
    Apesar de toda perplexidade que as imagens divulgadas causam na opinião pública, não há novidade alguma quando o país inteiro acompanha mais uma tragédia, praticamente cancelando uma cidade inteira.
    Uma região tão importante para o cenário do Brasil, como é Porto Alegre e seu entorno, mas com os mesmos problemas que já afetaram outras localidades no Brasil, e claro, a mesma falta de perspectiva quanto à soluções para um velho problema que afeta o todo o território brasileiro em espaços de tempo que permitem que governo, a sociedade, o poder público, autoridades dos principais órgãos ligados à questão esqueçam de prosseguir com as discussões pertinentes ao tema.
    Seria até animador ver toda essa correria para ajudar as vítimas, mas é triste constatar mais um cenário de incerteza, antes mesmo de os rios se acalmarem e um monte de gente recomeçar suas vidas depois do caos em mais uma metrópole populosa e cheia de problemas a serem resolvidos.
    As próprias imagens vistas do alto, não só revelam a dimensão do problema como sugerem a necessidade de discussões urgentes, como já foi constatado em outros eventos que também foram ignorados depois do temporal.
    Há uma questão ambiental que precisa urgentemente ser discutida dentro das particularidades de cada região, todo mundo sabe disso, mas ninguém se adianta em botar em prática as recomendações que já foram feitas nos fóruns de debates e viraram promessas de governo e poderiam, a essa altura, ter evitado tragédias como essa que causa transtorno, prejuízo e morte ao povo gaúcho nesse momento.
     É sempre bem vinda qualquer ajuda que possa aliviar o sofrimento das pessoas numa hora de angústia para a cidade de Porto Alegre e redondezas, mas seria mais animador ainda se houvesse uma virada de rumo que tornasse a vida brasileira em todos os seus quadrantes saudável e promissora.
    O Brasil tão moderno em certos aspectos, sempre acompanhando as tendências de modernidade, peca numa questão que já deveria estar inserida em todos os projetos de desenvolvimento e evolução das principais cidades, que é a causa ambiental.
   Em nenhuma cidade ou região não há planejamento para buscar soluções para as principais metrópoles do país. Falta o uso de tecnologia para prever e evitar catástrofes, não há política ambiental abrangente que vise melhorias e conforto para o cidadão. Isso é falado toda hora.
     Falta tudo, até vontade política.