domingo, 26 de novembro de 2023

A VEZ DOS COROAS

  

   A velhice está sendo confundida com o fim da vida faz tempo. Não falo isso pela dinâmica com que a galera da terceira idade tem vivido com o extremismo do culto ao corpo e a capacidade de conciliar uma e outras atividades que já ultrapassaram há muito tempo a resignação pelos limites que o peso do tempo vai impondo.
    Pois é, não há surpresa alguma nesses tempos em que a medicina e a tecnologia vão andando de mãos dadas em prol da gente, eu já me incluo, pronto, com 58 já estou podendo comemorar também essa nova era e gozar dos benefícios do que já estava disponível, mas muita gente esquecia que podia, que era capaz, enfim...bem diferente de quando as pessoas lembravam que não podiam mais, olha a diferença.
   É um olhar diferenciado, uma forma de pensar diferente que ajudaram a transformar tudo ao redor junto com as novas ferramentas, tudo bem, mas e a bagagem que cada um carregou nessas estradas afora? Há um progresso na vida de cada um, quando a experiência adquirida contribui verdadeiramente para a adequação aos novos tempos.
   Essa nova e velha geração da qual eu pertenço teve de se adaptar às novas tecnologias para pagar contas, comprar remédio sem sair de casa e andar de Uber. Isso já é um trunfo. Mas tudo que a gente aprendeu a fazer na vida gerou maturidade, inteligência e um mínimo de racionalidade para facilitar essa adaptação e ainda de quebra seguir seu rumo sem neurose.
   Se teve um ou outro que não conseguiu acompanhar esse ritmo, ele certamente tem alguma coisa escondida, recolhida na velha carcaça que vai operar uma transformação qualquer em prol de si mesmo, além, claro, das broncas nos mais novos, pra ver se essa gente toma tendência na vida, porque a gente ainda é uma referência pra muita gente, que privilégio.
   Uma conexão que gera uma troca. A gente recorre a eles pra fazer download, essas coisas, mas o nosso papo reto também serve de upload para eles, olha que moral. Valeu, coroa, é mais que uma retribuição, é um reconhecimento.
   Talvez aprendemos a respeitar os mais velhos lá na infância para justamente se criar agora essa noção de que haveria uma importância bem além daquilo que cada um se propôs a fazer na vida.
   Mesmo que a gente vai com o tempo perdendo nossas referências, muitos se foram, a gente continua aqui servindo de norte para alguém que ainda conta conosco para prosseguir adiante. Muita gente ainda não se acha perdido e sem chão, justamente porque ainda estamos por aqui.
  A nossa sociedade ainda não cultiva o hábito de preservar o que vem lá de trás, incluindo nós, vai vendo. As leis, o mercado, a cultura ainda são hesitantes pra lidar com os coroas. E ainda ganhamos mais concorrentes, porque a tendência é a inteligência artificial, a robótica passarem a perna numa parcela considerável da terceira idade, na mesma proporção com que já somos atropelados pela intolerância.
   Se serve de alerta para quem quer que seja, nossas possibilidades são mais amplas do que se imagina. Podemos acrescentar e contribuir muito mais do que acreditam por aí. 
   Definitivamente, plantar árvore, escrever livro, gozar e respirar novos ares não têm prazo de validade.

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