A Linha Vermelha é aquele caminho que é um verdadeiro martírio na vida da gente nesse velho trajeto com destino ao trampo nosso de cada dia. Não tem muita escolha pra fugir do sufoco de manhã cedo. Se ficar por ali o bicho pega; se for pela Avenida Brasil o bicho come. Então, deixa quieto e segue o fluxo.
Naquele horário nobre da manhã, no mesmo local, a mesma confusão de sempre, todo mundo no encontro marcado de todos os dias. É um teste de paciência a que geral é submetido. Eu acredito até que muita gente se supera, se resolve de outros traumas e crises à medida em que vai resistindo ao inferno de um trânsito caótico de vez em sempre.
Dá tempo até de pensar na vida enquanto o trânsito não anda. Em meio à profusão de carros tipo que estacionados em plena via expressa, uma galera na maior correria disputa a vez de vender aquele cafezinho amigo, que sempre cai bem numa hora dessa, fora o pão de queijo pra ninguém dirigir em jejum.
Pois é, a Valéria aí da foto faz parte dessa tropa de gente que aposta naquela confusão matinal de carros, ônibus e motos para fazer renda e pagar conta. Você fica ali com a mão no câmbio, esperando andar e vê aquela tribo de colete verde balançando o pegador de pão e gritando seu slogan.
Uma faixa do trânsito para completamente enquanto a mulher serve o café, mas em todos esses tempos eu ainda não vi ninguém, o motorista atrás reclamando, com pressa, buzinando, enfim. Essa é a melhor parte de toda aquela confusão. Uma confusão organizada e saudável para quem tem uma visão humana sobre as contradições da vida e do mundo. A tolerância que a gente tanto reivindica em outros cenários conturbados funciona ali, que bom.
Que maravilha a poesia do olhar sobre o outro, quando num momento de agonia, o cara boladão, tudo parado, mas, o reconhecimento que neguim tá correndo atrás, daí a paciência que se traduz até pelo orgulho de ver a moça faturando, porque, está todo mundo na mesma pista, na mesma conexão, ainda que em circunstâncias distintas, mas valendo sempre pela ausência de conflito, o que dá esperança de um outro horizonte nas próximas gerações, se mais pessoas passarem a ideia de que isso é necessário.
Quando não tem engarrafamento, quer dizer, uma vez na vida e outra na morte, fica até meio estranho o trânsito assim, todo mundo chegando cedo no trabalho, beleza, mas, e aquela galera, a tropa de colete verde? Um dia sem retenção na Linha Vermelha, como mostra o repórter aéreo pela manhã, é um dia sem o pão para aquela gente. Tem sempre alguém que como a Valéria desce pra pista pra passar no mercado depois, pagar a luz, o gás, o leite das crianças, essas coisas.
E assim segue o fluxo dos carros, das coisas, das pessoas, da vida como uma lei do mundo, como um ensinamento.