Quase não dormi direito de tantos fogos
aturdindo meus ouvidos e azucrinado o sono que eu tanto precisava, depois de um
domingo cheio de outros festejos, feijoada no vizinho, futebol na tv, coisa de
final de semana, enfim. Por um momento pensei que aquele foguetório em uníssono
em todos os cantos da cidade só terminasse pela manhã, coincidindo com a minha
alvorada sonolenta. Ainda bem que é feriado, e eu poderia dormir mais durante o
dia, se não soltarem mais rojões na direção da minha janela.
Pela manhã, já recuperado
da zoada a cada minuto na madrugada, um mar de vermelho tomou conta das ruas,
roupas, acessórios, o abadá da escola
de coração com a estampa do santo, o rebolado, a ginga, a marra do sujeito de
sapato branco, todo prosa e garboso, metido em seu blusão de linho, encomendado
quase que como oferenda ao seu mais puro protetor, tudo dentro do ritual de fé,
de devoção, de entrega pelo santo guerreiro, de tantas graças alcançadas.
Quantos símbolos, quantos
cânticos, dos atabaques às vigílias, tudo para consagrar e eternizar o santo de
várias denominações, desse povo miscigenado de crenças, costumes, desgraças e
esperanças. Há que se celebrar esse sincretismo, pelas manifestações
religiosas, seja em dia de festa, misturando o devoto com o terço na mão e o
outro com as guias a lhe penderem o pescoço, ou na rotina normal do indivíduo
em seu grupo social heterogêneo.
É a cidadania no seu mais
puro grau de excelência, já que a liberdade de expressão religiosa também é
expressamente garantida pela Constituição do meu país de Estado ainda laico.
É melhor que seja assim, festivo, sem o
fundamentalismo de outros segmentos, sem a violência dos discursos, sempre
nessa cadência de exaltação sem furor, para excomungar o inimigo, sem as
impertinências de uma guerra santa; para chegar à apoteose, sem passar por cima
do outro; e viver o júbilo de um grande feito, sem verter lágrimas ou sangue do
semelhante.
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