Eu não conheci o Pedro quando ele estava na ativa, produzindo aquelas coisas maravilhosas. Naquele tempo ele já estava aposentado, descansando, aproveitando um ócio que parecia ser saudável para quem já respirava uma sensação de dever cumprido.
Não demorou muito tempo e ele sofreu um baque terrível com uma dessas doenças que imobilizam as pessoas em seus leitos. A independência que ele tinha, a autonomia, a alegria, o prazer de viver, a experiência de contar histórias, ficou tudo no passado, porque agora o expediente que ele vivia era simplesmente lutar pela vida em meio à agenda de remédios na hora certa e aquela resenha de enfermeiros se revezando dia e noite.
Das vezes em que estive naquele apartamento a rotina da casa era sempre aquele corre-corre em função daquele homem. Seu quarto era como uma enfermaria, mas o resto da casa era normal, todos os cômodos com a mesma configuração de um ambiente residencial. A única coisa diferente agora era a atmosfera do lugar, mas deve ter sido um lar com crianças correndo pela casa; gente discutindo, brigando, comemorando, festejando, falando alto, almoço de família, essas coisas.
A efervescência de um lar feliz em tempos de outrora deu lugar a um ambiente triste, onde nem música tocava. A televisão só passava a missa, os cânticos, a homilia, tudo para que a vida se reacendesse novamente naquela casa. É como se os anjos estivessem de prontidão por ali constantemente para anunciar, de uma hora para a outra, um recomeço, uma mudança de rumo ou de ares.
Mas o destino quis assim, que nada fosse mais como antes. Só sobraram vestígios de como era a rotina da casa. Marcas de um tempo bom. Nas paredes da sala quadros de vários tamanhos, pinturas de temas diversos, óleo sobre tela, todos com a assinatura do Pedro, assim como as peças de porcelana espalhadas pela casa e caprichosamente decoradas com a arte e o talento do dono da casa.
Um acervo maravilhoso que revela o contraste de nossas vidas. Há contrastes nas heranças e legados que ficam de nós. Assim como o Pedro, cada um de nós vai deixar a tristeza de quando partirmos junto com o fascínio de nossas obras e ações. Seja uma virtude ou uma arte qualquer, haverá sempre um contraste entre a dor e o encanto, tipo o contraste entre sombra e luz.
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