quarta-feira, 17 de março de 2021

GRATIDÃO

 

   Tem dia que as árvores nem balançam de tão sinistro que fica o dia. Não tem nem como chamar de calmaria, de sossego, esse estado em que nada se move.
   Na cultura dos pássaros deve ser mesmo  tenebroso uma árvore que não se move que eles nem pousam por ali, ou talvez eles até saibam que um silêncio é necessário por ali, daí irem cantar em outra freguesia.
   Mas o que era estranho, medonho e sem sentido acaba sendo revelador, pois é de um silêncio desse que a gente precisa. Na verdade, nada era tenebroso e triste, tudo era de propósito mesmo, aquela conjunção de fatores conspirando a seu favor.
   Num estado normal de cantoria dos passarinhos, da brisa que abraça as pessoas, esse corre-corre de gente respirando e sobrevivendo, passam mesmo despercebidos as tragédias e um monte de gente partindo pra nunca mais voltar.
   Por um instante a gente até esquece quanto tempo já dura esse negócio e até quando vai continuar esse martírio das pessoas perdendo o fôlego e sumindo do mapa. Por um instante a gente até esquece quantas pessoas nunca mais veremos, porque o cansaço desconfigura a memória. O cansaço de tanto sentir saudade de quem era a extensão de nós. Porque cansa, demanda energia ficar rebobinando a fita e enxergando cada vez mais distante alguém que continua sendo nossa referência e inspiração.
   Agora só há espaço na mente para prosseguir; só há espaço para lutar e insistir; e um cantinho bem apertadinho lá no fundo do hipotálamo  para agradecer a tudo isso. Porque não pode passar em branco a coragem que você ganhou, e o quanto a gente se fortalece mesmo sofrendo revezes a todo instante.
   O cara que perde a mãe, o pai, aquele abraço predileto, sai driblando tempestade e ainda mete um gol, esse cara somos nós que fomos escalados para contar histórias. Esse cara somos nós que vamos oferecer o que temos de melhor. Há um propósito para esses caras que somos nós, que vamos rever as pessoas que nos inspiram e os lugares que nos encantam, não demora muito.
   Daqui pra frente, tudo que envolve esses caras que somos nós é passível de gratidão, desde a grande conquista de continuar a caminhada, passando pelo privilégio de resistir às perdas e a expectativa de um novo horizonte.
   Gratidão sempre.
    
 

sábado, 13 de março de 2021

MISTURA

 

    Parece que houve uma mudança de rumo em nossos planos de se vacinar. Eu falo nossos porque a maioria quer se imunizar, tem até pesquisa comprovando. Dá até pra dizer que passamos de fase, houve uma evolução.
   Se antes mais parecia que ninguém tomaria vacina alguma por causa da implicância do Paulo Guedes em gastar dinheiro, aos poucos o Bolsonaro vai se dando conta de que vai ter de morrer na mão de alguém que venda vacina, não tem jeito. Já teve gente até tentando desenrolar com os chineses pra liberar a mercadoria sem ressentimentos e crise diplomática.
   O Rodrigo Maia não guardou mágoa pelo Baleia Rossi e ligou também pra ajudar; até o Lula, quem diria, também passou um zap pro chinês, lá, dando aquela moral. Afinal de contas, é o Brasil acima de tudo, né, gente.
   Agora a minha dúvida é saber qual delas eu vou tomar, se eu vou poder escolher lá na hora, enfim, ou se eles é que vão decidir qual a que combina com o perfil de cada um, tudo ali, rapidinho pra não atrapalhar a fila.
   O problema maior é a segunda dose que terá de ser a mesma da primeira, já foi tudo acertado, combinado direitinho,  segundo determinação das autoridades sanitárias. Daí que esse negócio de sair comprando tudo pode dar ruim depois. No final das contas vai ter, sim, mais de quatrocentos milhões de dose, mas vai ter de fazer igual ao jogo da velha, os pares certinhos, senão o cara quando voltar lá pra tomar a segunda dose não vai ter a mesma.
   Lembrei agora daquelas resenhas de churrasco, que você leva sua Brahma e no final tem de beber a Itaipava do malandro.  Às vezes, no dia seguinte, você nem lembra que a saideira tinha um gosto diferente.
   Pois é, com as vacinas também não tem como saber o efeito de eventual mistura, se vai alterar o genoma, virar jacaré ou embaçar a vista, sei lá... tá muito cedo e ninguém especulou sobre isso até agora.
   Então, o ideal é não misturar. Até porque, essa nova variante ai, já completamente adaptada ao meio, como bem sugere a seleção natural, já mostrou que veio pra ficar, ficar bagunçando o coreto. Quem é bebedor sabe disso.

quinta-feira, 11 de março de 2021

O STF SOBRA NO BRASIL

 

    Certamente ia dar pano pra manga a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula nos processos referentes à Lava Jato.
   Nem conta como algo que se possa aproveitar as discussões acaloradas nas redes sociais, porque essas resenhas se restringem ao emocional, à paixão, ao fanatismo, elementos que põem mais combustível na velha polarização, sem no entanto acrescentar algo positivo, racional, melhor dizendo. Lembrando que por causa desse comportamento irascível tem gente presa e outras sendo investigadas, justamente por disparar verbos e adjetivos à imagem do STF, numa prática bem corriqueira em Facebook, Instagram e Whatsapp,  nas timelines e storys de gente teleguiada e sem noção.
  Mas isso é completamente irrelevante dentro das considerações  que as pessoas de bom senso fazem para  analisar os fatos da nossa realidade, da nossa história, enfim.
   Agora...falando com toda a seriedade que o assunto sugere, houve quem criticasse a demora do STF em chegar à conclusão sobre as tretas de Moro em conluio com integrantes do ministério público, em toda aquela saga para condenar o ex-presidente.
   Mas, o importante para a sociedade foi a disposição da Suprema Corte, ainda que em caráter monocrático, de interpelar a atuação de um integrante do próprio meio jurídico, no caso do agora ex-juiz Sérgio Moro, que mesmo de instância diferente, não desmantela o corporativismo, que dentro da cultura de qualquer  atividade costuma blindar seus pares de eventuais contratempos em suas funções. Se há registro de algum magistrado que tenha sofrido alguma represália ou punição por sua conduta no ofício, talvez demore um pouco mais até que apareça outro caso com a mesma repercussão das tramoias do Sérgio Moro pra prender o Lula de qualquer maneira, atropelando os trâmites  legais, como bem entendeu Edson Fachin em sua explanação e veredicto.
   Nesses tempos em que a democracia brasileira vive momentos extremos, com ataques de toda ordem, não deixa de ser emblemático que uma decisão dessa natureza, num momento mais que oportuno,  passe a ideia de fortalecimento das instituições, com efeito o próprio STF, que demonstra estar atento a qualquer tentativa de ruptura de qualquer coisa que faça parte da democracia, inclusive o estado de direito.
   O Brasil já viveu tempos sinistros, em que era impensável uma agenda institucional assim tão transparente, digna e comprometida com os ideais que foram firmados com muito esforço no processo de redemocratização do país.
   Ainda que passe despercebido de uma parcela extremamente retrógrada, ignorante e alienada, como se vê no comportamento nas redes sociais, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal tenha essa iniciativa, esse compromisso com a democracia, ainda mais por ser o STF o guardião da constituição brasileira.
   A corrupção no Brasil é uma das muitas mazelas que precisamos erradicar, mas dentro do espírito democrático; conforme os mecanismos de segurança e justiça permitem; de acordo com as prerrogativas de cada agente envolvido; sem passar por cima de ninguém nem das leis.
   Se há homens frágeis e imorais para encarar esse grande desafio, temos instituições sérias e fortes como o Supremo Tribunal Federal para implementar esse grande projeto.
 

segunda-feira, 8 de março de 2021

TODO PODER ÀS MULHERES

 

    O único ambiente em que se pode verdadeiramente  discorrer, debater, analisar, implementar e botar em prática quaisquer procedimentos, decisões e atualizações pertinente ao universo das mulheres é o cenário político, não tem jeito.
   As constantes divulgações  de dados e informações dos indicadores sociais referentes às mulheres mostram e sugerem a urgência de políticas públicas que remexam todos esses números atuais  que revelam a discrepância de conquistas, direitos, oportunidades e necessidades das mulheres em todos os seus níveis de atuação na realidade brasileira, que pelo tempo que passou já era para estarem completamente atualizadas, dada a presença cada vez mais forte das mulheres na sociedade.
   A gente transporta tudo para o ambiente político para dimensionar o debate dentro do espectro do poder, que é onde de fato vão se desenhar novos rumos e reverter o quadro atual de danos às mulheres em todos o seus estratos sociais.  É no ambiente político que são traçados todos os projetos que embasarão a importância de todas as mulheres do Brasil.
    É no ambiente do poder que vai se fazer valer a questão da representatividade, o elemento mais importante para se buscar soluções de ordem social, econômica e cultural dentro da agenda feminina. Não tem como resolver questões de qualquer natureza, sem que haja uma representação fiel do universo das mulheres nas casas legislativas, principalmente. Quando se fala de todas essas aberrações que a gente vê  sendo divulgadas constantemente na mídia, a principal delas, a violência contra as mulheres, é no meio político, na seara do legislativo, mais precisamente, que surgirão os mecanismos que vão se adequar à atual realidade brasileira no que se refere à direitos, igualdades e penalizações, toda vez que houver um chamamento para equiparar as oportunidades ou reparar os danos causados às mulheres ao longo de todos esses tempos.
    Para isso, é preciso que mais mulheres componham os parlamentos municipais, estaduais e federal, de forma que se reproduza fielmente o universo das mulheres de todo o Brasil. Apenas com um número cada vez maior de mulheres deputadas, vereadoras, prefeitas, governadoras e presidenta é que será possível fazer alterações nos códigos em vigor, leis penais e trabalhistas, para começar a diminuir o impacto social que agressões às mulheres, por exemplo, geram na sociedade, sem que o atual mecanismo jurídico não puna com o rigor necessário, assim como a discrepância salarial entre gêneros nos quadros trabalhistas das empresas precisa ser equacionada dentro de uma agenda completamente inovadora nesse sentido.
    Todas as mudanças que permitiram uma presença cada vez maior das mulheres na sociedade brasileira seguiram o fluxo normal que também se verifica em outras nações,  inclusive, mas no Brasil sempre houve essa lacuna da representatividade que agora precisa ser preenchida com a urgência e celeridade que a questão sugere. Louve-se a luta de todas as mulheres que ao longo desses anos, dessas décadas, conquistaram seu espaço e deram voz a tantas outras que não tiveram como soltar o seu grito de liberdade e conquista.
   Aos poucos a gente vai vislumbrando esse novo horizonte, em que uma nova composição no cenário político vem trazendo mais reconhecimento e conquistas para as mulheres, apesar da resistência de uma sociedade ainda machista e preconceituosa, que ainda tenta emperrar esse processo.
   Agora, mais do que nunca, todo o poder às mulheres, para que haja de fato uma luz de modernidade na sociedade brasileira como um todo.
 

quinta-feira, 4 de março de 2021

O INDIVÍDUO COLETIVO

 

   Não há nada na vida que não haja retorno. Não há nada na natureza humana que não tenha uma compensação. Assim como uma sorte tem um momento de tensão, um sofrimento qualquer tem um conforto, um alívio.
    Só que nessa pandemia, pelo menos aqui no Brasil, há um efeito perverso em toda essa expectativa de prevenção, tratamento e cura da população. Isso acontece nesse ambiente em que a política interfere negativamente nesse processo de imunização da população, numa agenda que protesta contra o isolamento, em função da economia das cidades, do país, mas se arrasta no expediente de aquisição das vacinas.
   Ou seja, tirando esses indivíduos que insistem na aglomeração frenética, há um consenso de que a reboque do isolamento e suas consequências na renda dos brasileiros, que venham os benefícios que na verdade nem poderia ter sido interrompidos, e as vacinas que trarão a segurança para cada um tocar sua vida novamente e com efeito as finanças do país com um todo. É um cenário que revela uma das essência da natureza humana: a cota de sacrifício e a recompensa ao final de tudo.
   Mas pra não dizer que não há nada que possa amenizar a angústia de todos, resta a fé das pessoas, realimentando a todo instante a esperança de uma solução imediata; resta aquele abraço revigorante quando há a oportunidade de um encontro; uma mensagem sequer de alguém distante em forma de carinho; resta o aplauso para mais uma vida que renasce.
   São ações isoladas que fazem muita diferença na questão humanitária. Talvez seja a única coisa positiva de caráter individual, no momento em que o coletivo é que deveria nortear o melhor caminho para todos. É cada um fazendo a sua parte dentro de um propósito bem particular de vida, dentro de um projeto pessoal de fazer o bem e pronto.
   É um conforto maravilhoso para os olhos, para a mente, para o coração ver um sujeito qualquer surgindo do nada e oferecendo o que tem de melhor, como a professora, que movida pela saudade se embalou em um plástico gigante e foi de casa em casa abraçar seus pequenos. Ou do cara que parou aqui na esquina da minha rua com seu saxofone e soltou um louvor seguido de pregação, e foi efusivamente aplaudido pelas pessoas nas janelas. Ficou a sensação de que as pessoas precisavam daquele conforto, chegou em boa hora. Eu mesmo renovei naquele instante minha crença num mundo melhor. Se não for pela força do conjunto, a união de todos e tal, haverá sempre alguém munido de um cajado, de boa-fé, com sabedoria, luz e amor a serviço da humanidade.
   Por mais paradoxal que seja afirmar, essas aglomerações revelam a dificuldade de organização do homem em seu papel social, e os males do mundo vão se remediando, mais pela ação isolada do homem, o isolamento em todos os sentidos.
   O conforto do coletivo em caráter individual.

segunda-feira, 1 de março de 2021

A HORA DO RIO

 

   No aniversário da cidade do Rio de Janeiro a gente até faz alguma reverência pra não deixar passar em branco a importância desse lugar maravilhoso para todos aqueles que aqui vivem.
   A gente até faz uma menção qualquer, mas sob outra ótica, não mais com ênfase nessa estética dos cartões-postais, cujos clichê e retórica não condizem mais com a realidade do Rio de Janeiro.
   A minha rotina diária por aqui me permite avistar o relógio da Central do Brasil todos os dias, e já faz muito tempo que eu vejo sempre o mesmo horário marcado lá no alto daquela torre, os ponteiros parados no mesmo ponto todos os dias, como se não fosse mais relevante marcar o tempo na cidade; como se não fosse mais importante para todos saber o tempo das coisas ao nosso redor, o tempo de cada um, o tempo da própria cidade maravilhosa, apesar de toda a efervescência que revela justamente o tempo e as pessoas andando de um lado para o outro.
   Pois o Rio de Janeiro cresceu assim, cheio de contradições misturadas à sua atmosfera,  em que o simbolismo do tempo, mais precisamente o tempo do relógio da Central, é uma síntese da realidade da cidade hoje.
 Além daqueles ponteiros completamente imóveis, estáticos, parece que muita coisa parou no tempo no Rio de Janeiro. É como se nada andasse por aqui há muito tempo, apenas as pessoas, porque alguém tem de trabalhar nessa cidade, e o povo é o único elemento que se pode exaltar, pela luta e resistência a todos os problemas que sempre fizeram parte de nossa agenda.
   Ao longo desses 456 anos, se houve transformações ficaram no plano estético em sua grande maioria, pois o mais importante do conjunto que é o Rio de Janeiro, a vida das pessoas, o bem-estar, o conforto, a segurança e a satisfação de viver por aqui, tudo isso teve muito pouco investimento, muito pouca atenção por parte de quem se aventurou em fazer do Rio de Janeiro aconchegante para os próprios moradores, mas não atingiu o seu objetivo, porque nunca governaram com o mesmo espírito da população, nunca tiveram a raça, a coragem e, principalmente, a responsabilidade que cada carioca tem de cumprir o seu papel.
   Porque, se tem uma coisa que nunca parou de funcionar por aqui é o povo respirando, correndo atrás, suando a camisa e carregando o seu fardo em sua rotina diária, faça sol ou chuva.
  Apesar de toda a angústia, sofrimento e apreensão dos cariocas como um todo em seu dia a dia, há em cada um a expectativa de ver o relógio da Central voltar a funcionar novamente, aqueles ponteiros gigantes mudando de lugar a todo instante, inclusive, iluminados também à noite, revelando o brilho da nossa cidade; marcando o tempo exato da cidade, pra mostrar a todos que o Rio de Janeiro precisa voltar a funcionar de fato, dando moral aos moradores, não ao forasteiro, ao visitante que só vem em época de festa e pega tudo arrumadinho por uns dias.
    Se o melhor do Rio é o carioca, tudo que pode e deve melhorar por aqui será pensando na população, que não vê a hora de voltar a ter orgulho de viver na cidade maravilhosa.