sexta-feira, 17 de março de 2023

O TEMPO DE CADA UM

 

  Está um tempo tão sinistro e absurdamente violento que passou batido de muita gente a fala odiosa e infeliz daquela garota universitária de instituição particular de Baurú, zombando de uma colega de turma, que por já ter mais de 40 anos, não teria a menor chance de sucesso no meio acadêmico.
   Eu confesso que fiquei tentado a discorrer sobre mais uma filial dessa rede de preconceitos que assola a sociedade de uma maneira bem plural nos dias de hoje. Mas, particularmente, eu prefiro me ater à virtude que ao delírio.
    Nos mesmos moldes em que já vemos no dia a dia o escárnio à raça, sexo, religião e condição social, também se junta ao pacote maldito o tal etarismo, sobre o tempo em que cada um escolhe para seus planos e sonhos, como se isso também tivesse um modelo a ser seguido, uma lógica certa para as chances na vida, as oportunidades e sortes condicionadas ao ponteiro do relógio ou ao calendário.
   Talvez essa garota que zomba, que zoa está tão lacrada em sua bolha que não vê aqui fora as pessoas quebrando velhos paradigmas de como e quando se firma os projetos de cada um. Onde está escrito que tem um tempo certo para o sucesso e o fracasso?
   A gente vê toda hora por aí cada vez mais indivíduos que só chegam ao apogeu depois de uma longa caminhada, porque sua jornada teve essa dimensão diferenciada, esse destino, e daí? Para quem começa depois, é quase certo que não estivesse preparado lá atrás; com o vigor necessário para aguentar o rojão; com ânimo suficiente para dar o primeiro passo; com a fé à altura da vitória que cada um pretende para si.
   As pessoas interrompem seus projetos por fraqueza, dúvidas, desânimo, comodismo, mas depois encontram alguém que as encorajam a retomar e prosseguir; alguém que as oferecem o que tem de melhor. E assim as pessoas ascendem ao poder, ao sucesso e à fama pelo impulso do outro, porque nós somos bem assim, movidos pelo amor e pela coragem de quem aposta em nós.
  Até mesmo uma tragédia em família, a perda de alguém importante, uma ferida, uma lacuna qualquer servem de impulso para que não se perca a autoestima, a dignidade.
   Mas tudo isso sem um tempo determinado, um prazo, um tempo hábil. Talvez isso explica porque alguém escreveu seu primeiro livro na velhice; compôs sua primeira música aos sessenta; ou se formou depois de anos de estrada; ou deixou para plantar uma árvore depois de tudo resolvido na vida.
   Não importa o quão diferente é o tempo de cada um. Não interessa pra ninguém que os ponteiros do meu relógio vão girando num outro compasso. Não só o tempo das coisas, mas o tempo das pessoas também é relativo. Nem Einstein ousaria propor uma equação para algo tão subjetivo.
   E assim a gente galga degraus até atingir o nirvana, o apogeu, a apoteose, dentro do prazo de validade de cada um. Afinal de contas, eu tenho meu QR Code e você tem o seu.

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