quinta-feira, 27 de abril de 2023

A VIDA NA PRORROGAÇÃO




   O jogador parte com a bola dominada ainda na intermediária, passa pelos marcadores que tentam interromper a progressão daquela jogada que pode registrar um grande triunfo no histórico do cara.
  A parte mais difícil ele consegue, que é dominar a bola que às vezes vem em forma de tijolo, quem é do ramo sabe o que eu falo. Mata no peito, bota no chão e sai jogando, passa por um, por dois, tira do goleiro e pronto, na cara do gol, o cara chuta errado, sei lá, o mínimo que a bola faz é tirar tinta da trave, menos entrar no gol.
   O trepidante destaca que na hora de tirar o dez o boleiro desperdiça a jogada de forma bisonha.
   Se for enumerar os casos em que a metáfora do futebol serve de uma arte qualquer que ilustra a vida também fora das quatro linhas, esse cenário descrito acima parece ser o mais emblemático de todos, pois a vida profissional e social se fundem, se complementam pelas chances, conquistas e oportunidades para que se viva uma vida feliz, um descanso merecido, uma velhice saudável, um desfecho maravilhoso para quem suou a camisa a vida inteira e jogando nas onze.
   É impressionante como as pessoas mancham sua própria história no limiar da carreira, quando já deveriam estar gozando o melhor do que foi permitido conquistar, sair para o abraço, dar a volta olímpica, entrar para a galeria, tirar finalmente aquela nota dez para ficar marcado para sempre no currículo.
   Pelos últimos acontecimentos a gente até usa o exemplo dos boleiros que perdem a chance de marcar um golaço para a eternidade, o vacilo desses caras que fora dos gramados estão sempre chutando pra fora, mas é claro que há um universo de gente bem além do mundo da bola que parece pegar gosto por sujar sua própria reputação no fim de carreira.
    Se a trajetória profissional do indivíduo é indiscutível, invejável, inimputável, há sempre aquele desvio de conduta que a sociedade até usa como ilustração da velha máxima de que ninguém é perfeito, mas que verdadeiramente suja a biografia, porque atinge o caráter, a dignidade, a moral do sujeito quando resvala na família, nos amigos, e quando cai em domínio público, ainda mais agora com toda essa conexão desenfreada, expondo de forma quase que letal a vida desse povo vacilão.
   Dentro de uma visão mais humanista, no melhor dos sentimentos sobre o próximo, é animador contabilizar mais acertos que erros, mais virtudes que defeitos, as melhores proezas prevalecendo sobre as pantomimas dos mortais.
   Mas dentro de quem vive esse inferno agora na prorrogação da vida deve ser doloroso fazer essa autoavaliação e constatar uma dor, uma culpa, e não ter o privilégio de gozar de forma plena e satisfatória aquela maravilhosa sensação do dever cumprido. 

sexta-feira, 21 de abril de 2023

RECOLHENDO O EDREDOM

   

   Parece que finalmente começou a cair a audiência do Big Brother Brasil, segundo comentários em canais especializados no assunto. Eu digo finalmente porque já se esperava essa mudança. Eu mesmo nunca vi serventia alguma em ver aquela gente mostrando as vísceras pra ganhar um milhão e meio de reais.
    Mas tudo bem. De qualquer forma, não há pesquisa alguma medindo a popularidade do mais famoso reality show da paróquia. Hoje não é mais necessário sair batendo de porta em porta pra avaliar os níveis de aceitação e rejeição da peça.
   Há mais de vinte anos quando o formato estreou na tv essa era a maneira mais eficiente de ver se uma determinada programação era bem vinda pelo público, inclusive o Big Brother. Com o advento das redes sociais ficou mais fácil apurar e tirar alguma conclusão sobre como se comporta uma turma confinada para ganhar dinheiro e ficar famoso, tudo junto e misturado.
    E é justamente esse novo ambiente, essa nova ferramenta que tratou de desviar os holofotes do Big Brother Brasil para escanteio.
   Se antes era bom negócio para a mídia, para especialistas e anunciantes tirar proveito do reality com novidades diárias, barracos, desavenças e encrencas bombando a todo instante, o que de repente permitia altas teses, estudos e considerações sobre os dramas da humanidade, muitos antropólogos, sociólogos e uma outra gama de gente vidrada em bisbilhotar a vida dos outros aproveitaram pra tirar conclusões e de repente até trazer mais respostas sobre de onde viemos, como estamos e para onde vamos, essas dúvidas que atormentam muita gente até hoje.
  Veja como um programa que pra mim não tem utilidade alguma, mas para muitos estudiosos é um amplo e rico campo de estudo, quem diria.
   Só que hoje a vida das pessoas nas redes sociais, esse entrelaçamento de confusões e problemas, as diferenças, todas essas tretas que a gente vê diariamente quando liga a celular já de manhã cedo, tudo isso já virou um grande filão para os tais especialistas.
   Então, o que já era inútil para pessoas como eu que não tem interesse algum em se debruçar sobre a vida alheia num reality show, imagine agora para os experts no assunto que têm disponível um universo muito maior, com mais elementos, mais dados, enfim, um ambiente muito maior, onde as pessoas vivem uma vida muito mais atribulada arrumando confusão, causando discórdia, brincando de influenciar as pessoas, faturando com algoritmo, tráfego de dados, essas coisas, enfim, um reality show numa dimensão maior, em larga escala.
   Ou seja, tudo que a galera de todas as edições do Big Brother Brasil sempre perseguiu até hoje, fama e dinheiro, é possível conquistar em stories de Instagram, Tiktok com mais entretenimento e menos stress, vai vendo.
   Mesmo sabendo que as redes sociais já incorporaram as mesmas futilidades do reality show, é animador saber que o Big Brother Brasil finalmente vai para o paredão.

terça-feira, 11 de abril de 2023

A VOLTA DA CHIBATA

             

  A sociedade brasileira vem ao longo de sua história acompanhando e lamentando esses episódios envolvendo o racismo numa sequência de eventos de falas preconceituosas, de cancelamento, de ódio, tudo dentro da herança que ficou no seio da realidade brasileira, mesmo depois que o Brasil, com muito custo, resolveu interromper o processo de escravidão em terra brasilis.
    A gente fala de herança porque é um processo que está dentro da carga genética que todo mundo carrega, e isso cria influência no meio em que se vive.
  É basicamente isso que explica esse comportamento bizarro em que tem sempre um estúpido chamando alguém de macaco, a torcida jogando banana em campo, a madame esculhambando o porteiro, a polícia que não pode ver um preto dirigindo ou descendo o morro, as fazendas tocadas em regimes de senzala, e por aí vai.
  Enfim, institucionalmente a escravidão acabou, mas o processo continua, impregnado no tecido social, inserido na rotina urbana e rural em todos os quadrantes desse nosso país cheio de contradições, até quando isso?
   Não se sabe ao certo, porque vai sempre vir à tona algum evento, um destempero qualquer, um novo ensaio para dar prosseguimento ao velho pensamento servil e escravagista.
   Agora mesmo, ou melhor, domingo, dia 09, a ex-atleta de vôlei Sandra Mathias usou a coleira de cachorro para agredir um entregador, olha só. Ela batia no homem com o acessório do animal, a peça que virou o chicote açoitando as costas do cara.
     Não tem como não lembrar de tudo que o Brasil viveu naquela cena triste e emblemática para um passado que ainda parece existir, infelizmente. A mulher reproduziu fielmente a chibata como meio de imposição no seu entrevero com aquele homem negro. É o ideal elitista, o ranço escravocrata, o discurso do ódio solapando o sujeito e tomando todo o contorno do que se pode considerar até hoje o momento mais triste e sofrido da trajetória política e social do Brasil.
    Está cheio de gente por aí com esse pensamento retrógrado, com uma chibata à postos, esperando só um motivo, um conflito, uma rusga qualquer para realimentar o velho separatismo num país verdadeiramente miscigenado. Qual é a parte que essa gente ainda não entendeu?
   É preciso reforçar cada vez mais as denúncias, as políticas públicas, assim como os legisladores adequarem as leis vigentes à realidade atual, os entendimentos, as tipificações, de modo a tornar mais rigorosas as punições a quem insistir em manter viva essa prática nefasta e hostil à sociedade brasileira.


domingo, 9 de abril de 2023

NAO PENSE QUE É O FIM



   Eu não falo da morte com a sabedoria dessa gente de espiritualidade diferenciada. Com a profundidade de quem já está há muito tempo peregrinando por ai e investigando essas coisas que eu até desconfio estar bem além do espaço entre o céu e a terra.
   Eu acho até que a morte vai ter um outro sentido quando a gente partir efetivamente desse plano. E como não estaremos mais por aqui, dificilmente vai haver algum esclarecimento sobre como será essa passagem.
   A própria ressurreição dá à morte um caráter especulativo sobre um fim definitivo da trajetória dos mortais, pelo menos aqui nesse plano, mas isso está numa outra seara de discussão.
   Então, consideremos a morte como o estágio mais profundo, mais triste e medonho da existência humana. Se a principal definição da ressurreição é a renovação, então há a possibilidade de retornar do inferno em que parece viver aqueles que se sentem desafortunados, entorpecidos, fulminados, fragmentados, enfim, destruídos em seus projetos de vida.
  Seja numa bagagem que alguém escolhe carregar, uma doença que acomete qualquer um, uma decepção que brota no peito, um infortúnio qualquer que desmonta a estrutura, há sempre uma morte rondando alguém, porque a gente é frágil e falho.
   A gente não só come mal como  também fala mal das pessoas, sente inveja dos amigos e comete excesso de toda natureza. A gente sente culpa por ter feito uma escolha errada ou por não ter acolhido quem nos pede ajuda. A gente se endivida sem necessidade e ainda bota culpa nos outros. É uma lista interminável que marca uma morte no currículo de cada um nessa terra.
   E já que a ressurreição é a oportunidade do recomeço, que possamos prevalecer nossas virtudes sobre os defeitos. Já que tomamos a graça da renovação, que tratemos de torná-la útil para nós, para aqueles que nos cercam, para o meio em que vivemos. Já que tivemos a sorte dessa providência, que façamos por merecê-la, enfim.
   Não falta a ninguém a capacidade de renovação. A ressurreição que hoje o mundo festeja traz essa lembrança na mensagem sobre o recomeço, sobre um novo fôlego, sobre um novo estímulo em nossas vidas.
   Talvez falte apenas a vontade dentro do livre arbítrio que todo mundo carrega em sua bagagem.
  A motivação maior da ressurreição é para que não pensem que é o fim.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

DEIXEM AS CRIANÇAS EM PAZ


 
  Afinal de contas, qual será o destino da humanidade? Com certeza é uma pergunta que sugere várias respostas. Quanto mais o tempo passa, mais as culturas vão se envolvendo, se conectando, e com isso abrem-se várias possibilidades para onde caminhará essa gama de gente respirando a todo instante, e os homo sapiens ocupando quase o lugar um do outro ao mesmo tempo.
    A gente já tem uma ideia de como vamos sobreviver a essas transformações todas, seja no plano ideológico, cultural, ambiental, religioso, enfim, não faltarão elementos para discórdias. O problema maior é a sociedade lidar com essas tragédias e barbaridades sem que essas aberrações não se banalizem de fato, pois, já há sinalização nesse sentido.
    Já há indícios de que teremos de correr contra o tempo para salvar o que ainda está de pé, conservar o que ainda pode ser útil, preservar tudo aquilo que ainda pode trazer esperança, sem que a gente precise arrastar correntes como fórmula de sobrevivência, de evolução. Sem que a gente continue assim, respirando por aparelho e fingindo que está tudo bem.
     A vida está perdendo valor e ninguém interfere nesse processo. As crianças estão morrendo, vítimas do ódio. As leis em vigor não são suficientes para punir com o rigor necessário. As tecnologias estão virando vilãs da humanidade.
    O que já era ruim está ficando pior com o advento dessa inteligência artificial, que certamente vai contribuir também para distorcer os fatos, a realidade, as verdades, os valores, a razão, com efeito irreversível na vida das pessoas.
   E assim vai caminhando a humanidade, protelando o fim de suas desgraças, desviando o foco de suas atrocidades, enquanto surge uma novidade tecnológica que só instiga ainda mais as indiferenças, as desigualdades e a intolerância.
    É uma passagem infeliz da história humana interromper os sonhos, matar as crianças, fechar os livros, riscar as poesias e ignorar os benfeitores, aqueles que servem de referência até hoje nas artes, nas ciências, na fé, enfim, um monte de gente que deixou um legado que serve de exemplo, mas neguim não se emenda.
   É verdade que devemos estar sempre concentrado em pensar de forma positiva, praticar as melhores ações, canalizar as melhores energias e projetar o melhor para o futuro, mas a gente alerta também sobre o mal que nos ronda constantemente, e infelizmente a gente usa nosso tempo precioso para falar desses assuntos nebulosos e tristes.
    Nesses tempos de reflexão sobre como diminuir o peso da cruz que cada um nasceu fadado a carregar, é triste constatar, pelo contrário, o fardo cada vez mais pesado dessa gente cruel e desumana.
                                                                        
                                                                               Foto: R7