quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

LÁ SE VÃO AS REFERÊNCIAS



   Tem uma questão do tempo que passa bem despercebido das pessoas, no momento em que ficamos envolvidos e concentrados num outro elemento que o tempo também se encarrega de revelar, mas de uma forma mais explícita.
    A gente vai envelhecendo e vai também absorvendo e adotando como modelo a ser seguido todo um conjunto de ações e recomendações que forjam o jeito de ser de cada um.
    Cada vez que a gente olha para aquela pessoa que deu essa contribuição lá trás, a gente vislumbra essas pessoas com satisfação, com o coração pulsando num compasso diferente, porque elas são diferenciadas, sim. E a gente precisou delas por várias vezes. Estava sempre ali disponível pra qualquer resenha, para um ou tantos sufocos dos quais fossem necessários tirar.
   Mesmo depois de cascudo, feliz de quem tem o seu guru de estimação pra mandar aquele esporro em forma de papo reto, aquele colo que a gente está sempre precisando, alguém pra falar que você está fazendo merda a metro, ou que a gente está mandando bem, tirando onda, essas coisas.
   Pois é, gente, o tempo voa e essas pessoas vão sumindo de nossas vistas. Vão sobrando poucos recursos pra nós. Chega uma hora que não tem ninguém a quem recorrer mais. Meus pais se foram; meus tios, todos partiram; até aqueles velhinhos clientes que viraram amigos e conselheiros também meteram o pé.
    E até normal se sentir meio que sem chão por alguns instantes, como que órfãos em várias circunstâncias da vida. A gente amava se ver em enrascada, porque o socorro logo vinha. O mundo não acabava com nossas tragédias, desamores, topadas e gripes. A expectativa era sempre de uma luz no fim do túnel.
    Mas a luz não se apaga, nem dá tempo, porque a página vira, nêgo véio. Há uma mudança de rumo em curso no universo de cada um, uma mudança de status, porque viramos uma outra figura nesse mesmo cenário.
    Com o tempo, fomos perdendo aquelas pessoas que eram nossas referências. Não há ninguém mais lá na frente. Ainda bem que aprendemos a voar, pois agora nós temos seguidores nessa outra parte da viagem.
    Nós é que somos a referência agora de um monte de gente bronzeada, que vem atrás do que você tem a lhes dizer, a fazê-los chorar, se for preciso, porque eles querem ser disciplinados, adulados e amados o tempo todo, até se sentirem importantes no mundo real, não no virtual, obviamente.
    À medida que vamos perdendo nossos ídolos de verdade, passamos a vestir capa e empunhar espada. Passamos a ser o colo de quem espera isso de nós, nos tornamos protetores de filhos, netos, sobrinhos, alunos e afins.
   Apesar das lacunas que ficam pela ausência das pessoas, somos privilegiados pela mudança de papéis, por uma nova responsabilidade, por uma nova missão e desafio. Afinal de contas, chegou a nossa vez de contar histórias, pois há quem as ouçam.
    Em todo esse caminho que ainda falta percorrer, essa é a segunda parte de viver intensamente.

domingo, 7 de janeiro de 2024

O APITO FINAL DO ZAGALLO

  

   De todos os períodos do futebol brasileiro, esse talvez seja o mais emblemático com a morte de Zagallo. O aspecto contemporâneo do futebol deixa uma grande marca em sua trajetória, agora com o Zagallo saindo de campo.
   A gente olha para trás e lembra de outros expoentes do futebol, que partiram e deixaram grandes legados, num período em que o futebol brasileiro ainda parecia figurar verdadeiramente no topo, não só pelas conquistas como também pelo protagonismo de jogadores de talento inquestionável atuando em outras praças fora do Brasil.
    Agora, a gente vê o Zagallo saindo de cena no mesmo período em que o futebol do Brasil não goza mais do status que tinha num passado não muito distante de glória que o próprio Zagallo contribuiu para eternizar.
   Nesse espaço de tempo em que o Velho Lobo parecia lutar pela vida e precisava resistir bravamente, o futebol brasileiro também foi definhando nos últimos tempos. Basta olhar para o ranking atual e verificar a posição do Brasil.
   Então, por tudo que o Zagallo representou como jogador ou como técnico, a sua morte é também o fim de uma era do futebol.
   De tantas injustiças registradas na história do futebol, esta seria a mais cruel de todas elas e para o próprio Zagallo testemunhar o declínio do nosso futebol. Imagine o Zagallo num estado de consciência vivenciar o fim do futebol-arte assim de forma tão bisonha como é um gol contra.
    Não...definitivamente seria um sofrimento muito grande para o Zagallo inaugurar uma era diferente e mais bizarra na forma como conduzem o futebol brasileiro hoje em dia. Seria um contrassenso enorme o Zagallo ter de engolir essa gente despreparada e estúpida à frente da entidade máxima do futebol.
  Não mesmo...seria demais aos olhos e coração de Zagallo ser contemporâneo também desses novos tempos de incerteza nos rumos do futebol. Talvez ele mesmo, o Zagallo, dentro de sua sabedoria e capacidade, como nos velhos tempos, atropelaria o Carlo Ancelotti e sua petulância de menosprezar a seleção brasileira.
    Tudo que Zagallo fez acontecer no futebol não poderia jamais se contrastar com essa atmosfera sombria que ronda a praça brasileira sem expectativa alguma de evolução, modernização e, consequentemente, de ascensão ao topo, aquele lugar que o Zagallo costumava ocupar.
   Hoje, com o futebol brasileiro meio que às avessas nessa questão da gestão e condução do seu rumo, a gente nem sabe se o Zagallo suportaria transitar entre o céu e o inferno depois de tudo que ele proporcionou para o futebol. Ele certamente pediria para ser substituído, sobe a plaquinha.
    Enfim, a morte de Zagallo se confunde com o fim do que era o melhor do futebol brasileiro antes do apito final.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O REFÚGIO

   

  Mesmo nos anos anteriores de pandemia, apreensão e pouca expectativa a gente já comemorava, imagine este ano em que diminuiu drasticamente aquela preocupação de contágio, aquela loucura toda que ninguém esquece.
    Foi um ano de muito trabalho, praticamente todo mundo retomou suas vidas, uns começando do zero; outros, que nem lembram onde tinha parado, enfim, a agenda voltando à normalidade, com muita cautela, claro, que ninguém está de bobeira mais, salvo algumas exceções, mas muita gente aprendeu a ficar mais ligado nas coisas.
    E foi justamente esse cenário que se desenhou na mente das pessoas. Eu bem vi isso em conversas, em postagens, uma concentração maior às questões pessoais, de fórum íntimo.
    Em meio a essa confusão de conciliar tarefas e projetos, elementos inerentes ao mundo interior de cada um ganham finalmente relevância e prioridade. A verdade é que muita gente ficou tão envolvida em cumprir metas e ocupar mais espaço que não sobrou tempo para si mesmo.
   Durante a pandemia as pessoas se ocupavam de alguma atividade para espairecer a mente e diminuir a aflição daquela loucura, que pode até ter deixado sequelas em muita gente que agora vai precisar dar uma repaginada antes de cair no mundo novamente.
   Hoje, mais do que mostrar resultados promissores, de fama, engajamento, visibilidade, dinheiro, essas coisas, existe questões de saúde, emocionais e de espiritualidade, sobre as quais as pessoas estão investindo mais porque descobriram que isso impactam positivamente em suas vidas, já que interferem diretamente nos projetos de toda ordem.
   Não tem como prescindir de autocontrole, equilíbrio emocional e segurança em seu mais alto grau para atingir objetivos, realizar os maiores sonhos e se consagrar de fato.
   Se isso vai implicar uma ligeira mudança de hábito, os resultados vão mostrar que valeu o sacrifício de focar numa coisa de cada vez para buscar os resultados que se esperam.
   Enfim, uma revolução necessária na vida de muita gente que a essa altura certamente já deve estar até experimentando uma nova sensação de se desligar um pouco de redes sociais, televisão e tudo que possa desviar o foco de questões importantes que vão precisar de recolhimento num espaço de tempo conveniente à agenda social de cada um.
   Como um refúgio, é só uma questão de organização para surgir um outro tempo precioso em nossas vidas.

                                                              Foto: Observador 

domingo, 26 de novembro de 2023

A VEZ DOS COROAS

  

   A velhice está sendo confundida com o fim da vida faz tempo. Não falo isso pela dinâmica com que a galera da terceira idade tem vivido com o extremismo do culto ao corpo e a capacidade de conciliar uma e outras atividades que já ultrapassaram há muito tempo a resignação pelos limites que o peso do tempo vai impondo.
    Pois é, não há surpresa alguma nesses tempos em que a medicina e a tecnologia vão andando de mãos dadas em prol da gente, eu já me incluo, pronto, com 58 já estou podendo comemorar também essa nova era e gozar dos benefícios do que já estava disponível, mas muita gente esquecia que podia, que era capaz, enfim...bem diferente de quando as pessoas lembravam que não podiam mais, olha a diferença.
   É um olhar diferenciado, uma forma de pensar diferente que ajudaram a transformar tudo ao redor junto com as novas ferramentas, tudo bem, mas e a bagagem que cada um carregou nessas estradas afora? Há um progresso na vida de cada um, quando a experiência adquirida contribui verdadeiramente para a adequação aos novos tempos.
   Essa nova e velha geração da qual eu pertenço teve de se adaptar às novas tecnologias para pagar contas, comprar remédio sem sair de casa e andar de Uber. Isso já é um trunfo. Mas tudo que a gente aprendeu a fazer na vida gerou maturidade, inteligência e um mínimo de racionalidade para facilitar essa adaptação e ainda de quebra seguir seu rumo sem neurose.
   Se teve um ou outro que não conseguiu acompanhar esse ritmo, ele certamente tem alguma coisa escondida, recolhida na velha carcaça que vai operar uma transformação qualquer em prol de si mesmo, além, claro, das broncas nos mais novos, pra ver se essa gente toma tendência na vida, porque a gente ainda é uma referência pra muita gente, que privilégio.
   Uma conexão que gera uma troca. A gente recorre a eles pra fazer download, essas coisas, mas o nosso papo reto também serve de upload para eles, olha que moral. Valeu, coroa, é mais que uma retribuição, é um reconhecimento.
   Talvez aprendemos a respeitar os mais velhos lá na infância para justamente se criar agora essa noção de que haveria uma importância bem além daquilo que cada um se propôs a fazer na vida.
   Mesmo que a gente vai com o tempo perdendo nossas referências, muitos se foram, a gente continua aqui servindo de norte para alguém que ainda conta conosco para prosseguir adiante. Muita gente ainda não se acha perdido e sem chão, justamente porque ainda estamos por aqui.
  A nossa sociedade ainda não cultiva o hábito de preservar o que vem lá de trás, incluindo nós, vai vendo. As leis, o mercado, a cultura ainda são hesitantes pra lidar com os coroas. E ainda ganhamos mais concorrentes, porque a tendência é a inteligência artificial, a robótica passarem a perna numa parcela considerável da terceira idade, na mesma proporção com que já somos atropelados pela intolerância.
   Se serve de alerta para quem quer que seja, nossas possibilidades são mais amplas do que se imagina. Podemos acrescentar e contribuir muito mais do que acreditam por aí. 
   Definitivamente, plantar árvore, escrever livro, gozar e respirar novos ares não têm prazo de validade.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A SAFRA RUIM DO BRASIL



   O atual status da seleção brasileira já permite fazer um balanço de uma forma bem diferente de tudo que já foi analisado, apreciado, discutido e questionado sobre o time brasileiro, toda vez que a equipe cai de produção e fica abaixo daquilo que sempre se esperou da seleção brasileira.
   Para muitos críticos e pela própria evolução do futebol nesses últimos tempos seria natural que a seleção ficasse mais uma vez mais de vinte anos sem ganhar uma Copa do Mundo, no mesmo intervalo em que já ficara de 70 até a campanha do tetra em 94.
   Não saiu de nenhum personagem do futebol brasileiro as teorias, formulações, estéticas e demais configurações de caráter evolutivo que remexeram e desenharam um novo cenário para o futebol. Ou seja, não brotaram de nosso rico solo fértil de nossos gramados as melhores ideias de reformulação do velho esporte bretão.
   Não somos nós, brasileiros, as cabeças pensantes dessa grande transformação. A gente apenas vem exportando nossos talentos, espalhando para várias praças nossos garotos, que para felicidade geral da nação, se tornam protagonistas do que há de melhor dentro das quatro linhas.
   Só que de uns tempos para cá a safra vai ficando cada vez mais escassa. E diferente de outros tempos, essa gama de jogadores que atuam fora do Brasil não representa o supra sumo, a garantia, a certeza de que a seleção brasileira vai voltar a figurar entre as melhores.
   O mesmo cuidado que comentaristas sempre terão para destacar o talento desse grupo atual, incluindo os que não vestem a amarelinha, pode ser usado também para criticar, descer a lenha no desempenho da seleção sem citar nomes, porque, de repente, isso é o que menos importa.
   Basta ver a composição das seleções anteriores. Jogadores que figuram em escalações por duas, três Copas, enquanto as seleções concorrentes do Brasil se renovam constantemente. Aqui, a gente vê as mesmas caras sempre disputando Eliminatórias, Copa América, Copa do Mundo. Aquela figura que não jogou nada na Copa, não fez nem gol, quatro anos depois aparece lá com nova tatuagem, corte de cabelo mais ousado, a chuteira com mais cores.
    Não precisa muito esforço para perceber que a atual safra de brazucas jogando fora do Brasil é inferior tecnicamente a um conjunto de jogadores atuando aqui dentro, disputando nossas principais competições, que podem perfeitamente formar um grupo capaz de representar fielmente o nome Brasil, principalmente numa Copa do Mundo.
   Olha o Brasileirão aí pegando fogo todo ano. Vários jogadores se destacando, esperando e merecendo uma chance na seleção e uma filosofia completamente arcaica e estranha na cúpula da CBF impedindo e descartando qualquer possibilidade de renovação na seleção brasileira.
    Vale lembrar que a seleção brasileira atualmente tem um técnico interino em plena disputa por uma vaga na Copa, porque um certo postulante ao cargo não deu certeza de assumir, gerando não só aquela expectativa como também revelando o amadorismo, o retrocesso, tudo junto e misturado da entidade máxima do nosso futebol.
   É um conjunto de fatores que precisa ser revisto para que haja de fato indício de renovação no futebol brasileiro. Como não há previsão de o Brasil voltar a ganhar uma Copa tão cedo, tudo leva a crer que a seleção poderá, não demora muito, ficar fora de uma Copa e isso servir de elemento principal para uma tão sonhada transformação, quem sabe.
   Tomara.

domingo, 15 de outubro de 2023

SAUDADES DA TIA WANDA



   De todas as coisas que eu aprendi com a tia Wanda, o melhor foi o conceito de compreensão e amor.
   Tabuada, caligrafia, pesquisa na biblioteca, ditado, cabeçalho até chegar à equação de segundo grau foram, sim, importantes para eu ser alguém na vida.
   Mas, outro dia deu um branco na mente, esqueci quanto era oito vezes sete, ai eu perguntei para a Alexa, tá tranquilo. Hoje, o mais importante é saber pesquisar no Google e ter uma letra razoavelmente legível pra não sofrer bullying, tá ligado?
   Equação de segundo grau, então... até hoje eu não sei pra que serve. Também, pudera...eu fiz humanas, não precisei me aprofundar nesse negócio. Mas, ditado...bom, ditado foi fundamental pra eu ter um blog no futuro.
   No mais, a gente até tinha alguma dificuldade em assimilar certas questões, mas a tia Wanda facilitava tudo pra nós com aquela paciência que eu...na moral, eu não teria diante de tanta mente que bugava e a professora tendo de configurar uma por uma, de carteira em carteira com toda a calma do mundo.
   Não é possível, ela devia tomar alguma coisa pra relaxar quando chegasse em casa, um Fogo Paulista, sei lá, acho que sim, era o energético daquela época.
   A única coisa que realmente tirava a tia Wanda do sério era o falatório em sala enquanto ela explicava. Ela prendia a língua entre os dentes para demonstrar raiva e, claro, plantar o terror, mas era por uma causa nobre, e todo aquele destempero se transformava em amor rapidamente.
   Ela era bonita, elegante. Não perdia a linha de jeito nenhum. Se tivesse algum aluno, talvez até eu mesmo, que ela quisesse esganar pela falta de empenho ou baixo repertório mesmo, ela se mantinha alí, ó, no salto, na disciplina, sem sair da graça de forma alguma. Acredito que até nisso ela fez escola.
   A tia Wanda questionava a dúvida do aluno fazendo um afago no rosto ou na cabeça do moleque na maior demonstração de carinho de que se tem notícia. Hoje, ela certamente chamaria o garoto no zap quando chegasse em casa para concluir a explicação, porque os professores são assim, os únicos que trabalham fora de seu local de trabalho. Eles almoçam corrigindo prova. Afinal de contas, foram os professores que inventaram esse negócio de home-office, entende.
    Ao longo da vida ou da carreira, como queiram, a tia Wanda certamente trincou os dentes muitas vezes no ano letivo, mas, com certeza, foi amada na mesma proporção.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

CADÊ AS PIPAS DE GAZA?



  “Bola ou búlica?”. Como se fala em outra língua? “Pipa no alto não tem letreiro” tem tradução literal?
    Em tempos normais estaríamos celebrando o dia dedicado às crianças. Esse dia em que a gente olha para nossas crianças, nossos filhos, sobrinhos, netos e muitos desses pequenos seres próximos de nós e a gente faz aquela viagem fantástica pelo tempo já vivido.
   Em tempos normais a gente se transportaria para quando éramos crianças para se renovar, eu sempre acreditei nisso, até hoje eu faço isso.
   Mas não dá agora, pelo menos hoje e em mais alguns dias, mais alguns meses, sei lá, porque a guerra interrompeu a brincadeira. Sim, é claro que a gente vai lembrar das crianças de qualquer quadrante do planeta. Qualquer lugar onde haja uma criança sendo criança. Qualquer lugar onde os sonhos não são interrompidos e nenhum moleque muda de fase fora do tempo.
   A gente fica aqui bem distante de toda aquela confusão, de toda aquela barbárie e lembra quantas brincadeiras nossas ficaram no currículo de qualquer gente grande. Dá até vontade de procurar onde tem um pião à venda, um saco de gude. Pipa, então...nossa!! Eu acho que na minha época a camada de ozônio era formada de pipa, mas deixa pra lá.
   Infelizmente, a gente se transporta para os céus de Gaza e arredores, clamando o fim do conflito que parece não ter fim e vai com certeza interferir no futuro de mais e mais gerações, enquanto durar essa implicância. Tem criança ali que nem sabe o que é Hamas, o que é Intifada. Tem criança ali que ainda não entende por que não pode brincar com o garoto que veste aquela roupa diferente, que reza de outro jeito.
   Mesmo assim as crianças brincam quando sobram espaço e oportunidade; mesmo sabendo que de repente o bicho pega e a brincadeira acaba antes de a bola cair na búlica; mesmo sabendo que a pelada de hoje pode ser cancelada por motivo de força maior em toda a extensão da palavra. O céu agora não tem pipas, só foguetes.
   Seria muito tortuoso e humilhante para as crianças daquela faixa de terreno ficar detalhando como se enquadram os escombros no cenário de milhares de crianças agora com o playground transformado em campo de batalha, de terrorismo, de angústia e medo. Ainda assim é triste imaginar como ficou o campinho de terra batida cheio de prédios amontoados e desmontados.
   Já sabemos que Gaza já é uma terra arrasada, mas é possível imaginar que as crianças voltarão para brincar e encontrarão a pracinha toda retorcida e cheia de entulho. 1, 2, 3, Salim, aí atrás da pilastra...! Criança se reinventa e retoca uma paisagem cinzenta e fúnebre num visual lírico. Criança recicla e refaz o castelo de areia. Criança inventa moda toda vez que precisar. Nós é que achamos bizarro, não tem graça alguma essa brincadeira, mas, vai fazer o quê?
    O pior da guerra é não livrar as crianças. É o primeiro sinal de que o futuro do mundo está comprometido quando as crianças recolhem suas pipas para os foguetes passarem.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

A FAIXA DE PÓLVORA



   Tão triste quanto ver as imagens de devastação e perdas de vidas humanas de ambos os lados desse conflito entre Israel e a Palestina é o racha que isso causa na sociedade em geral.
   Tenho visto nas redes sociais as pessoas condenando as ações de um lado só dá guerra, ou seja, neguim torcendo para um em detrimento do outro. Os dois lados estão guerreando, matando e morrendo ao mesmo tempo. Os dois lados praticando as mesmas atrocidades de seu oponente.
   Há vidas ceifadas nos dois lados, famílias destroçadas, pessoas completamente vulneráveis, sem armas nas mãos, gente que nem estão jogando pedra em ninguém.
  Para todos os povos e nações que estão diretamente envolvidos no conflito, a questão ideológica, política e até tecnológica vem há muito tempo protelando essa animosidade.
   Uma questão que se arrasta, mas que teve também quem mediasse por várias vezes um diálogo entre as duas partes.
   Infelizmente ao longo desse tempo que a gente já conhece do conflito, lá no meio daquela gente, tanto de um lado quanto do outro, teve muito mais quem não aceitasse um eventual acordo de paz. São pessoas presas a conceitos e princípios religiosos e políticos, que por suas posições “precisam” matar por uma causa.
  Mas, houve quem corresse por fora nesse processo. Yasser Arafat, por exemplo, lutava pela causa palestina, era aberto ao dialogo, mas sofria retaliações da ala mais radical de seu povo. Assim como Yitzhak Rabin, que sempre esteve inclinado ao processo de paz entre Israel e a Palestina e foi morto por um extremista de sua própria pátria quando participava de um evento que reivindicava justamente a paz, é mole um negócio desse? Junto com Shimon Perez, Arafat e Rabin ganharam o Nobel da Paz em 1994 por toda a contribuição à paz na região.
   Hoje, a contenda continua e não há sinais de um lado ou de outro de alguém disposto a retomar um processo de paz, o que indica mais um tempo de distúrbios naquela região. E as pessoas que vão escapando das bombas, das rajadas renascem dos escombros, mesmo com feridas e chorando seus mortos.
   E por incrível que pareça, a vida continua naquele lugar. Pessoas que só sofrem, mas não pegam em armas. Gente que querem distância de seus inimigos, mas não procuram ninguém para atirar pedras ou insultos. Gente que convive muito bem com as diferenças, pode acreditar.
   Pois é, quando muitos pensam que há ali um separatismo geral e irrestrito, enganam-se. Há registros de relação conjugal entre israelenses e palestinos, grandes paixões, amizades fortes entre os jovens de ambos os lados, que passam ao largo de toda essa rusga histórica. Definitivamente, a Faixa de Gaza e o resto do território de Israel não são de todo um barril de pólvora.
   Afinal de contas, a Cabala, o Alcorão não são manuais de instruções para discórdia e ódio. Assim com a gente vê por aqui as pessoas botando pilha e acirrando os ânimos, por lá tem mais ainda gente com a faca nos dentes e nos storys, mas tem, com certeza, outra parcela interpretando de seus dogmas os versículos que pregam a melhor convivência entre as pessoas.

sábado, 7 de outubro de 2023

ATÉ QUANDO?



  O caso dos médicos atacados e confundidos na Barra da Tijuca só mostra a dimensão da área de risco na cidade do Rio de Janeiro. Porque não tem como achar que em toda essa efervescência e magnitude do Rio há um lugares específicos para ocorrerem barbaridades como essa.
   Se em outros cantos da cidades, nas comunidades ou seja lá onde for, há casos de violência com outra natureza e circunstâncias, em todos os casos, independente de lugar e tempo é a vida de alguém que está em perigo.
  Essa ação rápida dos matadores dos médicos só mostra o quanto a bandidagem pode ocupar o espaço público e sitiar a cidade para suas empresas de ações criminosas, ampliando cada vez mais suas áreas de atuação como já vemos nesses confrontos entre facções, em várias localidades, importunando a vida das pessoas, fechando ruas, escolas, unidades de saúde, e o pior, matando inocentes, sem que haja uma resposta rápida do poder público para reprimir essas ações criminosas.
   Até outro dia, bandidos foram flagrados fazendo treinamento de guerra no Complexo da Maré num espaço destinado ao lazer dos moradores. Tão logo foram divulgadas as imagens, era para a polícia ocupar a região como uma satisfação à sociedade. O mínimo que se esperava. E então, houve alguma reunião com a cúpula de segurança para traçar algum plano?
   É uma afronta total à liberdade das pessoas. Até quem não vive nessas localidades se sente acuado, porque esses expedientes de preparação visam justamente expandir futuras ações que vão certamente atingir outras áreas da cidades e com isso mais pessoas correndo riscos. E o governo do estado que poderia também estar treinando para proteger a população apenas dá entrevista mostrando uma indignação que é bem diferente do sentimento da população com toda essa situação.
   A cidade respira como sempre respirou pela sua mobilidade e funcionalidade de uma metrópole importante, rota de entretenimento dos forasteiros, trabalho, oportunidades, turismo e tal, mas com pouco ou nenhuma segurança e conforto para nós que vivemos aqui.
   A gente fala essas coisas parecendo sempre um fato novo, uma questão nova a ser resolvida, mas são repetições de velhos erros, são retoques do mesmo cenário de uma cidade que tem condições e recursos para empregar inteligência e tecnologia capaz de conter as ações da criminalidade.
   E quanto mais o tempo passa, mais ficamos reféns. Até quando?

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

SEQUELAS

  

    Quando tudo voltará ao normal? É uma pergunta feita e ouvida, meio que ao vento, com as palavras soltas e o pensamento também planando em várias cabeças por aí. Porque, o que seria o normal nesses tempos em que nada é mais novidade?
    Embora já fossem eminentes as transformações ao nossos redor, há uma parcela de gente ainda incrédula diante de tanta mudança de rumo, de curso, de tanto desvio de trajetória.
    Ainda que a evolução desse mundo louco já estivesse no script, há coisas que ainda apavoram as pessoas na forma como os fenômenos ocorrem, violenta, intempestiva, e o que é pior, deixando marcas, sequelas que em muitos casos ficarão para sempre.
    A gente fala de tudo que rola por aí e ocorre simultaneamente, aumentando ainda mais a dimensão dos nossos medos e preocupações. As mudanças climáticas e as doenças já é certo de estarem no calendário do mundo, assim como as crises, conflitos e mazelas que fazem parte do cotidiano, pulsando na mesma cadência dos nossos batimentos.
   A diferença é o grau, o tamanho das marcas que vão ficar em cada um, porque, claro, cada um tem sua estrutura física, emocional, espiritual própria para absorver os eventos e a energia que vem junto de todo e qualquer fenômeno.
    Passa a ser uma questão pessoal conviver, sobreviver e resistir a algo que agonia e corrói por dentro. É um desafio na vida de cada um prosseguir num cenário de condições adversas dentro de seu mundo particular.
   É certo que cada um tem seus recursos, seus amigos, sua família, seu amor, seu analista, sua fé e crença, a gente sempre recorre a eles, mas tem aquela coisa bem particular, algo diferente que cada um busca e acrescenta à sua bagagem naqueles recolhimentos que a gente faz em silêncio, um momento único.
   Eu tiro por mim os conflitos que já enfrento por causa de meus projetos, junto às preocupações com a minha tribo, com quem compartilho minhas atenções e amores.
   Não tem jeito, é uma cruz que cada um como eu vai fazer questão de carregar, porque o triunfo, o sucesso e a glória, enfim, vão depender dessa vitória particular. Nessa hora, é cada um com o seu b.o, amigo. Falam muito isso por aí. É um estímulo para quem vê as coisas pelo lado bom da vida.
   Portanto, que estejamos sempre preparados para o que der e vier. Só assim tudo volta ao normal.

domingo, 25 de junho de 2023

O PREÇO DO DELÍRIO



     Toda vez que o assunto tecnologia ganha espaço e repercute bastante há sempre a expectativa de algo inovador, alguma coisa que possa efetivamente viabilizar a vida das pessoas, pelo menos daqueles que tenham a oportunidade, a grana ou a sorte de ter um brinquedo novo.
    Rendeu bastante o caso do submersível que levou à bordo as cinco pessoas para verem de perto o que sobrou do Titanic lá no fundo do mar e deu no que deu.
   A gente precisa ser bem cauteloso para falar sobre coisas que estão diretamente ligadas à liberdade das pessoas, porque, claro, vai parecer que é julgamento, perseguição, essas coisas bem em voga nos dias de hoje.
    Com relação à geringonça usada na fatídica aventura submarina, não parece que tenha sido algo inovador aquela cápsula, pois já é certo que o equipamento nem seguia as normas de convenção que regulam toda e quaisquer ações abaixo da linha do mar. Chegaram até a ventilar que o negócio era controlado por um jostick, será?
   Bom, de qualquer forma quem é do ramo sabe que todo cuidado é pouco, enfim. Inclusive, as expedições ao Titanic feitas antes seguiram todos os critérios de segurança, e tudo que precisava ser recuperado, investigado e revisto foi feito, não sobrou nada lá embaixo.
    E é aí que entra a outra questão que é bem delicada, mas importante, porque resvala em projetos de vida, em ambições, em propósitos, em sonhos e aspirações, em objetivos para ser mais preciso na causa. Objetivos movidos por bastante dinheiro, diga-se de passagem. Um monte de gente cheia da grana buscando novas aventuras, altos investimentos, mas nada que configure inovação de fato, algo que venha efetivamente trazer benefícios futuros, porque, qualquer tecnologia tem essa premissa básica em sua concepção, ou pelo menos deveria ter.
   A gente vê com bons olhos esse povo querendo ir ao espaço, explorar outro planeta, bacana. Isso pode trazer dados importantes para pesquisas e investimentos verdadeiramente sérios. No meio dessa enorme galáxia pode ter gente vivendo melhor que nós, usando de forma mais sensata suas próprias descobertas e o dinheiro que eles também devem suar para ganhar. Falta só alguém ir lá pra ver essas novas formas vidas e voltar para a Terra com as amostras pra gente ser feliz também.
   No caso específico desse expediente de ir ver o Titanic adormecido lá nas profundezas, não acredito que haja algum elemento, algum atrativo que possa compensar todo o esforço e investimento, muita grana empregados naquela aventura para quê? Que proveito teria sido tirado no retorno da viagem? O que trariam na bagagem que pudesse ter utilidade?
    Pode ser até que essa tragédia estimule o endurecimento de novas normas para futuras empreitadas dessa natureza por parte das autoridades dos países. Mas há questões igualmente importantes que podem ser repensadas quando se imagina que os sonhos, os delírios, os desejos de cada um podem gerar novas formas de vida ao nosso redor.
    Eu mesmo tenho na cabeça umas ideias que parecem boas, só me faltam a grana que essa gente tem e não sabe gastar. Isso dá um papo de botequim, fica para depois.