Longe de mim reproduzir o
estilo estupendo das construções gramaticais e sintáticas de João Ubaldo
Ribeiro em sua nobre e irretocável arte de retratar as mazelas do brasileiro.
Só que para quem se acostumou a sentir de perto a aflição que reside na base da
pirâmide, fica fácil descrevê-la, mesmo que em linhas tortas.
Uma das coisas mais
exaltadas pelos estudiosos, escritores, novelistas, corneteiros e congêneres é
a capacidade da população brasileira de resistir às intempéries do cotidiano,
enquanto os mentirosos insistiam na tese de que as coisas haveriam de melhorar.
Mesmo com o lombo ardido de
tantas bordoadas, lá estava o povo se refrescando na laje, o pagode comendo
solto, o churrasco no ponto, a cerveja gelada, o rolé pelo shopping, e o resto, empurrando com a barriga.
O futebol quando funcionava
como válvula de escape imperou por muito tempo como ícone de congraçamento
social. A cada troféu levantado, o triunfo coletivo e as esperanças renovadas.
Hoje, eis que o espetáculo da
bola na rede já não remonta o clímax das massas, o gozo frenético que tanto
extasiou as multidões, enquanto o homem da lei se blindava com suas jogadas de
efeito.
Pela capacidade que o povo
brasileiro começa a ter de separar o joio do trigo, o espetáculo do futebol vai
também perdendo esse poder de minimizar o desconforto dos indivíduos; vai aos
poucos desconstruindo a velha cortina de fumaça entre o oculto e o explícito;
vai lentamente neutralizando os efeitos da anestesia geral.
Se antes já se exaltava em
prosa, crônica e verso as agruras do homem brasileiro, hoje se festeja a
mudança de rumo que ele mesmo promoveu para si, através da literatura dos novos
tempos, o mundo virtual, um novo instrumento capaz de expor as mesmas feridas,
antes fadadas a não cicatrizar jamais.
Em três semanas ou mais de manifestações pelo
Brasil ficou evidente o surgimento de um novo homem racional; o que está dentro e fora das quatro linhas; aquele que se diverte e corre atrás
do prejuízo.
A liberdade que lhe permite
fazer escolhas se mostra mais forte, no momento em que ele parecia inebriado
pelo ópio, pelo ufanismo, pelo jogo de cores e palavras. Dentro do estádio, a
torcida brasileira não hesita em torcer pelo mais fraco diante do monstro que
pode nos ferrar na lá na frente, na final.
Se o torcedor-eleitor transportar essa tendência para as urnas, aquele sujeito com apenas 1% de intenções de voto pode ser mais instigante pelas suas propostas que o rei da cocada preta. Basta ele ter essa percepção durante o processo eleitoral. A dignidade passa a contar ponto nesse processamento de ideias.
É por isso que fizeram
reverências ao Taiti e execraram a Espanha, a única que pode desmoronar a nossa
soberania futebolística, pelo menos nessa Copa das Confederações.
Daqui para frente, essa será a tônica de um novo tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário