domingo, 17 de janeiro de 2021

MUITO ALÉM DO OXIGÊNIO

 Aquela imagem do homem transportando às pressas um cilindro de oxigênio para salvar um parente internado dá a dimensão da calamidade que atinge o Brasil nesses tempos de pandemia. A gente fala de calamidade apenas para ilustrar a penúria que não deveria existir. É claro que há outros fatores que completam esse quadro medonho, em que a expectativa de vida das pessoas é quase nula.
   É triste ver o Brasil com todas as suas instituições e órgãos públicos aparelhados, mas completamente inertes nas mãos dos homens públicos, que parece terem perdido a noção do princípio da coletividade, do conjunto que faz tudo isso funcionar, as cidades, os estados e o país.
   Ao mesmo tempo em o cidadão comum ignora as regras de convivência em sociedade, quando há a necessidade e a responsabilidade dos cuidados básicos para combater a doença, o próprio poder público também age de acordo com a conveniência dos mandatários, cada um na sua esfera de debilidade política.
   Esse caso triste em Manaus é um assunto de ordem nacional, em que deveria reunir todos para uma única solução: salvar vidas. Era para estar o presidente, o governador e o prefeito local juntos numa agenda de gerência de crise, como bem propõem e sugerem as prerrogativa de cada um deles em seus cargos. Isso é o mínimo que poderia rolar dentro de uma questão humanitária. É o mínimo se eles estivessem de fato preocupados com a população, apenas tentam transparecer isso, mas sem, no entanto, agir de acordo. O que se vê é cada um querendo tirar proveito da situação, como nas outras tragédias pelo país afora, em que vidas humanas se perderam, nada foi resolvido, mas mesmo assim teve gente lucrando com a situação de uma forma ou de outra. Veja os casos de Brumadinho, Mariana, região serrana com as chuvas fortes, estão até hoje esperando por soluções, mas pode procurar que alguém tirou proveito da tragédia.
   Nesse quadro da pandemia é a mesma coisa. O presidente Jair Bolsonaro fica ai nessa disputa política com o João Dória, e não sossega enquanto não for dele o pioneirismo da vacina contra a Covid- 19. Ele como mandatário do país tinha de estar lá no front, nos escombros, vendo a situação dos estados, colocando toda infraestrutura da União para auxiliar os governos estaduais. É assim que um líder político se comporta, não batendo boca com adversários políticos, atacando a imprensa e o aparelho jurídico a todo instante, num expediente bem distante de suas reais responsabilidades que seu cargo confere.
 Pode ser que agora com a aprovação das primeiras vacinas pela Anvisa o governo se comporte como o gestor público eficiente, mas sem comemorar, porque, seguindo as atribuições do governo federal para solucionar o problema, não faz mais que obrigação a atuação correta e visando à saúde da população.
   Em nome do individualismo, seja do homem público ou do cidadão comum, nunca se viu de forma tão intensa no Brasil a politização de uma questão social e humana. Vê-se agora o desprezo pela vida das pessoas numa dimensão maior. Desde o sujeito que ignora sua própria proteção e se aglomera sem culpa alguma; as prefeituras que flexibilizam a rotina da cidade por força de interesses comerciais; aos políticos sem escrúpulos que querem se eternizar no poder, tudo contribui para desconstruir o caráter coletivo dos grandes problemas nacionais, tudo isso deixa o cidadão de bem entregue à própria sorte, como o brasileiro lá em Manaus levando o oxigênio para o seu parente.
    Já houve a crença de que estaríamos evoluindo a cada desafio lançado em nossa realidade. A experiência de tanta resistência e luta desenharia o melhor conjunto da sociedade brasileira. A maturidade que a gente parecia alcançar nos faria um povo à frente do nosso tempo. Mas, infelizmente as pessoas, independente de seu papel social, instituíram de vez o velho expediente de puxar a brasa pra sua própria sardinha.
   A essa altura do campeonato, a vacina que vai chegar só vai amenizar a dor do momento, pois a sociedade vai continuar doente de outros males. Porque,  pelo menos para o individualismo não há nenhum remédio para combatê-lo, por enquanto.
 

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