sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A outra Guerra Fria

   A Ucrânia é o primeiro idício de que o mundo não evoluiu desde o fim da Segunda Grande Guerra, quando todo acreditava que não haveria mais nenhuma desvença entre nações ou blocos econômicos.
   Qual e diferença entre a Polônia de outrora, dividida ao meio por tiranias de diferentes estirpes, e a Ucrânia, disputada pelo saudosismo de Putin em reeeditar o poderio sovético e o desespero do velho continente, a Europa, para tirar o euro do câmbio paralelo e fortelecer a economia do Bloco?
   É bem verdade que Barack Obama não tem cacife para criar um novo Plano Marshall, caso lhe coubesse a árdua missão de salvar a Europa de uma hecatombe econômica.
   Mas tanto quanto as rusgas em torno de Varsóvia dividia o mundo em imbecilidades, Kiev também está no centro de uma contenda entre o poder de sedução dos europeus e a sanha tirânica de Putin.
   O próximo mandatário da Ucrânia ainda é uma incógnita, dada a divisão de forças do eleitorado daquele país, onde uma grande parcela deseja uma nação aos moldes da cultura ocidental, e a outra que parece querer contribuir para que a Rússia espalhe uma nova onda soviética.
   Mesmo que as decisões verdadeiramente soberana do povo ucraniano alargue as fronteiras do velho continente, é certo que Vladimir Putin reinaugurou a Guerra Fria, ainda que sem os resquícios ideológicos do passado, na época do famoso Muro, embora o governo russo pregue sistematicamente o fortalecimento do Estado, enquanto as administrações da Europa, o encolhimento deste, o que não deixa de ser um grande divisor de águas no mapa do mundo. 
   De qualquer forma, é mais importante que a população da Ucrânia resolva seus conflitos internos, mesmo no meio desse fogo cruzado.
  

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A dúvida do gol

   Eu sempre entendi o advento das tecnologias como fator de evolução humana, em que uma ideia genial pode perfeitamente superar uma grande expectativa ou, na pior das hipóteses, atender uma pequena necessidade.
   Nesse intrincado mundo futebolístico, não há dúvidas de que a televisão deu um suporte a mais para o espetáculo do futebol, pelo recurso da imagem que o rádio não podia oferecer.
   Naquela época, o torcedor enfurecido atirava o radinho ao chão porque a bola não entrava, naqueles domingos de Maracanã, em que nada dava certo.
   Mas isso não criava implicações para o dia seguinte porque a imagem que tanto o narrador quanto o trepidante construíam não suscitavam as dúvidas quanto à expectativa de um grande lance até a bola estufar a rede.
   Hoje, qualquer parafernália de última geração só servirá apenas para diminuir a margem de erro humano e colocar as coisas em seus devidos lugares, incluindo a bola que estava lá dentro do gol.
   Mesmo que essas novas ferramentas não possam evitar grandes sobressaltos, as limitações da capacidade humana de operar seus próprios sentidos não podem servir de subterfúgio para se desconstruir a realidade percebida a olho nu.
   Portanto, eu não ligo que questionam a minha inteligência. Também não me importo que julguem meus conceitos, nem tampouco que especulem sobre meus princípios.
   Só não vale duvidar da minha visão apurada.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Racismo não tem vez

   O primeiro contratempo do futebol foi o gol-contra. Depois, durante o tempo em que a elite formatava as grandes jogadas e a zona de agrião, alguns boleiros começaram a inventar a mesmice dentro das quatro linhas.
   É lógico que a burocracia dos principais fundamentos do futebol não poderia eternizar o velho esporte bretão, quebrando fronteiras e desenhando um novo mapa geopolítico da arte de jogar bola!
   A revolução do futebol teve origem nos campos de várzea, de terra batida, de onde brotaram os meninos de canelas cinzentas e a bola de meia.
   Hoje, o futebol não tem raça nem fronteira nem nacionalidade. Por isso, é inadmissível que  ainda entoem das arquibancadas os cânticos de intolerância toda vez que neguinho ensaia uma grande jogada.
  Quando o futebol virou espetáculo a firula foi o primeiro grande ato dos grandes palcos encobertos de grama. E o futebol deve à ginga do negro a magia que emana das grandes peladas, construindo um gol, decidindo um campeonato e encantando um público sempre fiel às suas origens e seus princípios.
   Uma partida de futebol é como uma grande roda de capoeira, do público em círculo, entoando em compassos de samba as proezas do moleque de canelas cinzentas, a nobreza de um grande gesto e a elegância de um grande feito.
  Cubillas, certamente deu ao povo peruano, não só o orgulho de ter um grande ídolo, como também a honra de um povo civilizado. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A morte da imagem

  A imprensa brasileira pode até não ser diferente dos outros poderes constituídos, em níveis de incongruências, hesitações, empatia e unanimidade. Mas isso não lhe tira a sina de estar sempre entre a cruz e a espada, ou para ser mais preciso e conveniente aos dias de hoje, entre a pedra e a vidraça.
  A morte trágica do companheiro Santiago Andrade reproduz fielmente essa nova atmosfera de fagulhas em que a imprensa está inserida.
   De qualquer forma, mesmo que a democracia brasileira não tivesse nascido em frangalhos, ainda assim a imprensa se fundaria como elo entre dois extremos.
  Em regimes de exceção ou não a censura aos meios de comunicação só difere da forma com que ela é executada, tramada, articulada, instituída, aos moldes dos ventos que sopram do poder.
   Não é menos grave que os instrumentos que calavam as vozes e vendavam os olhos tenham evoluído ao ponto de ofuscar a imagem que vale mais que mil palavras, como era o objetivo de quem pretendia deter o ímpeto do fiel cinegrafista.
   O que preocupa é a imprensa sofrer ameaças de outras frentes, onde até quem almeja o poder também ensaia respingar de sangue um dos principais símbolos da democracia do Brasil: a liberdade de expressão.
   O poder pelo poder não se dá pela morte da palavra, muito menos pela morte da imagem que o Brasil quer reconstruir. 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A saga da violência

   A imagem de um jovem desafortunado imobilizado por uma trava comumente usada para prender bicicleta revela com exatidão como a questão da violência é tratada, ou não tratada, e seus efeitos no cotidiano das grandes cidades.
   Não seria menos estarrecedor se o suposto infrator estivesse preso por algemas, ao menos que a presença do estado fosse algo mais abrangente, mais eficaz, sem o imediatismo igualmente infrutífero que o cidadão indefeso emprega como solução de curto prazo.
   Se não é novidade que jovens delinquentes e seus algozes se equiparam como vítimas de um mesmo e combalido sistema, também não é de hoje que o poder público adota medidas de segurança com poucos resultados práticos, que há muito contribuem para esse clima de barbárie.
   O Brasil nunca foi um país sem lei. O máximo que chegamos a ser é subserviente. Mas isso não impediu que construíssemos um estado de direito capaz de tornar o Brasil uma nação soberana, apesar dos contrastes e aberrações de algumas letras em vigor.
   A própria constituição brasileira, ao mesmo tempo em que oferece atalhos para o atraso e o continuísmo, impõe também garantias ao cidadão brasileiro em seus aspectos individuais e coletivos.
   Em função disso, a sociedade tem seus representantes, de quem se pode e deve exigir políticas públicas voltadas exclusivamente para a socialização de menores infratores, assim como projetos educacionais com ênfase na educação básica em tempo integral e outras diretrizes que proporcionem a efetiva formação de verdadeiros cidadãos ainda na sua origem.
   A população brasileira não pode ficar assim, por tempo indeterminado, à mercê de políticas de segurança pública de cunho eleitoreiro, além do outro sistema corporativista e voraz que vai criando esses falsos meios de defesa como contraponto à ausência do estado no combate à violência.
   O que são os shoppings-centers? Os condomínios fechados? Os carros blindados? E as tecnologias que invertem completamente os valores, as grades e alarmes? Uma parcela significativa da população não tem acesso a esses paliativos.
   Tanto especialistas, estudiosos e pessoas de bem apontam soluções que aos olhos dos arautos da miséria soam como utopia, mas é bom lembrar que o povo brasileiro consegue conviver com suas diferenças ideológicas, religiosas e étnicas, rechaçando qualquer possibilidade de conflito que ponha em xeque a soberania do país, como acontece em outros quadrantes do planeta.
   Isso é suficiente para sermos uma sociedade justa. 
  Segundo levantamento do Instituto Data Popular, nos últimos 10 anos as classes C, D e E tiveram mais acesso aos principais bens de consumo.
   É muito pouco para fazer do Brasil uma nação coesa, desenvolvida e moderna, enquanto perdurar essa saga da violência no país.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Lembranças que não se apagam



  Parece que foi ontem aquele aceno antes de sumir na curva que eu espreitava pela fresta da janela todos os dias como um ritual de renovação constante para mais um dia de batente da Zélia.
  Antes daquele dia 1° de fevereiro de 1978, eu jamais poderia imaginar que a miséria daquelas redondezas lá de Paciência fosse mais saudável que a saudade que eu inaugurei naquele instante em que um passarinho trouxe a notícia do trem malvado.
 Nos tempos em que fui me acostumando a conviver com uma grande perda os mecanismos de se compartilhar a angústia ficava restrito ao recolhimento, às ilusões, ao choro contido que se confundia com a crise de identidade muito comum a um fedelho perdido aos quatro ventos.
  Hoje, minha sombra não é tão nebulosa que eu não possa seguir adiante e sempre. Mas meus fantasmas estão sempre me conduzindo de forma trôpega, para que eu não cicatrize jamais essa ferida aberta.
  Na verdade, são meus anjos reatando a todo instante o cordão umbilical. Deve ser por isso que eu até hoje ainda acordo sempre com um grande beijo. Deve ser por isso que eu continuei tirando notas boas senão te meto o chinelo.
  Consegui ser o que muita gente nunca será por causa da bagagem que carrego nessa viagem sem volta. Para minha sorte, consegui também transformar minha dor na arte de prosseguir. Descobri um jeito de modificar a velha angústia em combustível. Suor e lágrima agora têm o mesmo gosto, a mesma fragrância, a mesma essência.
  A saudade que me entorpece nunca me matará, mas se um dia eu morrer hoje eu vou aí te acordar do jeito que eram minhas manhãs.