segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O REFÚGIO

   

  Mesmo nos anos anteriores de pandemia, apreensão e pouca expectativa a gente já comemorava, imagine este ano em que diminuiu drasticamente aquela preocupação de contágio, aquela loucura toda que ninguém esquece.
    Foi um ano de muito trabalho, praticamente todo mundo retomou suas vidas, uns começando do zero; outros, que nem lembram onde tinha parado, enfim, a agenda voltando à normalidade, com muita cautela, claro, que ninguém está de bobeira mais, salvo algumas exceções, mas muita gente aprendeu a ficar mais ligado nas coisas.
    E foi justamente esse cenário que se desenhou na mente das pessoas. Eu bem vi isso em conversas, em postagens, uma concentração maior às questões pessoais, de fórum íntimo.
    Em meio a essa confusão de conciliar tarefas e projetos, elementos inerentes ao mundo interior de cada um ganham finalmente relevância e prioridade. A verdade é que muita gente ficou tão envolvida em cumprir metas e ocupar mais espaço que não sobrou tempo para si mesmo.
   Durante a pandemia as pessoas se ocupavam de alguma atividade para espairecer a mente e diminuir a aflição daquela loucura, que pode até ter deixado sequelas em muita gente que agora vai precisar dar uma repaginada antes de cair no mundo novamente.
   Hoje, mais do que mostrar resultados promissores, de fama, engajamento, visibilidade, dinheiro, essas coisas, existe questões de saúde, emocionais e de espiritualidade, sobre as quais as pessoas estão investindo mais porque descobriram que isso impactam positivamente em suas vidas, já que interferem diretamente nos projetos de toda ordem.
   Não tem como prescindir de autocontrole, equilíbrio emocional e segurança em seu mais alto grau para atingir objetivos, realizar os maiores sonhos e se consagrar de fato.
   Se isso vai implicar uma ligeira mudança de hábito, os resultados vão mostrar que valeu o sacrifício de focar numa coisa de cada vez para buscar os resultados que se esperam.
   Enfim, uma revolução necessária na vida de muita gente que a essa altura certamente já deve estar até experimentando uma nova sensação de se desligar um pouco de redes sociais, televisão e tudo que possa desviar o foco de questões importantes que vão precisar de recolhimento num espaço de tempo conveniente à agenda social de cada um.
   Como um refúgio, é só uma questão de organização para surgir um outro tempo precioso em nossas vidas.

                                                              Foto: Observador 

domingo, 26 de novembro de 2023

A VEZ DOS COROAS

  

   A velhice está sendo confundida com o fim da vida faz tempo. Não falo isso pela dinâmica com que a galera da terceira idade tem vivido com o extremismo do culto ao corpo e a capacidade de conciliar uma e outras atividades que já ultrapassaram há muito tempo a resignação pelos limites que o peso do tempo vai impondo.
    Pois é, não há surpresa alguma nesses tempos em que a medicina e a tecnologia vão andando de mãos dadas em prol da gente, eu já me incluo, pronto, com 58 já estou podendo comemorar também essa nova era e gozar dos benefícios do que já estava disponível, mas muita gente esquecia que podia, que era capaz, enfim...bem diferente de quando as pessoas lembravam que não podiam mais, olha a diferença.
   É um olhar diferenciado, uma forma de pensar diferente que ajudaram a transformar tudo ao redor junto com as novas ferramentas, tudo bem, mas e a bagagem que cada um carregou nessas estradas afora? Há um progresso na vida de cada um, quando a experiência adquirida contribui verdadeiramente para a adequação aos novos tempos.
   Essa nova e velha geração da qual eu pertenço teve de se adaptar às novas tecnologias para pagar contas, comprar remédio sem sair de casa e andar de Uber. Isso já é um trunfo. Mas tudo que a gente aprendeu a fazer na vida gerou maturidade, inteligência e um mínimo de racionalidade para facilitar essa adaptação e ainda de quebra seguir seu rumo sem neurose.
   Se teve um ou outro que não conseguiu acompanhar esse ritmo, ele certamente tem alguma coisa escondida, recolhida na velha carcaça que vai operar uma transformação qualquer em prol de si mesmo, além, claro, das broncas nos mais novos, pra ver se essa gente toma tendência na vida, porque a gente ainda é uma referência pra muita gente, que privilégio.
   Uma conexão que gera uma troca. A gente recorre a eles pra fazer download, essas coisas, mas o nosso papo reto também serve de upload para eles, olha que moral. Valeu, coroa, é mais que uma retribuição, é um reconhecimento.
   Talvez aprendemos a respeitar os mais velhos lá na infância para justamente se criar agora essa noção de que haveria uma importância bem além daquilo que cada um se propôs a fazer na vida.
   Mesmo que a gente vai com o tempo perdendo nossas referências, muitos se foram, a gente continua aqui servindo de norte para alguém que ainda conta conosco para prosseguir adiante. Muita gente ainda não se acha perdido e sem chão, justamente porque ainda estamos por aqui.
  A nossa sociedade ainda não cultiva o hábito de preservar o que vem lá de trás, incluindo nós, vai vendo. As leis, o mercado, a cultura ainda são hesitantes pra lidar com os coroas. E ainda ganhamos mais concorrentes, porque a tendência é a inteligência artificial, a robótica passarem a perna numa parcela considerável da terceira idade, na mesma proporção com que já somos atropelados pela intolerância.
   Se serve de alerta para quem quer que seja, nossas possibilidades são mais amplas do que se imagina. Podemos acrescentar e contribuir muito mais do que acreditam por aí. 
   Definitivamente, plantar árvore, escrever livro, gozar e respirar novos ares não têm prazo de validade.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A SAFRA RUIM DO BRASIL



   O atual status da seleção brasileira já permite fazer um balanço de uma forma bem diferente de tudo que já foi analisado, apreciado, discutido e questionado sobre o time brasileiro, toda vez que a equipe cai de produção e fica abaixo daquilo que sempre se esperou da seleção brasileira.
   Para muitos críticos e pela própria evolução do futebol nesses últimos tempos seria natural que a seleção ficasse mais uma vez mais de vinte anos sem ganhar uma Copa do Mundo, no mesmo intervalo em que já ficara de 70 até a campanha do tetra em 94.
   Não saiu de nenhum personagem do futebol brasileiro as teorias, formulações, estéticas e demais configurações de caráter evolutivo que remexeram e desenharam um novo cenário para o futebol. Ou seja, não brotaram de nosso rico solo fértil de nossos gramados as melhores ideias de reformulação do velho esporte bretão.
   Não somos nós, brasileiros, as cabeças pensantes dessa grande transformação. A gente apenas vem exportando nossos talentos, espalhando para várias praças nossos garotos, que para felicidade geral da nação, se tornam protagonistas do que há de melhor dentro das quatro linhas.
   Só que de uns tempos para cá a safra vai ficando cada vez mais escassa. E diferente de outros tempos, essa gama de jogadores que atuam fora do Brasil não representa o supra sumo, a garantia, a certeza de que a seleção brasileira vai voltar a figurar entre as melhores.
   O mesmo cuidado que comentaristas sempre terão para destacar o talento desse grupo atual, incluindo os que não vestem a amarelinha, pode ser usado também para criticar, descer a lenha no desempenho da seleção sem citar nomes, porque, de repente, isso é o que menos importa.
   Basta ver a composição das seleções anteriores. Jogadores que figuram em escalações por duas, três Copas, enquanto as seleções concorrentes do Brasil se renovam constantemente. Aqui, a gente vê as mesmas caras sempre disputando Eliminatórias, Copa América, Copa do Mundo. Aquela figura que não jogou nada na Copa, não fez nem gol, quatro anos depois aparece lá com nova tatuagem, corte de cabelo mais ousado, a chuteira com mais cores.
    Não precisa muito esforço para perceber que a atual safra de brazucas jogando fora do Brasil é inferior tecnicamente a um conjunto de jogadores atuando aqui dentro, disputando nossas principais competições, que podem perfeitamente formar um grupo capaz de representar fielmente o nome Brasil, principalmente numa Copa do Mundo.
   Olha o Brasileirão aí pegando fogo todo ano. Vários jogadores se destacando, esperando e merecendo uma chance na seleção e uma filosofia completamente arcaica e estranha na cúpula da CBF impedindo e descartando qualquer possibilidade de renovação na seleção brasileira.
    Vale lembrar que a seleção brasileira atualmente tem um técnico interino em plena disputa por uma vaga na Copa, porque um certo postulante ao cargo não deu certeza de assumir, gerando não só aquela expectativa como também revelando o amadorismo, o retrocesso, tudo junto e misturado da entidade máxima do nosso futebol.
   É um conjunto de fatores que precisa ser revisto para que haja de fato indício de renovação no futebol brasileiro. Como não há previsão de o Brasil voltar a ganhar uma Copa tão cedo, tudo leva a crer que a seleção poderá, não demora muito, ficar fora de uma Copa e isso servir de elemento principal para uma tão sonhada transformação, quem sabe.
   Tomara.

domingo, 15 de outubro de 2023

SAUDADES DA TIA WANDA



   De todas as coisas que eu aprendi com a tia Wanda, o melhor foi o conceito de compreensão e amor.
   Tabuada, caligrafia, pesquisa na biblioteca, ditado, cabeçalho até chegar à equação de segundo grau foram, sim, importantes para eu ser alguém na vida.
   Mas, outro dia deu um branco na mente, esqueci quanto era oito vezes sete, ai eu perguntei para a Alexa, tá tranquilo. Hoje, o mais importante é saber pesquisar no Google e ter uma letra razoavelmente legível pra não sofrer bullying, tá ligado?
   Equação de segundo grau, então... até hoje eu não sei pra que serve. Também, pudera...eu fiz humanas, não precisei me aprofundar nesse negócio. Mas, ditado...bom, ditado foi fundamental pra eu ter um blog no futuro.
   No mais, a gente até tinha alguma dificuldade em assimilar certas questões, mas a tia Wanda facilitava tudo pra nós com aquela paciência que eu...na moral, eu não teria diante de tanta mente que bugava e a professora tendo de configurar uma por uma, de carteira em carteira com toda a calma do mundo.
   Não é possível, ela devia tomar alguma coisa pra relaxar quando chegasse em casa, um Fogo Paulista, sei lá, acho que sim, era o energético daquela época.
   A única coisa que realmente tirava a tia Wanda do sério era o falatório em sala enquanto ela explicava. Ela prendia a língua entre os dentes para demonstrar raiva e, claro, plantar o terror, mas era por uma causa nobre, e todo aquele destempero se transformava em amor rapidamente.
   Ela era bonita, elegante. Não perdia a linha de jeito nenhum. Se tivesse algum aluno, talvez até eu mesmo, que ela quisesse esganar pela falta de empenho ou baixo repertório mesmo, ela se mantinha alí, ó, no salto, na disciplina, sem sair da graça de forma alguma. Acredito que até nisso ela fez escola.
   A tia Wanda questionava a dúvida do aluno fazendo um afago no rosto ou na cabeça do moleque na maior demonstração de carinho de que se tem notícia. Hoje, ela certamente chamaria o garoto no zap quando chegasse em casa para concluir a explicação, porque os professores são assim, os únicos que trabalham fora de seu local de trabalho. Eles almoçam corrigindo prova. Afinal de contas, foram os professores que inventaram esse negócio de home-office, entende.
    Ao longo da vida ou da carreira, como queiram, a tia Wanda certamente trincou os dentes muitas vezes no ano letivo, mas, com certeza, foi amada na mesma proporção.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

CADÊ AS PIPAS DE GAZA?



  “Bola ou búlica?”. Como se fala em outra língua? “Pipa no alto não tem letreiro” tem tradução literal?
    Em tempos normais estaríamos celebrando o dia dedicado às crianças. Esse dia em que a gente olha para nossas crianças, nossos filhos, sobrinhos, netos e muitos desses pequenos seres próximos de nós e a gente faz aquela viagem fantástica pelo tempo já vivido.
   Em tempos normais a gente se transportaria para quando éramos crianças para se renovar, eu sempre acreditei nisso, até hoje eu faço isso.
   Mas não dá agora, pelo menos hoje e em mais alguns dias, mais alguns meses, sei lá, porque a guerra interrompeu a brincadeira. Sim, é claro que a gente vai lembrar das crianças de qualquer quadrante do planeta. Qualquer lugar onde haja uma criança sendo criança. Qualquer lugar onde os sonhos não são interrompidos e nenhum moleque muda de fase fora do tempo.
   A gente fica aqui bem distante de toda aquela confusão, de toda aquela barbárie e lembra quantas brincadeiras nossas ficaram no currículo de qualquer gente grande. Dá até vontade de procurar onde tem um pião à venda, um saco de gude. Pipa, então...nossa!! Eu acho que na minha época a camada de ozônio era formada de pipa, mas deixa pra lá.
   Infelizmente, a gente se transporta para os céus de Gaza e arredores, clamando o fim do conflito que parece não ter fim e vai com certeza interferir no futuro de mais e mais gerações, enquanto durar essa implicância. Tem criança ali que nem sabe o que é Hamas, o que é Intifada. Tem criança ali que ainda não entende por que não pode brincar com o garoto que veste aquela roupa diferente, que reza de outro jeito.
   Mesmo assim as crianças brincam quando sobram espaço e oportunidade; mesmo sabendo que de repente o bicho pega e a brincadeira acaba antes de a bola cair na búlica; mesmo sabendo que a pelada de hoje pode ser cancelada por motivo de força maior em toda a extensão da palavra. O céu agora não tem pipas, só foguetes.
   Seria muito tortuoso e humilhante para as crianças daquela faixa de terreno ficar detalhando como se enquadram os escombros no cenário de milhares de crianças agora com o playground transformado em campo de batalha, de terrorismo, de angústia e medo. Ainda assim é triste imaginar como ficou o campinho de terra batida cheio de prédios amontoados e desmontados.
   Já sabemos que Gaza já é uma terra arrasada, mas é possível imaginar que as crianças voltarão para brincar e encontrarão a pracinha toda retorcida e cheia de entulho. 1, 2, 3, Salim, aí atrás da pilastra...! Criança se reinventa e retoca uma paisagem cinzenta e fúnebre num visual lírico. Criança recicla e refaz o castelo de areia. Criança inventa moda toda vez que precisar. Nós é que achamos bizarro, não tem graça alguma essa brincadeira, mas, vai fazer o quê?
    O pior da guerra é não livrar as crianças. É o primeiro sinal de que o futuro do mundo está comprometido quando as crianças recolhem suas pipas para os foguetes passarem.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

A FAIXA DE PÓLVORA



   Tão triste quanto ver as imagens de devastação e perdas de vidas humanas de ambos os lados desse conflito entre Israel e a Palestina é o racha que isso causa na sociedade em geral.
   Tenho visto nas redes sociais as pessoas condenando as ações de um lado só dá guerra, ou seja, neguim torcendo para um em detrimento do outro. Os dois lados estão guerreando, matando e morrendo ao mesmo tempo. Os dois lados praticando as mesmas atrocidades de seu oponente.
   Há vidas ceifadas nos dois lados, famílias destroçadas, pessoas completamente vulneráveis, sem armas nas mãos, gente que nem estão jogando pedra em ninguém.
  Para todos os povos e nações que estão diretamente envolvidos no conflito, a questão ideológica, política e até tecnológica vem há muito tempo protelando essa animosidade.
   Uma questão que se arrasta, mas que teve também quem mediasse por várias vezes um diálogo entre as duas partes.
   Infelizmente ao longo desse tempo que a gente já conhece do conflito, lá no meio daquela gente, tanto de um lado quanto do outro, teve muito mais quem não aceitasse um eventual acordo de paz. São pessoas presas a conceitos e princípios religiosos e políticos, que por suas posições “precisam” matar por uma causa.
  Mas, houve quem corresse por fora nesse processo. Yasser Arafat, por exemplo, lutava pela causa palestina, era aberto ao dialogo, mas sofria retaliações da ala mais radical de seu povo. Assim como Yitzhak Rabin, que sempre esteve inclinado ao processo de paz entre Israel e a Palestina e foi morto por um extremista de sua própria pátria quando participava de um evento que reivindicava justamente a paz, é mole um negócio desse? Junto com Shimon Perez, Arafat e Rabin ganharam o Nobel da Paz em 1994 por toda a contribuição à paz na região.
   Hoje, a contenda continua e não há sinais de um lado ou de outro de alguém disposto a retomar um processo de paz, o que indica mais um tempo de distúrbios naquela região. E as pessoas que vão escapando das bombas, das rajadas renascem dos escombros, mesmo com feridas e chorando seus mortos.
   E por incrível que pareça, a vida continua naquele lugar. Pessoas que só sofrem, mas não pegam em armas. Gente que querem distância de seus inimigos, mas não procuram ninguém para atirar pedras ou insultos. Gente que convive muito bem com as diferenças, pode acreditar.
   Pois é, quando muitos pensam que há ali um separatismo geral e irrestrito, enganam-se. Há registros de relação conjugal entre israelenses e palestinos, grandes paixões, amizades fortes entre os jovens de ambos os lados, que passam ao largo de toda essa rusga histórica. Definitivamente, a Faixa de Gaza e o resto do território de Israel não são de todo um barril de pólvora.
   Afinal de contas, a Cabala, o Alcorão não são manuais de instruções para discórdia e ódio. Assim com a gente vê por aqui as pessoas botando pilha e acirrando os ânimos, por lá tem mais ainda gente com a faca nos dentes e nos storys, mas tem, com certeza, outra parcela interpretando de seus dogmas os versículos que pregam a melhor convivência entre as pessoas.

sábado, 7 de outubro de 2023

ATÉ QUANDO?



  O caso dos médicos atacados e confundidos na Barra da Tijuca só mostra a dimensão da área de risco na cidade do Rio de Janeiro. Porque não tem como achar que em toda essa efervescência e magnitude do Rio há um lugares específicos para ocorrerem barbaridades como essa.
   Se em outros cantos da cidades, nas comunidades ou seja lá onde for, há casos de violência com outra natureza e circunstâncias, em todos os casos, independente de lugar e tempo é a vida de alguém que está em perigo.
  Essa ação rápida dos matadores dos médicos só mostra o quanto a bandidagem pode ocupar o espaço público e sitiar a cidade para suas empresas de ações criminosas, ampliando cada vez mais suas áreas de atuação como já vemos nesses confrontos entre facções, em várias localidades, importunando a vida das pessoas, fechando ruas, escolas, unidades de saúde, e o pior, matando inocentes, sem que haja uma resposta rápida do poder público para reprimir essas ações criminosas.
   Até outro dia, bandidos foram flagrados fazendo treinamento de guerra no Complexo da Maré num espaço destinado ao lazer dos moradores. Tão logo foram divulgadas as imagens, era para a polícia ocupar a região como uma satisfação à sociedade. O mínimo que se esperava. E então, houve alguma reunião com a cúpula de segurança para traçar algum plano?
   É uma afronta total à liberdade das pessoas. Até quem não vive nessas localidades se sente acuado, porque esses expedientes de preparação visam justamente expandir futuras ações que vão certamente atingir outras áreas da cidades e com isso mais pessoas correndo riscos. E o governo do estado que poderia também estar treinando para proteger a população apenas dá entrevista mostrando uma indignação que é bem diferente do sentimento da população com toda essa situação.
   A cidade respira como sempre respirou pela sua mobilidade e funcionalidade de uma metrópole importante, rota de entretenimento dos forasteiros, trabalho, oportunidades, turismo e tal, mas com pouco ou nenhuma segurança e conforto para nós que vivemos aqui.
   A gente fala essas coisas parecendo sempre um fato novo, uma questão nova a ser resolvida, mas são repetições de velhos erros, são retoques do mesmo cenário de uma cidade que tem condições e recursos para empregar inteligência e tecnologia capaz de conter as ações da criminalidade.
   E quanto mais o tempo passa, mais ficamos reféns. Até quando?

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

SEQUELAS

  

    Quando tudo voltará ao normal? É uma pergunta feita e ouvida, meio que ao vento, com as palavras soltas e o pensamento também planando em várias cabeças por aí. Porque, o que seria o normal nesses tempos em que nada é mais novidade?
    Embora já fossem eminentes as transformações ao nossos redor, há uma parcela de gente ainda incrédula diante de tanta mudança de rumo, de curso, de tanto desvio de trajetória.
    Ainda que a evolução desse mundo louco já estivesse no script, há coisas que ainda apavoram as pessoas na forma como os fenômenos ocorrem, violenta, intempestiva, e o que é pior, deixando marcas, sequelas que em muitos casos ficarão para sempre.
    A gente fala de tudo que rola por aí e ocorre simultaneamente, aumentando ainda mais a dimensão dos nossos medos e preocupações. As mudanças climáticas e as doenças já é certo de estarem no calendário do mundo, assim como as crises, conflitos e mazelas que fazem parte do cotidiano, pulsando na mesma cadência dos nossos batimentos.
   A diferença é o grau, o tamanho das marcas que vão ficar em cada um, porque, claro, cada um tem sua estrutura física, emocional, espiritual própria para absorver os eventos e a energia que vem junto de todo e qualquer fenômeno.
    Passa a ser uma questão pessoal conviver, sobreviver e resistir a algo que agonia e corrói por dentro. É um desafio na vida de cada um prosseguir num cenário de condições adversas dentro de seu mundo particular.
   É certo que cada um tem seus recursos, seus amigos, sua família, seu amor, seu analista, sua fé e crença, a gente sempre recorre a eles, mas tem aquela coisa bem particular, algo diferente que cada um busca e acrescenta à sua bagagem naqueles recolhimentos que a gente faz em silêncio, um momento único.
   Eu tiro por mim os conflitos que já enfrento por causa de meus projetos, junto às preocupações com a minha tribo, com quem compartilho minhas atenções e amores.
   Não tem jeito, é uma cruz que cada um como eu vai fazer questão de carregar, porque o triunfo, o sucesso e a glória, enfim, vão depender dessa vitória particular. Nessa hora, é cada um com o seu b.o, amigo. Falam muito isso por aí. É um estímulo para quem vê as coisas pelo lado bom da vida.
   Portanto, que estejamos sempre preparados para o que der e vier. Só assim tudo volta ao normal.

domingo, 25 de junho de 2023

O PREÇO DO DELÍRIO



     Toda vez que o assunto tecnologia ganha espaço e repercute bastante há sempre a expectativa de algo inovador, alguma coisa que possa efetivamente viabilizar a vida das pessoas, pelo menos daqueles que tenham a oportunidade, a grana ou a sorte de ter um brinquedo novo.
    Rendeu bastante o caso do submersível que levou à bordo as cinco pessoas para verem de perto o que sobrou do Titanic lá no fundo do mar e deu no que deu.
   A gente precisa ser bem cauteloso para falar sobre coisas que estão diretamente ligadas à liberdade das pessoas, porque, claro, vai parecer que é julgamento, perseguição, essas coisas bem em voga nos dias de hoje.
    Com relação à geringonça usada na fatídica aventura submarina, não parece que tenha sido algo inovador aquela cápsula, pois já é certo que o equipamento nem seguia as normas de convenção que regulam toda e quaisquer ações abaixo da linha do mar. Chegaram até a ventilar que o negócio era controlado por um jostick, será?
   Bom, de qualquer forma quem é do ramo sabe que todo cuidado é pouco, enfim. Inclusive, as expedições ao Titanic feitas antes seguiram todos os critérios de segurança, e tudo que precisava ser recuperado, investigado e revisto foi feito, não sobrou nada lá embaixo.
    E é aí que entra a outra questão que é bem delicada, mas importante, porque resvala em projetos de vida, em ambições, em propósitos, em sonhos e aspirações, em objetivos para ser mais preciso na causa. Objetivos movidos por bastante dinheiro, diga-se de passagem. Um monte de gente cheia da grana buscando novas aventuras, altos investimentos, mas nada que configure inovação de fato, algo que venha efetivamente trazer benefícios futuros, porque, qualquer tecnologia tem essa premissa básica em sua concepção, ou pelo menos deveria ter.
   A gente vê com bons olhos esse povo querendo ir ao espaço, explorar outro planeta, bacana. Isso pode trazer dados importantes para pesquisas e investimentos verdadeiramente sérios. No meio dessa enorme galáxia pode ter gente vivendo melhor que nós, usando de forma mais sensata suas próprias descobertas e o dinheiro que eles também devem suar para ganhar. Falta só alguém ir lá pra ver essas novas formas vidas e voltar para a Terra com as amostras pra gente ser feliz também.
   No caso específico desse expediente de ir ver o Titanic adormecido lá nas profundezas, não acredito que haja algum elemento, algum atrativo que possa compensar todo o esforço e investimento, muita grana empregados naquela aventura para quê? Que proveito teria sido tirado no retorno da viagem? O que trariam na bagagem que pudesse ter utilidade?
    Pode ser até que essa tragédia estimule o endurecimento de novas normas para futuras empreitadas dessa natureza por parte das autoridades dos países. Mas há questões igualmente importantes que podem ser repensadas quando se imagina que os sonhos, os delírios, os desejos de cada um podem gerar novas formas de vida ao nosso redor.
    Eu mesmo tenho na cabeça umas ideias que parecem boas, só me faltam a grana que essa gente tem e não sabe gastar. Isso dá um papo de botequim, fica para depois.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

O ESCOLHIDO


  Se tem um ambiente em que jamais deveria acontecer esses episódios de racismo é na seara do esporte, incluindo o futebol, claro, naquele velha máxima de que o esporte congrega valores, a tolerância, o respeito, blá blá blá blá.
   É tipo uma cartilha de recomendações, mas quando a bola rola é outra história, e a convivência...bom, a convivência já passa a ser uma questão extremamente relativa, porque o sujeito que vai torcer, veste camisa e tal, é uma pessoa normal com seu fardo, sua cultura, sua formação, índole, influência, enfim, ele não deixa de ser o que é por estar ali, numa arquibancada. Vai haver um momento em que ele vai mostrar uma de suas facetas.
     A gente pode até estender o fenômeno do globalismo para o mundo do futebol para reforçar ainda mais o quão estúpida é essa gente que brada palavras ofensivas aos boleiros negros nos campos mundo afora, porque o futebol tem fronteiras diferentes, tem um mapa diferente. As principais seleções e clubes do mundo são multinacionais, mas isso apenas torna as equipes mais competitivas, não influi no comportamento do público.
    No momento o caso que mais repercute é o que envolve e atinge o Vinícius Júnior, do Real Madri, mas quem acompanha futebol sabe que esses eventos rolam em varias praças do futebol por aí.
   Vamos combinar que no caso do brasileiro ele só é atacado pela torcida rival porque é craque, é fora de série e incomoda o oponente, ele está em evidência, é o escolhido da vez, mas se lá na frente ele estiver num inferno astral e perder um pênalti ou qualquer outra jogada bisonha que cause revés ao Real Madri, a própria torcida vai hostilizá-lo como forma de repúdio, de protesto, porque o ódio brota assim nessas circunstâncias de contrariedade, e no futebol não é diferente.
    Agora, cabe à FIFA tomar medidas concretas junto com as federações e os clubes para interditar, tirar do cenário do futebol uma gama de gente que revela nas arquibancadas o que ele já é em outras circunstâncias da vida, no ambiente de trabalho, em família, na vizinha, na sua vida cotidiana.
   A indignação que a gente demonstra em defesa dos boleiros discriminados é a mesma que todo mundo já acompanha aqui fora das quatro linhas, onde tem sempre um porteiro, um entregador, um cliente de mercado, um passageiro ou qualquer outro personagem negro da nossa história perambulando pela cidade, respirando por ai, sofrendo na e pela pele o preconceito e o ódio em larga escala.
   Tão logo viralizou o caso do craque brasileiro, eu vi nas redes sociais, em meio aos manifestos de apoio ao jogador alguém cornetando a saída do jogador da Espanha para outra praça. Ora, isso não muda nada, vai ter sempre uma horda de gente incomodada com a presença, com a arte e o talento do Vini Júnior, que em qualquer gramado que ele pisar vai ecoar das arquibancadas insultos em forma de canto de torcida.
    E no idioma que for a tradução será sempre a mesma: estupidez.


sexta-feira, 12 de maio de 2023

A BALANÇA E O MARTELO

  

    Um indivíduo mata sua companheira e ao longo do processo descobre-se que o criminoso já havia sido condenado por assassinar outra mulher num tempo não muito distante de agora.
   Um outro marginal ainda com tornozeleira eletrônica, em razão de um benefício constante na lei, repete a dose e estupra mais uma mulher em outra cidade.
   Seria uma lista interminável de casos que revelam o lado mais bizarro da lei, o conjunto dos vários parágrafos, incisos e todos os entendimentos possíveis para que tudo que for verdadeiramente considerado e levado ao pé da letra se torne legitimamente inofensivo a quem quer que venha subverter a convivência humana.
    Não deixa de ser um avanço todas as medidas tomadas para minimizar os efeitos da violência contra as mulheres. As medidas protetivas, as denúncias, a pressão da sociedade, a luta incessante das mulheres que se destacam no meio político, as parlamentares, e todos aqueles que como eu levantam essa bandeira pela causa que mais preocupa a sociedade.
    Mas é pouco para uma questão que vem tomando proporções alarmantes e a gente não precisa esperar mais um caso de grande repercussão para aumentar o volume da fala. Há hoje um espaço considerável nas principais mídias tratando desse assunto. Há um tempo maior dedicado ao problema. Há mais casos ocorrendo próximo das pessoas. Não é mais um fato isolado. Todo mundo hoje sabe que o vizinho, alguém da família, o cara da repartição, da pelada, do bar, enfim, tem sempre um espancador de mulheres perto de alguém, convivendo ali, no cotidiano.
    A pergunta que a gente faz hoje é o que mudou nas estatísticas de casos registrados com todas essas ações de combate ao feminicídio. Há um avanço nas denúncias, é verdade. As mulheres estão cada vez mais estimuladas e encorajadas a procurar ajuda e proteção. Há mais canais para denúncia, isso é crucial, é a ferramenta mais importante de todo o processo.
    Mas são processos que se arrastam dentro de uma legislação que trata do assunto completamente tímida, lenta, e o que é pior, sem o rigor que a questão sugere. O cara destrói uma família com sequelas quase que irreversíveis, mas sai ileso, pois o processo tramita na justiça comum, cheia de benefícios, cheia de vícios de entendimentos, de interpretação das letras, a carteirinha de maluco, as cestas básicas para pagar o grande mal que o réu primário causou na sociedade, um absurdo total.
   Todas as frentes já foram formadas para esclarecer, informar, orientar e enquadrar esse bando de delinquentes circulando por aí. O próximo passo agora é alterar os artigos e incisos que tratam do assunto para que haja uma punição exemplar, o martelo mais pesado da lei. É a parte que tem efetivamente que acompanhar o comportamento da sociedade, se adequar aos novos tempos.
   É a lei que dá conforto, dá proteção, traz reparações, mas ela deve também criar exemplos na serem seguidos na sociedade através do seu aparelho jurídico, sem anistia, sem passar a mão na cabeça de ninguém. Há que se criar um tribunal específico para a causa. A relevância e a urgência da questão sugere esse ambiente isolado para tratar do assunto com a seriedade e a celeridade que o tema necessita. É um caso urgente que pode e deve durar a fila de prioridades, já que resvala em toda a sociedade.
   Para isso, é preciso um grande movimento na Câmara dos Deputados para fazer as alterações devidas no Código Penal. Do jeito que estão as coisas os delinquentes são cada vez mais reincidentes. Mas, por que? Porque ele não é punido convenientemente. Na maioria da vezes ele é submetido a medidas cautelares, enfim, uma brecha na legislação que permite esse cenário, e esses criminosos voltando a atormentar a vida das mulheres.
   Que possamos sempre reforçar os discursos, as bandeiras, as políticas públicas e toda forma de orientação, mas é necessário que as leis sejam rigorosas o suficiente para que espancadores de toda ordem fiquem isolados do convívio social, sem quaisquer benefícios que permitam reincidências e, consequentemente, o aumento dos números cada vez mais escabrosos do feminicídio no Brasil.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

MANIA DE VOCÊ

         

   Parece que foi ontem as meninas sentadas na porta da Escola Plínio Casado, em Brás de Pina, esperando a hora de entrar, e embaladas numa só voz, “a gente faz amor por telepatia”.
   Eram os primórdios da década de oitenta, minha geração debutando nas resenhas, nos bailes, nas praças...sim, a gente trocava ideia e namorava nas praças, tá pensando o quê? Mas não eram essas praças de hoje. Nossas praças tinham mais poesia, era outro patamar, tá ligado?
  Claro que havia outros motivos para povoar a mente fora do circuito escolar, porque jovem é foda sempre. Tudo e em qualquer lugar a mente absorvia as coisas que estavam na época de poluir a mente.
   Mas “Mania de Você“ foi o nosso turbilhão. Aquele hit chiclete, o carro-chefe da Rita Lee que ajudava a fervilhar nossas mentes cheias de pudores e perigos. Era tipo um mantra.
   Imagina, a gente ouvia “meu bem você me dá água na boca“, era um chamamento, aquilo construía várias paradas na cabeça, quem nunca? A ideia era não fazer nada só pra deitar e rolar com alguém.
   Ah, que sorte a nossa geração teve de aprender as preliminares assim, cantadas em prosa e verso e a Rita Lee embalando nossos sonhos e aspirações, tudo junto e misturado, vestindo fantasia e tirando a roupa, tudo ao mesmo tempo, com poesia e papo reto numa vibe só. A gente tirava onda duro e ainda tirava nota boa na prova.
   Eu penso como um privilégio tudo que a Rita Lee produziu e serviu como nossa trilha sonora, porque dificilmente alguém da minha geração não teve uma situação, uma grande viagem, um amor, uma parada louca, um conflito, um rolo qualquer na agenda que não tivesse, se não “Mania de Você “, mas qualquer outra balada da Rita Lee que não tenha servido de trilha sonora de uma treta qualquer, pois, a gente também era feito de carne e osso, claro.
   Agradecemos à Rita Lee pela moral, pela arte de embalar nossa juventude, por ilustrar nossas mentes e corações
   Para sorte de um grande público e da própria MBP, Rita Lee era rebelde e transgressora o suficiente para alçar altos voos até se tornar um imenso arquivo da música brasileira. O rock nacional credita à Rita Lee o pioneirismo do movimento, que as grandes bandas que surgiram depois reconhecem e sempre lhe renderão homenagens pela referência, pelo talento.
   Para nós do ginásio daquela época, de tanto a gente se beijar e imaginar loucuras, nós aprendemos a cultivar essa lembrança, essa mania de Rita Lee.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

A VIDA NA PRORROGAÇÃO




   O jogador parte com a bola dominada ainda na intermediária, passa pelos marcadores que tentam interromper a progressão daquela jogada que pode registrar um grande triunfo no histórico do cara.
  A parte mais difícil ele consegue, que é dominar a bola que às vezes vem em forma de tijolo, quem é do ramo sabe o que eu falo. Mata no peito, bota no chão e sai jogando, passa por um, por dois, tira do goleiro e pronto, na cara do gol, o cara chuta errado, sei lá, o mínimo que a bola faz é tirar tinta da trave, menos entrar no gol.
   O trepidante destaca que na hora de tirar o dez o boleiro desperdiça a jogada de forma bisonha.
   Se for enumerar os casos em que a metáfora do futebol serve de uma arte qualquer que ilustra a vida também fora das quatro linhas, esse cenário descrito acima parece ser o mais emblemático de todos, pois a vida profissional e social se fundem, se complementam pelas chances, conquistas e oportunidades para que se viva uma vida feliz, um descanso merecido, uma velhice saudável, um desfecho maravilhoso para quem suou a camisa a vida inteira e jogando nas onze.
   É impressionante como as pessoas mancham sua própria história no limiar da carreira, quando já deveriam estar gozando o melhor do que foi permitido conquistar, sair para o abraço, dar a volta olímpica, entrar para a galeria, tirar finalmente aquela nota dez para ficar marcado para sempre no currículo.
   Pelos últimos acontecimentos a gente até usa o exemplo dos boleiros que perdem a chance de marcar um golaço para a eternidade, o vacilo desses caras que fora dos gramados estão sempre chutando pra fora, mas é claro que há um universo de gente bem além do mundo da bola que parece pegar gosto por sujar sua própria reputação no fim de carreira.
    Se a trajetória profissional do indivíduo é indiscutível, invejável, inimputável, há sempre aquele desvio de conduta que a sociedade até usa como ilustração da velha máxima de que ninguém é perfeito, mas que verdadeiramente suja a biografia, porque atinge o caráter, a dignidade, a moral do sujeito quando resvala na família, nos amigos, e quando cai em domínio público, ainda mais agora com toda essa conexão desenfreada, expondo de forma quase que letal a vida desse povo vacilão.
   Dentro de uma visão mais humanista, no melhor dos sentimentos sobre o próximo, é animador contabilizar mais acertos que erros, mais virtudes que defeitos, as melhores proezas prevalecendo sobre as pantomimas dos mortais.
   Mas dentro de quem vive esse inferno agora na prorrogação da vida deve ser doloroso fazer essa autoavaliação e constatar uma dor, uma culpa, e não ter o privilégio de gozar de forma plena e satisfatória aquela maravilhosa sensação do dever cumprido. 

sexta-feira, 21 de abril de 2023

RECOLHENDO O EDREDOM

   

   Parece que finalmente começou a cair a audiência do Big Brother Brasil, segundo comentários em canais especializados no assunto. Eu digo finalmente porque já se esperava essa mudança. Eu mesmo nunca vi serventia alguma em ver aquela gente mostrando as vísceras pra ganhar um milhão e meio de reais.
    Mas tudo bem. De qualquer forma, não há pesquisa alguma medindo a popularidade do mais famoso reality show da paróquia. Hoje não é mais necessário sair batendo de porta em porta pra avaliar os níveis de aceitação e rejeição da peça.
   Há mais de vinte anos quando o formato estreou na tv essa era a maneira mais eficiente de ver se uma determinada programação era bem vinda pelo público, inclusive o Big Brother. Com o advento das redes sociais ficou mais fácil apurar e tirar alguma conclusão sobre como se comporta uma turma confinada para ganhar dinheiro e ficar famoso, tudo junto e misturado.
    E é justamente esse novo ambiente, essa nova ferramenta que tratou de desviar os holofotes do Big Brother Brasil para escanteio.
   Se antes era bom negócio para a mídia, para especialistas e anunciantes tirar proveito do reality com novidades diárias, barracos, desavenças e encrencas bombando a todo instante, o que de repente permitia altas teses, estudos e considerações sobre os dramas da humanidade, muitos antropólogos, sociólogos e uma outra gama de gente vidrada em bisbilhotar a vida dos outros aproveitaram pra tirar conclusões e de repente até trazer mais respostas sobre de onde viemos, como estamos e para onde vamos, essas dúvidas que atormentam muita gente até hoje.
  Veja como um programa que pra mim não tem utilidade alguma, mas para muitos estudiosos é um amplo e rico campo de estudo, quem diria.
   Só que hoje a vida das pessoas nas redes sociais, esse entrelaçamento de confusões e problemas, as diferenças, todas essas tretas que a gente vê diariamente quando liga a celular já de manhã cedo, tudo isso já virou um grande filão para os tais especialistas.
   Então, o que já era inútil para pessoas como eu que não tem interesse algum em se debruçar sobre a vida alheia num reality show, imagine agora para os experts no assunto que têm disponível um universo muito maior, com mais elementos, mais dados, enfim, um ambiente muito maior, onde as pessoas vivem uma vida muito mais atribulada arrumando confusão, causando discórdia, brincando de influenciar as pessoas, faturando com algoritmo, tráfego de dados, essas coisas, enfim, um reality show numa dimensão maior, em larga escala.
   Ou seja, tudo que a galera de todas as edições do Big Brother Brasil sempre perseguiu até hoje, fama e dinheiro, é possível conquistar em stories de Instagram, Tiktok com mais entretenimento e menos stress, vai vendo.
   Mesmo sabendo que as redes sociais já incorporaram as mesmas futilidades do reality show, é animador saber que o Big Brother Brasil finalmente vai para o paredão.

terça-feira, 11 de abril de 2023

A VOLTA DA CHIBATA

             

  A sociedade brasileira vem ao longo de sua história acompanhando e lamentando esses episódios envolvendo o racismo numa sequência de eventos de falas preconceituosas, de cancelamento, de ódio, tudo dentro da herança que ficou no seio da realidade brasileira, mesmo depois que o Brasil, com muito custo, resolveu interromper o processo de escravidão em terra brasilis.
    A gente fala de herança porque é um processo que está dentro da carga genética que todo mundo carrega, e isso cria influência no meio em que se vive.
  É basicamente isso que explica esse comportamento bizarro em que tem sempre um estúpido chamando alguém de macaco, a torcida jogando banana em campo, a madame esculhambando o porteiro, a polícia que não pode ver um preto dirigindo ou descendo o morro, as fazendas tocadas em regimes de senzala, e por aí vai.
  Enfim, institucionalmente a escravidão acabou, mas o processo continua, impregnado no tecido social, inserido na rotina urbana e rural em todos os quadrantes desse nosso país cheio de contradições, até quando isso?
   Não se sabe ao certo, porque vai sempre vir à tona algum evento, um destempero qualquer, um novo ensaio para dar prosseguimento ao velho pensamento servil e escravagista.
   Agora mesmo, ou melhor, domingo, dia 09, a ex-atleta de vôlei Sandra Mathias usou a coleira de cachorro para agredir um entregador, olha só. Ela batia no homem com o acessório do animal, a peça que virou o chicote açoitando as costas do cara.
     Não tem como não lembrar de tudo que o Brasil viveu naquela cena triste e emblemática para um passado que ainda parece existir, infelizmente. A mulher reproduziu fielmente a chibata como meio de imposição no seu entrevero com aquele homem negro. É o ideal elitista, o ranço escravocrata, o discurso do ódio solapando o sujeito e tomando todo o contorno do que se pode considerar até hoje o momento mais triste e sofrido da trajetória política e social do Brasil.
    Está cheio de gente por aí com esse pensamento retrógrado, com uma chibata à postos, esperando só um motivo, um conflito, uma rusga qualquer para realimentar o velho separatismo num país verdadeiramente miscigenado. Qual é a parte que essa gente ainda não entendeu?
   É preciso reforçar cada vez mais as denúncias, as políticas públicas, assim como os legisladores adequarem as leis vigentes à realidade atual, os entendimentos, as tipificações, de modo a tornar mais rigorosas as punições a quem insistir em manter viva essa prática nefasta e hostil à sociedade brasileira.


domingo, 9 de abril de 2023

NAO PENSE QUE É O FIM



   Eu não falo da morte com a sabedoria dessa gente de espiritualidade diferenciada. Com a profundidade de quem já está há muito tempo peregrinando por ai e investigando essas coisas que eu até desconfio estar bem além do espaço entre o céu e a terra.
   Eu acho até que a morte vai ter um outro sentido quando a gente partir efetivamente desse plano. E como não estaremos mais por aqui, dificilmente vai haver algum esclarecimento sobre como será essa passagem.
   A própria ressurreição dá à morte um caráter especulativo sobre um fim definitivo da trajetória dos mortais, pelo menos aqui nesse plano, mas isso está numa outra seara de discussão.
   Então, consideremos a morte como o estágio mais profundo, mais triste e medonho da existência humana. Se a principal definição da ressurreição é a renovação, então há a possibilidade de retornar do inferno em que parece viver aqueles que se sentem desafortunados, entorpecidos, fulminados, fragmentados, enfim, destruídos em seus projetos de vida.
  Seja numa bagagem que alguém escolhe carregar, uma doença que acomete qualquer um, uma decepção que brota no peito, um infortúnio qualquer que desmonta a estrutura, há sempre uma morte rondando alguém, porque a gente é frágil e falho.
   A gente não só come mal como  também fala mal das pessoas, sente inveja dos amigos e comete excesso de toda natureza. A gente sente culpa por ter feito uma escolha errada ou por não ter acolhido quem nos pede ajuda. A gente se endivida sem necessidade e ainda bota culpa nos outros. É uma lista interminável que marca uma morte no currículo de cada um nessa terra.
   E já que a ressurreição é a oportunidade do recomeço, que possamos prevalecer nossas virtudes sobre os defeitos. Já que tomamos a graça da renovação, que tratemos de torná-la útil para nós, para aqueles que nos cercam, para o meio em que vivemos. Já que tivemos a sorte dessa providência, que façamos por merecê-la, enfim.
   Não falta a ninguém a capacidade de renovação. A ressurreição que hoje o mundo festeja traz essa lembrança na mensagem sobre o recomeço, sobre um novo fôlego, sobre um novo estímulo em nossas vidas.
   Talvez falte apenas a vontade dentro do livre arbítrio que todo mundo carrega em sua bagagem.
  A motivação maior da ressurreição é para que não pensem que é o fim.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

DEIXEM AS CRIANÇAS EM PAZ


 
  Afinal de contas, qual será o destino da humanidade? Com certeza é uma pergunta que sugere várias respostas. Quanto mais o tempo passa, mais as culturas vão se envolvendo, se conectando, e com isso abrem-se várias possibilidades para onde caminhará essa gama de gente respirando a todo instante, e os homo sapiens ocupando quase o lugar um do outro ao mesmo tempo.
    A gente já tem uma ideia de como vamos sobreviver a essas transformações todas, seja no plano ideológico, cultural, ambiental, religioso, enfim, não faltarão elementos para discórdias. O problema maior é a sociedade lidar com essas tragédias e barbaridades sem que essas aberrações não se banalizem de fato, pois, já há sinalização nesse sentido.
    Já há indícios de que teremos de correr contra o tempo para salvar o que ainda está de pé, conservar o que ainda pode ser útil, preservar tudo aquilo que ainda pode trazer esperança, sem que a gente precise arrastar correntes como fórmula de sobrevivência, de evolução. Sem que a gente continue assim, respirando por aparelho e fingindo que está tudo bem.
     A vida está perdendo valor e ninguém interfere nesse processo. As crianças estão morrendo, vítimas do ódio. As leis em vigor não são suficientes para punir com o rigor necessário. As tecnologias estão virando vilãs da humanidade.
    O que já era ruim está ficando pior com o advento dessa inteligência artificial, que certamente vai contribuir também para distorcer os fatos, a realidade, as verdades, os valores, a razão, com efeito irreversível na vida das pessoas.
   E assim vai caminhando a humanidade, protelando o fim de suas desgraças, desviando o foco de suas atrocidades, enquanto surge uma novidade tecnológica que só instiga ainda mais as indiferenças, as desigualdades e a intolerância.
    É uma passagem infeliz da história humana interromper os sonhos, matar as crianças, fechar os livros, riscar as poesias e ignorar os benfeitores, aqueles que servem de referência até hoje nas artes, nas ciências, na fé, enfim, um monte de gente que deixou um legado que serve de exemplo, mas neguim não se emenda.
   É verdade que devemos estar sempre concentrado em pensar de forma positiva, praticar as melhores ações, canalizar as melhores energias e projetar o melhor para o futuro, mas a gente alerta também sobre o mal que nos ronda constantemente, e infelizmente a gente usa nosso tempo precioso para falar desses assuntos nebulosos e tristes.
    Nesses tempos de reflexão sobre como diminuir o peso da cruz que cada um nasceu fadado a carregar, é triste constatar, pelo contrário, o fardo cada vez mais pesado dessa gente cruel e desumana.
                                                                        
                                                                               Foto: R7

terça-feira, 21 de março de 2023

TEM UM VENTO LÁ FORA

 

    Eu tenho estado muito envolvido com a morte. É natural que pelo tempo que já vivi, um monte de gente que eu vi em plena atividade, gozando a vida, produzindo, procriando, suando a camisa e carregando sua cruz, muitas se foram.
   São amigos, parentes, outras que a gente conhecia de vista, mas que fazia parte do cotidiano, principalmente no ambiente de trabalho, aquele cliente antigo, enfim, estão debandando assim do nada.
    Um vento soprando e arrastando as pessoas do nosso convívio, sem que possamos nos preparar. É uma lei dura, mas é lei, fazer o quê? Uma cláusula pétrea. Não tem como derrubar o conceito de aceitar a morte. Ela vem de forma aleatória. A escolha é feita em outro lugar, sem a interferência de quem vai morrer.
    Num padrão completamente equivocado, segundo nossa lógica, a gente vai criando sem querer aquela fila cronológica das pessoas que poderão partir a qualquer momento, porque estão velhas, doentes, que horror. E eis que vão quem ninguém imaginava.
   A gente até vê uma nova geração chegando. Uma criança que chegou na família, na vizinhança, lá na creche, alguém que se tornou pai, mãe, e uma dessas crianças ainda vai cruzar com você e sorrir, de repente, num novo cotidiano, como parte da renovação, na mesma audiência em que vemos uma plantinha brotando em algum lugar.
   É a lei da compensação que também é dura lex, sede lex. No lugar das que já sorriam sempre e muito. No lugar das outras que poderiam ficar mais um pouco. Vou sentir saudade do café, do abraço, do bom dia, da preferência no balcão, das piadas, das curtidas, dos conselhos. Tem gente que eu nem sabia o nome, mas deixou um vazio, porque a viúva agora passa do outro lado da rua sem alegria alguma no semblante.
   O que vai sobrar da morte é a outra realidade, outro lugar para quem se foi. Talvez até haja por lá, não sei, uma expectativa sobre nós que ficamos por aqui. Uma novidade, uma surpresa, um reencontro, um prêmio, um drinque, uma senha, um código de barras, uma audiência com alguém. É meio trágico, meio cômico ficar especulando se a gente vai mudar de fase ou de plano como dizem.
   A minha expectativa sobre o que a morte reserva não é saber quando cada um vai partir, e sim, até quando ficaremos por aqui. Parece que não, mas é uma perspectiva diferente para quem, assim como eu, não tem pressa de ir embora.


sexta-feira, 17 de março de 2023

O TEMPO DE CADA UM

 

  Está um tempo tão sinistro e absurdamente violento que passou batido de muita gente a fala odiosa e infeliz daquela garota universitária de instituição particular de Baurú, zombando de uma colega de turma, que por já ter mais de 40 anos, não teria a menor chance de sucesso no meio acadêmico.
   Eu confesso que fiquei tentado a discorrer sobre mais uma filial dessa rede de preconceitos que assola a sociedade de uma maneira bem plural nos dias de hoje. Mas, particularmente, eu prefiro me ater à virtude que ao delírio.
    Nos mesmos moldes em que já vemos no dia a dia o escárnio à raça, sexo, religião e condição social, também se junta ao pacote maldito o tal etarismo, sobre o tempo em que cada um escolhe para seus planos e sonhos, como se isso também tivesse um modelo a ser seguido, uma lógica certa para as chances na vida, as oportunidades e sortes condicionadas ao ponteiro do relógio ou ao calendário.
   Talvez essa garota que zomba, que zoa está tão lacrada em sua bolha que não vê aqui fora as pessoas quebrando velhos paradigmas de como e quando se firma os projetos de cada um. Onde está escrito que tem um tempo certo para o sucesso e o fracasso?
   A gente vê toda hora por aí cada vez mais indivíduos que só chegam ao apogeu depois de uma longa caminhada, porque sua jornada teve essa dimensão diferenciada, esse destino, e daí? Para quem começa depois, é quase certo que não estivesse preparado lá atrás; com o vigor necessário para aguentar o rojão; com ânimo suficiente para dar o primeiro passo; com a fé à altura da vitória que cada um pretende para si.
   As pessoas interrompem seus projetos por fraqueza, dúvidas, desânimo, comodismo, mas depois encontram alguém que as encorajam a retomar e prosseguir; alguém que as oferecem o que tem de melhor. E assim as pessoas ascendem ao poder, ao sucesso e à fama pelo impulso do outro, porque nós somos bem assim, movidos pelo amor e pela coragem de quem aposta em nós.
  Até mesmo uma tragédia em família, a perda de alguém importante, uma ferida, uma lacuna qualquer servem de impulso para que não se perca a autoestima, a dignidade.
   Mas tudo isso sem um tempo determinado, um prazo, um tempo hábil. Talvez isso explica porque alguém escreveu seu primeiro livro na velhice; compôs sua primeira música aos sessenta; ou se formou depois de anos de estrada; ou deixou para plantar uma árvore depois de tudo resolvido na vida.
   Não importa o quão diferente é o tempo de cada um. Não interessa pra ninguém que os ponteiros do meu relógio vão girando num outro compasso. Não só o tempo das coisas, mas o tempo das pessoas também é relativo. Nem Einstein ousaria propor uma equação para algo tão subjetivo.
   E assim a gente galga degraus até atingir o nirvana, o apogeu, a apoteose, dentro do prazo de validade de cada um. Afinal de contas, eu tenho meu QR Code e você tem o seu.

segunda-feira, 13 de março de 2023

UMA NOVA ENTIDADE



  Toda vez que surge uma novidade na praça é sempre uma expectativa de um mundo novo surgindo no horizonte. Uma realidade que muitos imaginam estar perfeitamente adequada aos tempos atuais.
  Já estavam há muito tempo ventilando as maravilhas da inteligência artificial e cada vez mais facilidades e as soluções mais importantes com o menor esforço possível. Pelo menos é isso que os desenvolvedores dessa nova ferramenta sugerem.
    A gente já estava tão acostumado a gastar menos energia para realizar tarefas que eu mesmo já considerava o controle remoto como a maior revolução da humanidade.
   E como os homo sapiens já vêm ao longo de sua existência tentando aprimorar cada vez mais sua capacidade cognitiva, depois que o cérebro tomou outra dimensão, eis que agora parece que nem neurônios vai ser preciso gastar, coisa que muita gente já não gostava de fazer mesmo, veio em boa hora essa novidade, é verdade.
   Imagine que agora qualquer um terá alguém para tirar conclusões, fazer reflexões, considerações sobre qualquer situação da vida humana em que se necessite fazer juízo de valor ou tirar proveito, enfim, levar vantagem em alguma coisa. A própria evolução humana tem essa premissa básica. É só buscar lá de trás o quanto as tecnologias estimulam as disputas, o acirramento, essas coisas, sob o manto da competitividade. Eu tenho cá minhas dúvidas se a roda foi mesmo uma grande invenção. Mas isso é um outro assunto que também dá pano pra manga.
   De qualquer forma, eu nem sei que recurso poderei usar dessa nova geringonça. Vai depender da minha demanda, embora ache que dificilmente essa nova entidade venha trazer as respostas que eu procuro. Sou muito crítico para achar que haverá, enfim, soluções para o mundo nessa descoberta.
    A princípio, quando tiver vontade, só vou pedir para tocar o hino do Botafogo, alguns clássicos do U2, do Led Zeppelin, do Vivaldi, as minhas preferidas do Milton Nascimento e da Marina, somente, tá maneiro.
   Mas vamos ficar por aqui esperando a forma como essa entidade vai se comportar, se vai ser sustentável, romântica, humanista ou predadora. Eu digo entidade porque é alguma coisa sem um coração batendo, mas criando um fluxo capaz de mover o mundo e deixar muita gente perdida por aí, vai vendo.
   Que possamos sempre evitar falsas expectativas, ainda mais agora que a inteligência artificial faz parecer aos olhos do mundo o advento de uma nova era. E a gente sabe muito bem que criador e criatura nunca tiveram boas relações. Nunca foi fechamento, sempre foi fachada.
   Mas, fiquemos atentos para saber se essa inteligência é artificial mesmo como estão falando por aí.

quarta-feira, 1 de março de 2023

PARA UM DIA COMEMORAR



    Estive pensando porque não é feriado no dia primeiro de março na cidade maravilhosa. Pois é, quase passa despercebido quando a cidade do Rio de Janeiro faz aniversário. Não por causa do barulho ensurdecedor de uma metrópole efervescente no seu dia a dia.
    Para um povo acostumado a festividades, agora mesmo seria uma ocasião muito especial para se levantar um brinde, tomar uma, dar a volta olímpica, soltar fogos, virar a noite na Lapa, enfim,  não faltariam opções para o carioca festejar o glamour da cidade maravilhosa na virada de mais um ano de sua longa trajetória.
     O que sobra hoje para manter de pé o orgulho de cada habitante por essa cidade é a resistência da população até que alguém consiga transformar o Rio de Janeiro num recanto viável, funcional, aprazível para quem aqui vive.
   Mas vamos combinar também que no meio de todo esse amor e orgulho de sobra falta também a mesma medida de cuidado, zelo, responsabilidade, respeito e dignidade. A gente cansa de cobrar da prefeitura uma política à altura do que representa o Rio para o Brasil e para o mundo, e tudo que é feito por aqui ainda não deixou a cidade do Rio adequada ao status de uma grande metrópole, moderna, eficiente e completamente inserida no plano global em todos os aspectos.
    É bom lembrar que o cidadão tem o direito de exigir, sim, o melhor, mas ele também é responsável por manter tudo no lugar. Quem chega de fora para o Carnaval, Réveillon e outras resenhas, anda pelas ruas e vê indícios, tanto de descaso do poder público quanto de desleixo da própria população. Poucos cuidam da cidade como deveriam.
   Toda essa propaganda institucional que fazem para a imagem da cidade fora do Brasil já não tem mais sentido algum. Nativos e forasteiros já estão cientes dessa fake news. Até as empresas que meteram o pé do Rio tiveram motivos óbvios para riscar a cidade de seus roteiros de empreendimentos.
   Agora, depois de todo esse tempo de fundação, civilização, povoamento e modernidade, o ideal é que estivéssemos agora consagrando nossas conquistas, organização e potencial para funcionar a plenos pulmões. A gente era para estar aprimorando tudo que precisou ser feito lá atrás, atualizando uma coisa aqui e ali, para tudo continuar funcionando de fato, sem interrupções na nossa agenda, sem treta de qualquer natureza.
    Infelizmente falta muito para chegarmos a um patamar aceitável. É preciso mudar a narrativa de como fazer o Rio de Janeiro ser verdadeiramente a nossa cidade. Feito isso, pode-se até instituir um feriado nesse dia de hoje.
  

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

TRAGÉDIA REPETIDA



  Toda vez que eu escrevo sobre essas tragédias provenientes de temporais eu tomo um certo cuidado pra não estar repetindo sempre a mesma coisa, porque parece até que eu colo aqui nesse espaço o mesmo texto sobre o assunto já abordado em outros eventos dessa natureza.
  Se antes a gente focava no descaso das autoridades, não é difícil perceber que tudo continua do jeito como sempre esteve. Quando se menciona a solidariedade das pessoas num momento difícil como esse, é animador saber que tem gente disposta a minimizar o sofrimento das vítimas. E sobre os recursos que o governo federal sempre envia às prefeituras, a primeira dúvida que surge é como e em que é usada aquela grana, enfim.
   Essa questão financeira é importante destacar porque tem de estar atrelada a um projeto, um estudo já feito sobre cada situação. Assim como já ocorreu em outras regiões devastadas por temporais com registros de destruição e mortes, não é diferente que nesse novo evento, agora no litoral paulista, já tenha sido feito todo um estudo técnico com todas as informações, recomendações e procedimentos que o poder público deve seguir para ir diminuindo os efeitos de eventos naturais na vida das pessoas.
    Depois de todo esse tempo com inúmeros registros de calamidades em regiões críticas, a única certeza é que o Brasil como um todo não está preparado para o extremismo climático que afeta todo o planeta. E o que pior, não há nada sendo feito ou discutido nesse sentido, apenas sucessivos alertas de estudiosos e os velhos paliativos nesses encontros das três esferas de governo.
     É claro que todo mundo se envolve numa hora dessa. Os governos federal, estadual e municipal, cada um no papel que lhe cabe na questão. Mas é preciso entender que todos esses eventos são assuntos pertinentes à cidade afetada. Os relatórios são feitos baseados no relevo, geografia, condições locais.
   De todos os encontros para tratar do assunto o mais importante foi o Rio +20, em 2012. Tudo bem que houve impasses como nos outros fóruns, mas esse encontro, particularmente, focou na questão das cidades. Não é à toa que aquele evento foi uma reunião de prefeitos.
    A gente vê o presidente e o governador também chegando junto, mas a responsabilidade é do prefeito. Ele dele que tem de partir a iniciativa de botar em prática as intervenções que precisam ser feitas, porque cada cidade tem uma particularidade, uma característica específica na sua geografia.
    O mau uso do solo urbano como efeito de construções irregulares tem a leniência da municipalidade. É o prefeito que faz vista grossa quando as favelas se proliferam em áreas críticas. É de responsabilidade do chefe do executivo municipal quando constroem em áreas de proteção ambiental toda sorte de empreendimentos para fomentar o turismo local, numa total desobediência as leis ambientais.
    Em todos essas localidades onde ocorrem essas tragédias, isso tudo se repete sempre, como se já fizesse parte do calendário das cidades. É só olhar a região serrana aqui no Rio de Janeiro, que tem o seu tempo exclusivo de calamidades, mortes e descasos também.
    No caso do litoral paulista são seis cidades afetadas pelas fortes chuvas, incluindo Caraguatatuba, que em 1967 um acidente da mesma natureza matou 450 pessoas. Pois é, não fizeram nada. É mais uma região que sofre com chuvas constantes, e sem nenhuma iniciativa para minimizar os impactos de eventos naturais.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

PEDAÇOS DA HISTÓRIA

 

   Quantas histórias já foram contadas na Marquês de Sapucaí? Um pergunta que já deve ter fervilhado a cabeça de muita gente. Já tive pensando nisso, mas sem tentar especular o quantitativo, imagine, já passou tanto tempo.
    Hoje, o que se pode de fato constatar é a forma como são contadas essas histórias na avenida. Os enredos, além de uma ilustração clara do que está sendo proposto apresentar ao público, revela também um viés, uma ótica diferenciada de como se deu um episódio qualquer que o carnavalesco resolveu levar para a passarela.
     Até mesmo quando a escola traz um fato já bem conhecido pela sociedade, há sempre uma informação nova, um dado qualquer que automaticamente dá ao assunto abordado uma outra dimensão. O propósito do carnavalesco é justamente criar uma perspectiva diferente, porque as histórias precisam ser contadas da forma como aconteceram de fato, diferentemente de como a gente soube pelos livros de história.
     O cara vai pesquisar, colher informações, entrevistas, depoimentos, buscas, e o resultado acaba sendo um retrato mais fiel da história que a gente já conhece ou de um episódio desconhecido do público, que foi pouco difundido, mas que agora vem à tona.
    E o carnavalesco, por todo esse trabalho de imersão na história, ele mesmo faz descobertas, claro, e com isso acaba contribuindo para grande parte da nossa história. Quanta coisa que passou ao longo desses tempos completamente despercebida do público e agora ganha publicidade, vai formando uma espécie de quebra-cabeça, porque em nossa história está sempre faltando um pedaço.
    Para parte do público que se interessa pela história é sempre gratificante conhecer novos elementos de tudo que se passou lá atrás e uma criar nova consciência e esclarecer melhor, formar opinião sobre tudo que é importante saber sobre nossa formação como sociedade, nossa cultura, origem de nossa gente com efeito na diversidade do povo brasileiro, as etnias, religiões e toda forma de vida.
   É isso que basicamente as escolas trazem, só que com um olhar diferente, o que se reflete até na maneira como a escola evolui na Marquês de Sapucaí.
    A magia do carnaval não se restringe à estética das cores, dos batuques e das performances dos passistas. A importância do carnaval na avenida é a oportunidade de se fazer uma leitura de como vem por exemplo, um carro alegórico, as alas e suas representações, a comissão de frente com aquele teatro maravilhoso como cartão de vista da escola, tudo com uma mensagem embutida.
   Se não for assim nem adianta atravessar a avenida, porque a cultural em geral tem essa premissa básica.
    Mais do que uma grande festa, o carnaval é a cultura que enriquece a nossa história.