Desde o momento em que aquela bola passou por Barbosa, sem pedir licença, muito pouca coisa mudou até os dias de hoje. A expectativa que se formou em torno daquele espetáculo se confundia com a própria construção do maior estádio do mundo. A cada tijolo assentado, a cada suor derramado aumentava a perspectiva de futuro de um Brasil em construção. Muito antes de Gighia desferir aquele chute que desmoronou a nossa soberania, havia um grande desafio em curso: tornar continental um país entregue à sorte dos coronéis; uma nação, cujas mazelas Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos ajudaram a desnudar.
O triunfo do inimigo em nossos domínios parece que já prenunciava a nossa dificuldade de fazer o dever de casa. Na verdade, não era muito confiável entregar nosso destino nas mãos daquele caudilho camaleônico, cujo oportunismo o travestia, ora de déspota, ora de populista. O ópio de que precisávamos era a estética da razão, essa sim, capaz de entorpecer as mentes, tornando-as efervescente e pensante. Bem que o antídoto para essa enfermidade poderia estar prescrito no Plano de Metas! Mas nosso caro pé-de-valsa preferiu se rodopiar nos salões do high society e maquiar o país com estrada, chaminés e ilusões perdidas.
Finalmente o primeiro triunfo brasileiro dentro das quatro linhas. O primeiro grande gozo. Nem Freud poderia imaginar o princípio do prazer em larga escala. Pronto! Temos tesão suficiente para pressionar o regime por mudanças.
Pensando nisso, e antevendo uma aproximação maior desse povo cheio de energia, ficou decidida uma nova sede, bem longe dos centros urbanos. O artista até vai aonde o povo está; político prefere distância. E alcançar o Cerrado pode ser tão complicado quanto o caminho que vai dar ao sol. Menos mal que muitos refugiados da seca do semiárido foram ganhar o pão nos canteiros de obra do Planalto Central.
Quando Bellini levantou mais uma vez a nossa moral, a estudantada e a classe artística já faziam barulho, ecoando muito além das cercanias do Plano Piloto. A canetada dos generais operou uma mudança drástica no nosso cotidiano. Um misto de repressão e dor manchava de sangue a minha, a sua e a nossa dignidade. Com esse rodo cotidiano ficava difícil fazer barulho como se fazia em Praga, Paris ou Woodstock. E o pente só não foi mais fino porque os caras eram muito imbecis, e muita coisa passava despercebido. Às vezes dava até para avisar que a banda e o samba iam passar.
O cala-boca que se instaurou nos deixou inútil por uns tempos. O Delfim pegava dinheiro e não conseguia pagar; a indústria do vestibular resolveu escolher o que iríamos escolher para entrar na faculdade. A, B, C, D, E!!! Paulo Freire deve estar dando cambalhota em sua sepultura até agora.
Havia um pessoal que via o sol nascer quadrado; outros que viam as horas no Big Ben, como se fosse o relógio da Central. Tinha gente que passeava pelo Arco do Triunfo, imaginado os Arcos da Lapa. Quando finalmente essa galera cumpriu alguns jogos de suspensão, eis que já estava todo mundo dominado. A cultura que imperava era justamente aquela que não incomodava.
A democracia foi finalmente inaugurada. Há espaço pára todo. Exatamente nessa ordem, cada um governa um pouquinho, como nos tempos do café com leite. Coitado daquele baixinho lá de São Borja! Querendo fazer um ménage-a-trois numa sociedade monogâmica.
Hoje, os maiores paladinos do progresso do país viraram casada. O sono profundo do gigante adormecido parece letárgico, tal qual a incapacidade que se vislumbra de usar o controle remoto e a urna eletrônica. A palavra de ordem agora é o slogan do conformismo. Deixe a vida me levar!
Para a Copa de 2014, só faltava mesmo reconstruir o Maracanã.
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