terça-feira, 24 de abril de 2012

O santo da paz


    Quase não dormi direito de tantos fogos aturdindo meus ouvidos e azucrinado o sono que eu tanto precisava, depois de um domingo cheio de outros festejos, feijoada no vizinho, futebol na tv, coisa de final de semana, enfim. Por um momento pensei que aquele foguetório em uníssono em todos os cantos da cidade só terminasse pela manhã, coincidindo com a minha alvorada sonolenta. Ainda bem que é feriado, e eu poderia dormir mais durante o dia, se não soltarem mais rojões na direção da minha janela.
     Pela manhã, já recuperado da zoada a cada minuto na madrugada, um mar de vermelho tomou conta das ruas, roupas, acessórios, o abadá da escola de coração com a estampa do santo, o rebolado, a ginga, a marra do sujeito de sapato branco, todo prosa e garboso, metido em seu blusão de linho, encomendado quase que como oferenda ao seu mais puro protetor, tudo dentro do ritual de fé, de devoção, de entrega pelo santo guerreiro, de tantas graças alcançadas.
     Quantos símbolos, quantos cânticos, dos atabaques às vigílias, tudo para consagrar e eternizar o santo de várias denominações, desse povo miscigenado de crenças, costumes, desgraças e esperanças. Há que se celebrar esse sincretismo, pelas manifestações religiosas, seja em dia de festa, misturando o devoto com o terço na mão e o outro com as guias a lhe penderem o pescoço, ou na rotina normal do indivíduo em seu grupo social heterogêneo.
     É a cidadania no seu mais puro grau de excelência, já que a liberdade de expressão religiosa também é expressamente garantida pela Constituição do meu país de Estado ainda laico.
     É melhor que seja assim, festivo, sem o fundamentalismo de outros segmentos, sem a violência dos discursos, sempre nessa cadência de exaltação sem furor, para excomungar o inimigo, sem as impertinências de uma guerra santa; para chegar à apoteose, sem passar por cima do outro; e viver o júbilo de um grande feito, sem verter lágrimas ou sangue do semelhante.
   
    
     

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