Nada poderia ser mais
angustiante para a Irene agora que as luzes vão se acendendo em todos os pontos
de seu trajeto cotidiano, nas fachadas, nos postes, nas árvores, nas vitrines,
no mesmo ritmo do corre-corre frenético ao final de mais um ano de celebrações
pelas conquistas do período, ou de juntar os caquinhos pelos revezes de um ano
conturbado como foi o da Irene em 2013.
Vão passar muitos calendários
e primaveras até que a senhora da bolsa marrom desmanche a tristeza estampada
como maquiagem e conserve apenas a saudade dos tempos em que tudo tinha outras
cores, outras formas, outras luzes.
As bodas de ouro, o passeio
matinal, o comprometimento ao longo desses anos, a árvore frondosa dessa união,
tudo são marcas de uma história que tomou outro rumo com a ausência de seu mais
fiel companheiro de todas as horas.
Se não podemos resistir ao
nosso próprio fim, pelos menos temos o desafio de sobreviver ao passamento de todos
daqueles que nos rodeiam, sem, no entanto, conviver com aquelas dores profundas.
E as angústias da Irene certamente ela não carrega em sua velha bolsa marrom.
Simplesmente estão estampadas em meio às rugas.
Fica até mais fácil para quem
chora até hoje uma grande perda compreender esse enredo trágico da Irene.
Apenas coincidiu de ser no Natal,
mas seria tão doloroso quanto em outros momentos o infortúnio de quem perdeu
seu amado. E a Irene vai passar por muitos Natais com esse vazio, assim como o
sujeito que dorme sob a marquise; a família desalojada pelas enchentes; o
desempregado que não teve o que comer; o pai em frangalhos, que enterrou sua
filha por causa de uma bala perdida e todos os outros farrapos humanos.
Para essas pessoas, as luzes
de Natal não têm o brilho intenso. Elas sobrevivem da dor alheia, porque eu e
mais de um milhão de outros seres mortais também compartilhamos a miséria e a
desgraça como sendo nossas também.
Para essas pessoas, os sinos
não dobram.
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