Ainda estão sendo contabilizados os danos causados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, aqueles passíveis de serem recuperados e que poderão com um tempo ocupar o mesmo espaço físico de antes.
A casa, os móveis, o carro na garagem, o jardim, o quintal, a rotina do bairro, tudo misturado à sensação de um recomeço. A própria cultura de cada região vai se reconstituindo, quando na vida de cada um só sobrarem as cicatrizes cheias de histórias que ninguém gostaria mais de reviver algum dia.
É verdadeiramente desesperador ter de juntar os caquinhos do jeito de ser de uma cidade inteira com suas particularidades, a atmosfera, a essência de tudo que faz aquele lugar funcionar, a química que cada lugar tem entre sua beleza, suas mazelas e perspectivas.
Naquelas imagens de satélites, drones, é possível imaginar daqui a pouco tudo com a mesma aparência novamente a partir da tipografia da tragédia. O bar abrindo, o shopping fervendo, a feira e aquela gente gritando, a Lapa de lá também voltando a bombar, enfim, o cotidiano das cidades voltando à normalidade.
Mas só depois. Vai demorar um pouco mais, até todo mundo ter a oportunidade de retomar suas resenhas, agora repletas de casos escabrosos, da saudade de sua gente, da tristeza pelos que nunca mais voltarão. Imagina como serão os próximos encontros, muitos com as vísceras ainda de fora, mas tendo de retomar seu rumo.
Pra muita gente vai ser diferente esse recomeço. Muitos vão deixar para trás suas coisas, ou o que sobrou disso, e renascer em outra cidade, outro estado, ou até mesmo sair do país com o que couber na bagagem. É sobre a parte que a imagem lá de cima não mostra. O microcosmo da tragédia que é composto das perdas de cada um.
Como a mulher que na hora do resgate chorava copiosamente porque não conseguiu pegar o álbum de fotografia que continha a única lembrança de sua mãe. O guarda voltou lá e pegou o que parecia ser para ela seu maior patrimônio, a garantia de poder conservar a melhor lembrança, ainda mais agora que outras lembranças, desta vez ruins, habitarão sua mente.
Se vale em nossas vidas esses contrastes, que possamos ter em maior número as melhores, já que as tragédias são inevitáveis e estarão sempre em nossa galeria.