Uma mulher está na Guiana Francesa, vivendo e trabalhando com uma lacuna, um vazio, que se não chega a interromper sua história, pelo menos oxigena a tristeza contida nela. Ela tem o olhar distante, como que a procurar seu filho, ao longe, perdido em sua terra natal, o Haiti, com a dura missão de prosseguir em sua infeliz rotina de quase órfão. Aquela negra que varre, limpa e espera o tempo passar também renova a esperança de encontrar seu fliho, podendo voltar a vê-lo, ou esperando sua chegada repentina.
Pelas manobras que a diplomacia dos dois países fazem para tão intrincada questão, não demora muito e o avião pousa em terra firme, trazendo o seu rebento, agora quase homem.
Pela expectativa que se forma e o sofrimento pela incerteza do final feliz ou trágico, ainda assim o horizonte desponta à sua frente, com a fé de um dia poder sorrir novamente. Quando tudo parece perdido, eis que o semblante da infeliz muda, depois de angustiantes noites ao som de grilos.
Já em Realengo, o desafio maior é da reconstrução. Juntar os caquinhos, agora que as aulas foram retomadas, fica mais complicado, no momento em que se deve conciliar a dor que aperta , toda vez em que for fazer o trajeto que a morte fez, subindo as escadas e invadindo a sala de aula, e a responsabilidade de seguir em frente, buscando o combustível dessa nova caminhada em sua própria angustia, como forma de superação humana.
São duas histórias de perda com trajetórias diferentes. É como se essas pessoas tivessem ido ao inferno por caminhos diferentes.
Para quem fica aqui nesse plano a perda tem uma dimensão muito maior do que se possa imaginar. Tão trágico quanto a ausência de alguém importante é a lembrança de nunca mais poder investir no futuro do filho, interrompido abruptamente.
A evolução humana está em constante movimento porque estamos sempre trocando figurinhas, passando adiante tudo que concebemos como útil para nossa espécie. Estamos sempre projetando em alguém especial o futuro que não conseguimos realizar, botar em prática, ou dando prosseguimento, através de outra geração, a um projeto bem-sucedido que deve ser empurrado para frente e aprimorado depois.
Quando ficamos sem aquela pessoa em quem confiávamos, em quem poderíamos depositar as nossas fichas, parece que corremos o risco de sermos extintos, pois nunca mais amaríamos alguém que pudesse herdar nossas maiores aspirações e conquistas.
Deve ser por isso que tememos a morte, pois seu silêncio acaba cortando nosso próprio barato, até sermos trazidos de volta para a realidade que não interessa porque o mundo não mais gira, a banda parou de tocar, a criança não chora, não mama. É com se houvesse um intervalo entre a vida e a morte.
Por conta de nossas limitações e fragilidades, habitamos também o mundo da lua, o universo virtual, onde se mata sem alguém morrer, onde se goza sem ter prazer; e assim vamos fingindo que somos fortes.
Tão forte que não nos damos conta de que o recreio já terminou e a professora já está na sala.
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