O jogador parte com a bola dominada ainda na intermediária, passa pelos marcadores que tentam interromper a progressão daquela jogada que pode registrar um grande triunfo no histórico do cara.
A parte mais difícil ele consegue, que é dominar a bola que às vezes vem em forma de tijolo, quem é do ramo sabe o que eu falo. Mata no peito, bota no chão e sai jogando, passa por um, por dois, tira do goleiro e pronto, na cara do gol, o cara chuta errado, sei lá, o mínimo que a bola faz é tirar tinta da trave, menos entrar no gol.
O trepidante destaca que na hora de tirar o dez o boleiro desperdiça a jogada de forma bisonha.
Se for enumerar os casos em que a metáfora do futebol serve de uma arte qualquer que ilustra a vida também fora das quatro linhas, esse cenário descrito acima parece ser o mais emblemático de todos, pois a vida profissional e social se fundem, se complementam pelas chances, conquistas e oportunidades para que se viva uma vida feliz, um descanso merecido, uma velhice saudável, um desfecho maravilhoso para quem suou a camisa a vida inteira e jogando nas onze.
É impressionante como as pessoas mancham sua própria história no limiar da carreira, quando já deveriam estar gozando o melhor do que foi permitido conquistar, sair para o abraço, dar a volta olímpica, entrar para a galeria, tirar finalmente aquela nota dez para ficar marcado para sempre no currículo.
Pelos últimos acontecimentos a gente até usa o exemplo dos boleiros que perdem a chance de marcar um golaço para a eternidade, o vacilo desses caras que fora dos gramados estão sempre chutando pra fora, mas é claro que há um universo de gente bem além do mundo da bola que parece pegar gosto por sujar sua própria reputação no fim de carreira.
Se a trajetória profissional do indivíduo é indiscutível, invejável, inimputável, há sempre aquele desvio de conduta que a sociedade até usa como ilustração da velha máxima de que ninguém é perfeito, mas que verdadeiramente suja a biografia, porque atinge o caráter, a dignidade, a moral do sujeito quando resvala na família, nos amigos, e quando cai em domínio público, ainda mais agora com toda essa conexão desenfreada, expondo de forma quase que letal a vida desse povo vacilão.
Dentro de uma visão mais humanista, no melhor dos sentimentos sobre o próximo, é animador contabilizar mais acertos que erros, mais virtudes que defeitos, as melhores proezas prevalecendo sobre as pantomimas dos mortais.
Mas dentro de quem vive esse inferno agora na prorrogação da vida deve ser doloroso fazer essa autoavaliação e constatar uma dor, uma culpa, e não ter o privilégio de gozar de forma plena e satisfatória aquela maravilhosa sensação do dever cumprido.